Brasil aplica apenas 0,16% da renda do petróleo em ações ambientais e climáticas, aponta Inesc

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Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação recebeu 1% dos recursos em 2024, quase totalmente direcionados ao setor de petróleo, em detrimento da pesquisa em energias renováveis ou tecnologias limpas

Brasil arrecadou R$ 108,2 bilhões das chamadas “rendas do petróleo” provenientes de royalties, participações especiais e bônus de assinatura, mas apenas R$ 168,33 milhões – 0,16% do total – foram direcionados a ações ambientais e climáticas, de acordo com a Nota Técnica “Renda do petróleo: desafios, contradições e caminhos para a superação da era fóssil”, elaborada pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

O relatório aponta que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação recebeu 1% dos recursos, quase totalmente direcionados ao setor de petróleo, em detrimento da pesquisa em energias renováveis ou tecnologias limpas.

“Soma-se isso aos atuais critérios do Novo Arcabouço Fiscal, que dificultam que a renda do petróleo possa ser aplicada em despesas primárias para investimentos em adaptação climática, gestão de riscos, ciência e tecnologia, que são essenciais para que o país possa enfrentar os extremos climáticos e construir saídas de médio prazo para a dependência em relação ao petróleo”, disse Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc e autora da Nota Técnica.

Segundo o estudo, apesar da gigantesca arrecadação vinda com o petróleo, critérios de partilha obsoletos, entraves jurídicos e a falta de regulamentação efetiva, impedem uma distribuição estratégica dessa renda.

“Enquanto bilhões deixam de ser usados, o Brasil adia investimentos fundamentais em educação, saúde e enfrentamento às mudanças climáticas”, acrescentou Cardoso.

Concentração geográfica

Os dados mostram que a distribuição atual da renda do petróleo evidencia “desigualdades regionais gritantes”. Só o estado do Rio de Janeiro recebe 82,6% da renda do petróleo destinada a todos os estados. E cinco cidades fluminenses (Maricá, Macaé, Niterói, Saquarema e Campos dos Goytacazes) receberam R$ 10,6 bilhões em royalties, o equivalente a 59% do total transferido para o estado.

Essa distribuição, explica a Nota Técnica, tem origem nos critérios legais estabelecidos no século passado, que se basearam na proximidade geográfica dos entes federativos em relação aos campos de produção. O Tribunal de Contas da União (TCU), por meio do Acórdão Nº 2385/2024 – TCU – Plenário, apontou essa distorção federativa e classificou a concentração excessiva da renda petrolífera como uma “loteria territorial” que beneficia, desproporcionalmente, Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo.

“Esta extrema concentração colide frontalmente com as promessas de uso da renda do petróleo para redução das desigualdades sociais no país, potencializa as desigualdades regionais e dificulta, ainda mais, a construção de uma trajetória de desenvolvimento que supere a dependência fóssil”, salientou a assessora política do Inesc.

Superação da era fóssil

A Nota Técnica destaca que é urgente que a renda do petróleo esteja comprometida com uma trajetória firme e segura para a superação da era fóssil. Para isso, sugere que haja uma alteração legal para inclusão do financiamento climático sob a ótica de um efetivo federalismo climático na Lei nº 12.858/2013 – essa legislação destina uma parte da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural para as áreas de educação e saúde.

O documento enfatiza que, ao lado da educação e da saúde, o enfrentamento das mudanças climáticas deve ser uma prioridade inadiável para a atual e as próximas gerações, e que se deve aprofundar o debate e a proposta de regulamentação garantindo a destinação de pelo menos 20% dos recursos da Fonte 1042 (Capitalização do Fundo Social) para financiar a agenda de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, com ações endereçadas a lidar com seus efeitos e o enfrentamento das consequências sociais e econômicas de calamidades públicas.

Por fim, aponta que é preciso retirar a renda do petróleo das “amarras” do Novo Arcabouço Fiscal, para permitir sua utilização em políticas públicas de enfrentamento às mudanças climáticas e combate à desigualdade. “É urgente transformar essa renda em um instrumento de justiça social e climática.”, completou Cardoso.

Fonte: Um Só Planeta / Plataforma de petróleo ancorada no mar no Rio de Janeiro — Foto: Getty Images

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