Basta saber que não estamos sós

Afa Neto colunistas

Por Afa Neto – Sexta, 16 de outubro de 2020


O que restou foi a sensação de estar abandonado à própria sorte. 

Pessoas, existem, e muitas, ao nosso redor, mas sabemos que não podemos contar com elas quando a situação for extrema.

Entrentenimento, existe em quantidade bem maior do que nossa capacidade de nos envolver com ele se vivêssemos 200 anos. Mas não nos torna felizes.

O modo de produção capitalista montou uma sociedade para a obtenção do lucro e moeu todos em sua máquina de gerar zumbis. O que fazer para tentar reparar esse “efeito colateral” da sociedade do capital? 

Se o sistema capitalista não iria pagar a conta, que o Estado o fizesse. E assim se criou o “estado do bem-estar social”. 

Não há razões para o desespero. 

Se vc adoeçe pela loucura da vida de trabalho imposta pela sociedade, o estado deve prover tratamento. 

Se você enlouquece devido ao modo de vida louco do sistema, o estado providencia internação. 

Se voce se torna obsoleto para o mercado de trabalho, depois de ter sido sugado por ele, o estado providencia o seguro desemprego e te requalifica para voltar à exploração. Afinal, você é do “exército de reserva de mão de obra”. 

Se você não vê futuro, porque o futuro te foi negado, não se desespere; o estado providencia uma previdência para exorcizar seus fantasmas.

Mas o monstro evoluiu e como virus mutante, transmutou-se para uma forma mais perversa e difícil de combater. Veio a sociedade do consumo e tudo virou mercadoria, e nada era pra sempre, e nós já não sabemos quem somos, onde estamos, ou mesmo se somos. 

O que era ruim, ficou pior; pois o estado disse que não pagaria a conta. Foi-se o “estado do bem-estar social”. Quem assume o ônus? Não será o causador do problema (o sistema capitalista) nem seu sócio (o estado moderno). A conta caiu em nosso colo. Eis que o cíclo da perfeição do sistema de produção capitalista se fechou. Agora somos vítimas e vilões. Explorados por um sistema desumano e acusados de fracassados quando não conseguimos nos adequar a ele.

Sua saúde foi solapada na roda da fortuna movida pelo modelo de produção da sociedade de consumo? Se vira. Trata de arrumar um plano de saúde.

Ficou desempregado devido ao fato de que a empresa onde você trabalhava fechou pois viu uma relva mais verde em outro lugar? Trate de fazer das tripas coração, bote sua criatividade para funcionar e vá para a selva, pois o emprego como você conheceu já não existe. Ah, lembre-se: o desempregado já não é mais parte do “exército de reserva de mão de obra”, ele agora é um estorvo e um inconveniente sociais.

De vez em quando você é assaltado com pensamentos inconvenientes sobre sua velhice? É melhor aprender logo a reprimí-los. Aposentado é um gigantesco empecilho ao progresso da humanidade. São chamados de “inativos”. Não contribuem para alimentar o apetite voraz do sistema e, ainda por cima, consome o resultado dos nobres e bravos trabalhadores da “ativa”. Sua filosofia de vida agora é a do AA: “só por hoje”. Fique satisfeito por ter conseguido sobreviver a mais um dia.

Pois bem caro leitor, como sou um místico inveterado e um pálido seguidor do do Homem/Deus retratado nas páginas do Novo Testamento, fico a me perguntar: Na vida e nas palavras de Jesus há alguma coisa que me norteia nessa escuridão? Que não se resuma à negação aliendada do agora nem à adesão submissa ao que está aí?

SIM. Tudo que ele viveu e falou é uma confrontação ao que está diante dos nossos olhos.

Mas não temos tempo aqui para ir adiante. Por enquanto, basta dizer que não estamos sós.

Afa Neto

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