Balanço divulgado pelo governo sobre o Auxílio Brasil mostra que a maior parte dos municípios com os maiores valores médios pagos no mês de abril estão localizados na região Norte do país.
Levantamento feito pelo g1 nos dados divulgados pelo Ministério da Cidadania mostra que 23 municípios têm valores médios acima de R$ 420, sendo 16 deles na região Norte.
Dois municípios, um localizado no Amazonas e outro em Roraima, têm o maior valor médio pago, de R$ 439 – 9% maior que o valor médio nacional do benefício, de R$ 403,08.
A região Norte é também a terceira entre as com maior número de famílias beneficiadas dentro do Auxílio Brasil neste mês: 2,1 milhões. O Nordeste se mantém como a região com mais contemplados: 8,5 milhões, seguido do Sudeste, com 5,2 milhões. No Sul são 1,2 milhão de famílias, e no Centro-Oeste, 926 mil.
O g1 entrou em contato com o Ministério da Cidadania para saber as razões sobre esses valores maiores em municípios da região Norte e não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.
Além disso, dos 5.571 municípios da lista, 2.145 pagam em abril benefício acima do valor médio do benefício (R$ 403,08) – ou seja, 38,5%.
No entanto, o valor médio em abril teve queda de 1,7% em relação à média de março (R$ 409,80). Além disso, no mês passado, os valores médios chegaram a R$ 500,78 no município de Eirunepé, no Amazonas, a R$ 499,69 em Japaratinga e a 498,55 em São Miguel dos Campos, ambos em Alagoas. Esses valores são 22% maiores que a média nacional do benefício no mês passado.
O g1 questionou o Ministério da Cidadania sobre essa variação de valores dentro dos municípios de um mês para o outro e também não obteve resposta.
De acordo com o balanço de abril, 154 municípios têm valor médio acima de R$ 410. Outros 82 têm valor médio de R$ 400, que é valor mínimo do Auxílio Brasil – eles estão localizados nos estados de Minas Gerais (6), São Paulo (5), Santa Catarina (11), Rio Grande do Sul (56) e Goiás (4).
Critérios do programa explicam valores
Ecio Costa, economista pela Universidade Federal de Pernambuco e pós-doutor em economia pela University of Georgia (EUA), explica que esses valores mais altos na região Norte e Nordeste podem ser explicados pela própria concepção do Auxílio Brasil.
O economista cita os critérios de pobreza e extrema pobreza, além das modalidades de benefícios do programa, como Auxílio Esporte Escolar, Bolsa de Iniciação Científica Junior, Auxílio Inclusão Produtiva Rural e Benefício Compensatório de Transição (leia mais abaixo).
“Quando a gente olha o perfil social dessas famílias nas regiões Norte e Nordeste, aí você vê que a situação deles é a que mais se enquadra no alvo do auxílio, ou seja, ele é direcionado para essas famílias que têm mais dificuldades. Então não me surpreende você ter esse percentual [valor pago] mais elevado para essas regiões, que são justamente as mais pobres, com famílias mais numerosas, porque aí você tem mais crianças e, consequentemente, recebe mais renda. Além disso, essas regiões têm perfil mais agrícola, e por isso também recebem mais renda. E a questão de ser mais pobre também vai trazer um benefício maior”, afirma.
Dificuldade para atender a beneficiários mais vulneráveis
Estudo intitulado “Como avançar a agenda da proteção social no Brasil?”, dos economistas Vinícius Botelho, doutorando em economia pelo Insper; Fernando Veloso, pesquisador do FGV Ibre; e Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, avalia que a identificação das famílias vulneráveis não é o único fator para um programa de transferência de renda funcionar bem. São necessários um orçamento adequado e fórmulas de pagamento de benefício que transfiram mais recursos para as famílias em situação de maior vulnerabilidade.
Segundo eles, em um programa que atende mais de 20% da população brasileira, as condições de vulnerabilidade das famílias beneficiárias diferem significativamente.
“Focalizar o benefício em quem mais precisa é a chave para que o programa tenha uma relação benefício-custo positiva”, defendem.
Para eles, é crucial que a agenda de proteção social seja retomada, com foco nas questões realmente prioritárias e que combinem o objetivo de curto prazo, de diminuir os efeitos da pobreza, com soluções de longo prazo, por meio da reforma da estrutura de benefícios atualmente existente na direção de uma maior racionalização de conceitos e critérios, para aumentar a potência da política social no combate à pobreza, na redução de desigualdade de renda e na provisão de amparo às famílias vulneráveis.
“O Auxílio Brasil acabou atribuindo múltiplos objetivos, critérios e públicos para um programa que ainda tem dificuldade de atender adequadamente os seus beneficiários mais vulneráveis”, afirmam.
