Segundo Jônatas de Oliveira, os transtornos alimentares são, em muitos casos, uma forma de negação de si mesmo feita pelo indivíduo
Por Júlia Galvão – Sábado, 20 de maio de 2023
Segundo uma pesquisa realizada na Espanha, cerca de uma em cada cinco crianças entre 6 e 18 anos apresenta algum tipo de desordem alimentar que, se não tratada corretamente, pode se tornar um transtorno alimentar, como anorexia, bulimia e compulsão alimentar. O mesmo estudo demonstrou que esse comportamento costuma ser mais comum entre as meninas — cerca de 30% delas apresentam a desordem, enquanto isso, o número cai para 17% quando falamos dos meninos.
No território nacional, os dados também são alarmantes, cerca de 10 milhões de pessoas apresentam algum tipo de transtorno alimentar. Jônatas de Oliveira, pesquisador em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP, comenta que os transtornos podem ser originados a partir de diferentes fatores e o tratamento para eles requer um cuidado específico para cada paciente.
Transtornos alimentares
As desordens alimentares são marcadas por comportamentos alimentares que se distanciam daqueles que são considerados normais para a maioria dos indivíduos, como o constante beliscar de comidas ou a ausência de refeições por um período muito extenso. Contudo, a frequência e a intensidade dessa desordem pode fazer com que ela se eleve para um transtorno alimentar. “Nós temos critérios específicos para classificar um transtorno alimentar, você consegue notar que o indivíduo está dentro desse fenômeno com muita intensidade”, explica Oliveira.
O especialista comenta também que a compulsão alimentar é o transtorno alimentar mais comum no Brasil. É importante notar que nem todo comer transtornado é um transtorno alimentar — uma vez que episódios pontuais podem acontecer com os indivíduos —, contudo, todo transtorno alimentar apresenta-se por meio do comer transtornado.
Além disso, os transtornos alimentares podem ser classificados por meio de duas categorias: aquelas relacionadas à imagem corporal e as não relacionadas à imagem corporal. Segundo Oliveira, os comportamentos alimentares dos indivíduos que apresentam essas desordens são muito parecidos e, por esse motivo, é comum avaliá-los como incapazes de realizar ações autônomas associadas à sua alimentação. A cultura também apresenta papel fundamental no desenvolvimento desses transtornos, uma vez que ela costuma exigir certos padrões dos indivíduos, mesmo que de forma indireta. “O transtorno alimentar vai ser uma forma de o indivíduo tentar modificar essa imagem corporal e esse peso”, adiciona o especialista.
Crianças e adolescentes
Em primeiro lugar, Oliveira comenta que o jovem é como uma folha em branco, assim, é a partir de diferentes vivências e experiências que ele começa a moldar o seu comportamento e a sua personalidade. “Nesse período, onde a personalidade está sendo formada, onde a ideia de quem eu sou, qual o meu tamanho, como é o meu corpo, o que é bonito e feio, entre outros; sua mente ainda está em construção, questionando e mudando, junto com algumas mudanças hormonais. Assim, esse indivíduo vai se tornando mais independente, questionador e existe uma impulsividade que é um pouco mais marcada”, discorre o especialista.
É também nesse período que o jovem pode passar por situações vulneráveis que devem atrapalhar o seu relacionamento e entendimento sobre o próprio corpo, podendo causar, dessa forma, desordem e transtornos alimentares. Segundo Oliveira, sofrer algum tipo de preconceito pode gerar mudanças nos comportamentos alimentares de crianças e jovens que ainda estão passando pelo processo de construção de sua autoestima.
As redes sociais parecem ter um papel fundamental no aumento do número de jovens que sofrem com algum tipo de transtorno alimentar. O especialista comenta que isso aconteceu, entre diversos motivos, pelo fato delas terem facilitado o contato desses indivíduos com uma variedade de corpos muito grande e o aumento a um estímulo para a redução da alimentação. “Existem pesquisas que relacionam o tempo de tela com alguns comportamentos alimentares. As redes sociais podem se configurar como um fator de manutenção dessa doença, se aliando a certos estímulos que incitam a prática”, adiciona Oliveira.
Os tratamentos para esses transtornos são de suma importância, contudo, no Brasil, ainda contamos com a falta de profissionais capacitados nessa área. O especialista comenta que o País encontra-se em fase de treinamento e, para o aumento do número de profissionais nessa área, precisamos de mais políticas públicas.
Fonte: Jornal USP