Candidatos armados se multiplicam nas campanhas eleitorais

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Folhapress – A imagem de uma Nossa Senhora em uma das mãos. Na outra, uma pistola, e o dedo indicador no gatilho. No ombro direito, uma bandeira do Brasil sobre a camiseta na cor chumbo, que estampa um cachorro cercado por aparatos bélicos. O óculos branco é estilo gatinho. O batom, cor-de-rosa.
Foi assim que Juliana Gaioso (PSL), candidata a vereadora em Campo Grande (MS), posou para a fotografia que está em seu panfleto de maior repercussão na internet. Com mais de 4.200 seguidores no Instagram e 2.000 no Facebook, ela tem como bandeiras a religiosidade e as armas.

Gaioso é parte de um fenômeno que deu um passo da marca das eleições de 2018. No pleito para a presidência, Jair Bolsonaro estimulou aliados a acompanhar o gesto de fazer “arminha” com as mãos. Eleito, agiu para flexibilizar o acesso da população às armas. Agora, imagens de pistolas povoaram campanhas de candidatos a vereador e prefeito.

Em São Bernardo do Campo (SP), o ex-assessor do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) Paulo Eduardo Lopes, conhecido como Paulo Chuchu, busca vaga na Câmara Municipal. Nas redes, intercala imagens de fuzis e pistolas, vídeos de ações políticas e expressões de religiosidade.
Em vídeo recente, mostra um entregador chegando com encomenda em sua casa: havia um fuzil dentro da caixa. Também postou foto em que uma criança empunha fuzil de brinquedo. Chuchu foi apontado pelo Facebook como divulgador de notícias falsas.

Em Recife, um candidato à prefeitura com 1% de intenção de votos, Coronel Alberto Feitosa (PSC), tem postado imagens de armas e textos como: “Sou a favor que as mulheres possam se defender! As mulheres hoje são estupradas, são assaltadas e não têm como se defender! Armamento para elas! Assim como a defesa para as mulheres que apanham dos maridos dentro de suas casas!”. Procurado, Feitosa não respondeu ao pedido de entrevista.

Mulheres armadas contra a violência aparecem em pelo menos duas campanhas. Joice Hasselmann (PSL) postou foto apontando uma pistola para a lente da câmera que a fotografa. A candidata, que já fundiu seu rosto à protagonista do filme “Kill Bill”, uma noiva enfurecida e exímia lutadora criada por Quentin Tarantino, agora procura difundir na internet a exaltação de suas habilidades com armas.
Joice conta que pratica o tiro esportivo há quatro ou cinco anos. “Comecei nos EUA, onde inclusive é muito menos burocrático e você pode atirar com armas de cano longo, armas longas, como metralhadoras, escopetas. Tenho uma AR-15 nos EUA, está lá, bem bonitinha, ganhei de presente”, diz.

No Brasil, mantém uma pistola com documentação da Polícia Federal. “Só falta mesmo fazer a prova, o que não é problema, porque atiro bem, mas não tive tempo por conta da campanha”. Joice defende a ampliação do armamentismo. “Sou uma liberal e acho que as pessoas têm de optar se querem ou não ter uma arma consigo uma arma em casa para proteger a família.”

Mas ela não acha que sua campanha estimula o armamentismo e não fez uso de imagens de armas no horário eleitoral na TV. “As pessoas fazem o que quiserem. Eu simplesmente coloquei uma foto [nas redes] mostrando um pouco do meu dia a dia. Simples assim.” Mas diz que “quem tem uma arma tem de ter muita responsabilidade, em especial de manusear essa arma, para evitar qualquer tipo de acidente.”

Gaioso, a candidata que posou armada com a imagem de Nossa Senhora, diz que a associação de religiosidade a belicismo representa duas crenças. “A arma é o direito de legitima defesa, a defesa do meu corpo e da minha família. E a Nossa Senhora Aparecida, a defesa da minha alma”, diz. “Uma proteção física e outra proteção espiritual”, prossegue.

Questões relacionada a armamento, flexibilização de posse, porte e aquisição de armas não são decididas pelas prefeituras e nem podem ser alteradas com legislação nas esferas municipais, já que são temas de gestão federal. A candidata está ciente disso.

“No âmbito municipal, o que posso trabalhar é com políticas públicas de conscientização da pequena parcela da população que acha que a segurança do indivíduo compete apenas ao Estado”.
Ela afirma que, no Mato Grosso do Sul, em 2005, 75% da população votou favorável ao direito de ter uma arma para se defender. “A nossa população é majoritariamente armamentista”.

Casada com um policial civil e ex-assessora da senadora Soraya Thronicke, ela deixou o cargo para ser candidata, diz ter uma arma em casa e afirma que nunca precisou fazer uso dela, “graças a Deus”.
Segundo o Atlas da Violência 2020, elaborado pelo Ipea (Instituto Brasileiro de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de homicídios caiu 14,3% em Mato Grosso do Sul de 2017 para 2018.

O número de assassinatos no país, que estava em queda desde 2018, cresceu no primeiro semestre deste ano, quando 25.712 pessoas foram mortas –uma a cada 10 minutos. Esse total é 7% maior que o registrado no mesmo período de 2019 (24.012 assassinatos). O Brasil continua a ser considerado um dos países mais violentos do mundo.

Após postar a imagem com Nossa Senhora, Gaioso foi atacada por internautas, mas diz que “só houve repercussão no meio esquerdista, que sempre se posicionou contra o direito de defesa do indivíduo e contra os valores cristãos. Ser atacada por essas pessoas, pra mim é motivo de orgulho. Eu me preocuparia era se estivessem concordando comigo”.

Mas muitos ataques não vieram pela exaltação do armamentismo e sim pela associação com o cristianismo. “Quanto a grupos religiosos, dos perfis que me atacaram, a maioria parecia ser de ateus, mas milagrosamente passaram a ser devotos de Nossa Senhora após a minha publicação”.
Desde 2018, armas também ganharam alguma projeção na esquerda, tradicionalmente antiarmamentista, especialmente no Partido da Causa Operária (PCO). Na época, o candidato ao

Senado Danilo Matoso disse ser favorável ao armamento da população e que “a própria população” deveria “se organizar em guardas locais”. Em sabatina da Folha de S.Paulo/UOL, o candidato do PCO à Prefeitura de São Paulo, Antonio Carlos Silva, disse ser a favor de armar a população para que ela se defenda da polícia.

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