Especialistas apontam necessidade de tratar com maior criticidade a relação das empresas com o público LGBTQIA+, cujo potencial financeiro atrai empresas de diversos setores, que buscam lucrar com o que é conhecido popularmente como “Pink Money”
Por diogobachegapaiva – Quarta, 5 de janeiro de 2022
Conquistas da população LGBTQIA+ como o aumento de 61,7% no número de casamentos homoafetivos e a ampliação do debate sobre sexualidade, gênero e expressão são acompanhadas por um aumento na publicidade e no espaço na mídia direcionados para esse público.
Uma pesquisa da Out Leadership, realizada em 2017, apontou que, já nessa época, a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) era responsável por uma renda anual estimada em US$ 141 bilhões. Esse potencial financeiro atrai empresas de diversos setores, que buscam lucrar com o que é conhecido popularmente como “Pink Money”.
Apesar da maior visibilidade trazida à causa LGBTQIA+ por meio de estratégias de marketing, especialistas enfatizam a necessidade de se pensar com maior criticidade e cautela a relação entre as empresas e esse público.
“Pink Money” é bom para quem?
Segundo Alexandre Martins, pesquisador do NÓS, Núcleo de Sociologia, Gênero e Sexualidade da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, “Pink Money é um termo utilizado para designar um setor do mercado que se volta para a população LGBTQIA+ pensando justamente no poder de compra, poder de mercado, que parte da população LGBTQIA+ tem”.
Martins comenta que, apesar desse termo ser utilizado frequentemente com conotação positiva, ele é visto de forma crítica em meios acadêmicos e de ativismo, já que empresas que fazem campanhas voltadas para o público LBGTQIA+ nem sempre atuam para combater a LGBTfobia e a cisheteronormatividade, isto é, a manutenção da posição social superior, “mais normal”, atribuída à heterossexualidade e à cisgeneridade. “Várias dessas empresas que, em junho, se aproveitam e lucram com o Pink Money, financiam políticos abertamente conservadores e contra a população LGBT e a diversidade sexual e de gênero”, comenta o pesquisador.
O doutorando na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Daniel Zimmerman, especialista em Relações Públicas e Publicidade e Propaganda, comenta sobre o oportunismo por trás do tema. “A expressão ‘Pink Money’ vem de uma coisa que a gente, mesmo na área de Comunicação, Publicidade, Relações Públicas e Marketing, acha negativo, porque a gente sabe que a origem dele é de uma estratégia de negócio voltada para a exploração de um público consumidor específico. Que não, especificamente, prevê uma mudança de postura na organização.”
O comportamento do público
Martins acredita que a população LGBTQIA+ já olha para o Pink Money com maior criticidade. “Ao mesmo tempo em que a gente quer se ver representado e é bom que tenham pessoas LGBT sendo contratadas para fazer parte das propagandas dessas marcas, que esse dinheiro possa circular entre pessoas LGBT, cada vez mais tem sido comum uma crítica a como só isso não basta, sobre como isso de fato não promove uma inclusão e não tem alterado as condições de vida da população LGBT no Brasil, de que essa fatia do mercado que se volta à população LGBT precisaria ter políticas mais efetivas voltadas, por exemplo, à contratação, às condições de trabalho, a combater discriminação dentro do ambiente de trabalho”, comenta.
Zimmerman, no entanto, questiona até onde essa maior criticidade do público LGBTQIA+ interfere em suas decisões de compra. Para o pesquisador, o consumidor brasileiro ainda é pouco incisivo ao demandar que as marcas sigam seus valores e acaba consumindo sem levar o posicionamento das empresas em conta.
Fonte: Jornal USP