Envelhecimento e estilo de vida tendem a potencializar o desenvolvimento da aterosclerose, mas estudo com camundongos mostrou o papel do sistema nervoso na doença, bem como o efeito protetivo do treinamento físico
Texto: Gabriele Mello
Arte: Simone Gomes – Segunda, 10 de junho de 2024
Em mulheres, existe um consenso de que o risco maior para doenças do coração começa após a menopausa, quando o corpo para de produzir os hormônios sexuais, que tem função cardioprotetora. Mas, de acordo com pesquisa do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o risco já existe antes desse período.
Os pesquisadores analisaram fêmeas de camundongos com aterosclerose – uma disfunção gerada pelo acúmulo de colesterol nas artérias e veias, formando placas de gordura que atrapalham a passagem do sangue – e descobriram que os efeitos da doença surgem antes da senescência reprodutiva, que compreende o período em que a produção dos hormônios sexuais em mulheres começa a cair.
No entanto, ao exporem um dos grupos com a doença à prática de atividade física, foi observada melhora nos efeitos que o envelhecimento provocava na aterosclerose, com aumento de quantidade de antioxidantes e anti-inflamatórios. “Demonstramos o importante papel do sistema nervoso na aterosclerose, bem como o efeito protetivo do treinamento físico na doença”, descreve Nascimento.
Os animais e o protocolo de atividade física
As fêmeas de camundongo usadas no estudo têm uma alteração genética que inativa a apoliproteína E, que tem grande importância na captação do colesterol na corrente sanguínea. Sem a ação da apoliproteína E, acontece o acúmulo do colesterol na parede das artérias e veias das camundongos fêmeas, mimetizando a aterosclerose nos animais.
Para observar os efeitos da atividade física no envelhecimento e na aterosclerose, os camundongos foram divididos em grupos de meia-idade que praticavam ou não atividade física. Um terceiro grupo, usado para comparar os resultados, era composto por animais jovens.
Os três grupos foram adaptados para um teste de esforço máximo, que consiste em treinamento físico em esteira. Os treinamentos do grupo ativo fisicamente eram de intensidade moderada, uma hora por dia, cinco dias na semana, por seis semanas. Todos os grupos eram submetidos a um teste de esforço, que avalia a capacidade cardíaca.
“O grupo meia-idade que permaneceu sedentário durante todo o protocolo apresentou efeitos negativos decorrentes do envelhecimento na aterosclerose, como piores desfechos cardiovasculares e menor atuação de mecanismos de controle. Em contraponto ao grupo meia-idade treinado”, conta Nascimento, que completa dizendo que os parâmetros vistos nas fêmeas de camundongo que praticavam o treinamento eram mais semelhantes aos dos animais jovens.
Aterosclerose e envelhecimento
A prática de atividade física entre as fêmeas de camundongo manteve a atividade de proteínas antioxidantes e levou à produção de substâncias anti-inflamatórias.- Foto: brgfx/ no Freepik
Na aterosclerose, “o envelhecimento e o estilo de vida tendem a potencializar o desenvolvimento da disfunção”, diz Nascimento, completando que “é consenso que essa população [fêmeas após a menopausa] tende a apresentar maior adiposidade corporal e disfunções metabólicas”.
Além disso, “no início da senescência reprodutiva há um declínio de proteção de agentes antioxidantes na doença, o que pode ser um dos mecanismos envolvidos com os prejuízos de função cardíaca nessa população”, explica.
O processo de envelhecimento também piora a atuação dos barorreceptores, sensores que regulam a pressão arterial. Localizados na principal artéria do corpo, a aorta, ao identificarem uma alteração, esses receptores geram uma resposta de controle para que a pressão aumente ou diminua. No entanto, “a aterosclerose gera aumento da espessura da aorta, e esta modificação pode estar associada a uma menor capacidade deste receptor se adaptar”, expõe o pesquisador, uma vez que o mecanismo dos barorreceptores se baseia em seu estiramento.
Atividade física como agente atenuante
Diagrama do Protocolo: O protocolo utilizou o kit ELISA para determinar a presença de TNFα, Interleucina-6 e Interleucina-10. O teste tem como base o princípio da ligação antígeno-anticorpo.
A pesquisa evidencia que “o treinamento físico conseguiu atenuar as disfunções cardiovasculares e a redução de atuação dos mecanismos de controle”. A prática de atividade física entre as fêmeas de camundongo levou uma proteína antioxidante, a superóxido desmutase, a manter sua atividade, e também à produção da interleucina 10, substância produzida pelo sistema imunológico e que tem ação anti-inflamatória.
Com a produção e a liberação desses componentes, a ação dos barorreceptores e a ação de outros componentes do sistema nervoso autônomo – aquele que funciona de forma independente à nossa vontade – que respondem à atividade física gerando respostas anti-inflamatórias, a resposta do organismo à aterosclerose pode melhorar. “O treinamento físico melhora a atuação de mecanismos de controle. Desta forma, acreditamos que as melhorias podem ter sido geradas por um aumento na capacidade de atuação destes sistemas em conjunto”, descreve.
Mais informações: Bruno Nascimento, e-mail [email protected]
Fonte: Jornal USP / Foto:Canva