Para os economistas, o benefício extraordinário de R$ 400 compromete a capacidade de atender adequadamente a população de mais baixa renda e eleva substancialmente o custo fiscal do programa. Segundo eles, perdeu-se a oportunidade de avançar na agenda de identificação e cadastramento das famílias pobres e é necessária maior simplificação dos benefícios associados à transferência de renda.
Critérios e prioridades do programa
No processo de seleção, primeiro é dada prioridade às famílias identificadas no Cadastro Único que estão em condições de maior vulnerabilidade social. São elas:
- Com integrantes em situação de trabalho infantil;
- Com integrantes libertos de situação próxima à de trabalho escravo;
- Quilombolas;
- Indígenas;
- Com catadores de materiais recicláveis;
- Outras categorias, quando permitidas e fundamentadas pelo Ministério da Cidadania.
Depois, são selecionadas para receber o Auxílio Brasil as famílias com menor renda. Assim, podem ser escolhidas para participar do programa:
- Famílias extremamente pobres: com renda familiar mensal per capita de até R$ 105, mesmo que não tenham gestantes, crianças ou adolescentes na família.
- Famílias pobres: com renda familiar mensal por pessoa entre R$ 105,01 e R$ 210 que tenham gestantes, crianças ou adolescentes.
- A prioridade na seleção é dada a partir das informações de renda mensal por pessoa e pela quantidade de crianças e jovens com idade de 0 a 17 anos na família.
Há ainda a identificação dos municípios com menor cobertura do Auxílio Brasil. Para a seleção, as famílias habilitadas, em cada município, são ordenadas de acordo com os seguintes critérios, sucessivamente:
- menor renda familiar mensal per capita;
- maior quantidade de integrantes menores de 18 anos;
- famílias que estejam habilitadas de forma ininterrupta há mais tempo.
Há ainda nove modalidades de benefícios dentro do Auxílio Brasil. Os três primeiros formam o “núcleo básico” do programa:
- Benefício Primeira Infância: para famílias com crianças de até 3 anos incompletos. O benefício deverá ser pago por criança nessa faixa etária e o limite será de cinco benefícios por família.
- Benefício Composição Familiar: para famílias que tenham gestantes ou pessoas de 3 a 21 anos de idade – atualmente, o Bolsa Família limita o benefício aos jovens de até 17 anos. O governo diz que o objetivo é incentivar esse grupo adicional a permanecer nos estudos para concluir pelo menos um nível de escolarização formal. O limite também será de cinco benefícios por família.
- Benefício de Superação da Extrema Pobreza: esse benefício entra em cena quando, após computadas as “linhas” anteriores, a renda mensal per capita da família ainda estiver abaixo da linha de extrema pobreza. Neste caso, diz o governo, não haverá limitação relacionada ao número de integrantes do núcleo familiar.
- Auxílio Esporte Escolar: destinado a estudantes com idades entre 12 e 17 anos incompletos que se destaquem nos Jogos Escolares Brasileiros e já sejam membros de famílias beneficiárias do Auxílio Brasil. O auxílio será pago em 12 parcelas mensais ao estudante e em parcela única à família do estudante.
- Bolsa de Iniciação Científica Junior: para estudantes com bom desempenho em competições acadêmicas e científicas e que sejam beneficiários do Auxílio Brasil. A transferência do valor será feita em 12 parcelas mensais. Não há número máximo de beneficiários por núcleo familiar.
- Auxílio Criança Cidadã: direcionado ao responsável por família com criança de zero a 48 meses incompletos que consiga fonte de renda, mas não encontre vaga em creches públicas ou privadas da rede conveniada. O valor será pago até a criança completar 48 meses de vida, e o limite por núcleo familiar ainda será regulamentado.
- Auxílio Inclusão Produtiva Rural: pago por até 36 meses aos agricultores familiares inscritos no Cadastro Único. No primeiro ano, após carência de três meses, o pagamento será condicionado à doação de alimentos para famílias em vulnerabilidade social atendidas pela rede de educação e assistência social. Os municípios terão de firmar termo de adesão com o Ministério da Cidadania.
- Auxílio Inclusão Produtiva Urbana: quem estiver na folha de pagamento do programa Auxílio Brasil e comprovar vínculo de emprego formal receberá o benefício. O recebimento é limitado a um auxílio por família.
- Benefício Compensatório de Transição: para famílias que estavam na folha de pagamento do Bolsa Família e perderam parte do valor recebido na mudança para o Auxílio Brasil. Será concedido no período de implementação do novo programa e mantido até que o valor recebido pela família seja maior que o do Bolsa Família ou até que não se enquadre mais nos critérios de elegibilidade.
Fonte: g1