Para o Tribunal Permanente dos Povos (TPP) condução da crise sanitária pelo presidente custou a vida de pelo menos 100 mil pessoas. Condenação simbólica amplia pressão internacional contra Bolsonaro, processado no Tribunal Penal Internacional de Haia
O presidente Jair Bolsonaro (PL) foi condenado nesta quinta-feira (1º) pelo Tribunal Permanente dos Povos (TPP) por crimes contra a humanidade cometidos durante a pandemia da covid-19, que no Brasil já deixou mais de 684 mil mortos. O Tribunal, que realizou audiências em maio, indicou que a adoção de uma outra condução da crise sanitária teria salvo a vida de pelo menos 100 mil pessoas. A condenação, simbólica, vai ampliar a pressão internacional contra o presidente brasileiro, que disputa a reeleição. No entanto, não deve ter consequências práticas do ponto de vista jurídico.
Isso porque esse tribunal internacional, criado na década de 1970, não tem o peso do Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda. Tampouco a prerrogativa de adotar medidas contra um Estado ou chefe de governo. Mesmo assim, a condenação é considerada importante para pressionar o Palácio do Planalto e expor mais uma característica desastrosa do governo Bolsonaro ao mundo. A informação é do jornalista Jamil Chade, no portal UOL.
O colunista destaca trecho da sentença que aponta a responsabilidade pessoal do presidente – e não do Estado, o que reforça petições contra ele no Tribunal Penal de Haia. “Ao contrário da maioria das sentenças do nosso Tribunal Permanente dos Povos, esta sentença refere-se à responsabilidade pessoal, ou seja, à responsabilidade penal de uma única pessoa: à culpa do presidente brasileiro, Jair Messias Bolsonaro, por crimes contra a humanidade.”
“O crime pelo qual o presidente Bolsonaro foi responsável consiste em uma violação sistemática dos direitos humanos, por ter provocado a morte de milhares de brasileiros devido à política insensata que promoveu em relação à pandemia de covid-19”, diz ainda a sentença. “”Como resultado dessa conduta, calcula-se – com base na comparação entre o número de óbitos no Brasil e o número de óbitos em outros países que adotaram políticas anti-covid-19 recomendadas por todos os cientistas – que morreram no Brasil cerca de 100 mil pessoas a mais do que teriam falecido em decorrência de uma política mais responsável.”
“Causou milhares de mortes”
Em outro trecho destacado da sentença pela qual Bolsonaro foi condenado, os juízes apontam para a subnotificação dos casos no Brasil. “É claro que esse número é bastante aproximado: pode ser um número menor, mas também um número maior. O certo é que a absurda política de saúde do presidente Bolsonaro causou dezenas de milhares de mortes.”
Na abertura da sessão de leitura da sentença, um dos integrantes da corte, Gianni Tognoni, declarou que o TPP recebeu “indícios substanciais” de má condução do governo da pandemia. Também afirmou que o governo brasileiro jamais respondeu aos convites da entidade para participar do processo”, lembrando que o foco do tribunal foi a “violação sistemática” dos direitos do povo brasileiro, diante das políticas adotadas durante a covid-19.
Chade destacou fala de Tognoni sobre a total omissão de Bolsonaro ao desqualificar a gravidade da doença, atrasar a vacina e negar auxílio sobretudo para as pessoas mais pobres. “Ao violar profundamente seus poderes, o governo e o presidente transformaram uma emergência severa, que pedia proteção adequada, em uma ocasião para atacar populações já discriminadas, qualificadas como descartáveis”.
E de trechos da sentença em que o tribunal apontou a opção de Bolsonaro pela economia de forma deliberada. “O maior mal foi escolhido: a aflição às vidas humanas”. “Morte em massa foi produzida por uma decisão dolosa ou por omissão”. “O resultado foi deliberado, ou seja, doloso.”
“O resultado letal em massa foi doloso”
“Não se pode considerar que o dolo foi acidental. O resultado letal em massa foi doloso”, completou. Isso significa ainda que se trata de um crime que não irá prescrever.
O pedido para que Bolsonaro fosse condenado por genocídio, porém, não foi atendido pelo tribunal por questões estatísticas. A taxa de letalidade com indígenas e negros foi superior à média da população, revelando as consequências de um contexto de profunda desigualdade anterior à pandemia.
O governo sabia da vulnerabilidade desses grupos, mas isso não é suficiente. Carece de prova de intenção em nome do cuidado para não banalizar o conceito de genocídio. Mesmo assim, pelo menos em termos éticos, há “indícios sérios de que o estado brasileiro está provavelmente cometendo um genocídio como um crime contínuo, a conta gotas e ao longo de um século. E que deveria ser avaliado”, afirmou o Tribunal.
Ao UOL, a advogada, professora de Direito Constitucional da FGV Direito-São Paulo e membro da Comissão Arns Eloísa Machado afirmou que se trata de uma decisão histórica. Isso porque o TPP é a arena que vai promover um “escrutínio das más decisões que levaram aos milhares de mortos”.
“Essa será a instância de registro da verdade e também de um tipo de reparação, mesmo que seja simbólica e moral. Uma reparação para todos os que sofreram”, disse. E a decisão confirma a tendência de as instâncias internacionais terem se transformado no principal espaço de responsabilização e reparação de direito.
Fonte: RBA