Lançamento traz dissertação vencedora do Prêmio Marta Rossetti Batista
Terça, 24 de janeiro de 2023
Texto : Rebeca Fonseca
A nova edição dos Cadernos do IEB publica a dissertação de mestrado Abre a roda minha gente que o batuque é diferente: tiririca, capoeira e samba em São Paulo 1900-1970, de Filipe Amado, mestre em estudos brasileiros pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB). O pesquisador conquistou o primeiro lugar do Prêmio Marta Rossetti Batista de Dissertações em abril do ano passado.
Com base em notícias de jornais e entrevistas com personalidades importantes do samba paulistano, Filipe resgata a prática da capoeira em São Paulo. O autor defende que a capoeira existe desde o século 19 na cidade, embora não existam muitos trabalhos acadêmicos sobre o tema. “Foi criada uma tradição de estudos da capoeiragem no Rio de Janeiro e na Bahia. É com razão que esses locais são polos de estudo da cultura afrodiaspórica, inclusive da capoeira, mas isso acaba ofuscando estudos regionais.”
A capoeira foi proibida na capital do Estado em 1833 e, após a Proclamação da República, foi oficialmente criminalizada em todo o território nacional através do Código Penal de 1890. Segundo Filipe, “a capoeira foi a principal prática cultural escrava e depois negra do século 19, e a República surge com a ideia de apagar a memória da escravidão e criar uma identidade para o povo brasileiro que não fosse ligada à negritude”.
As reportagens analisadas evidenciam como a luta e os capoeiras — termo que designa os praticantes no período — eram reprimidos e estigmatizados. Em jornais paulistanos, ela aparecia vinculada a agressões e conflitos. Nem todos os participantes eram figuras marginalizadas, alguns faziam parte da elite, mas o personagem padrão criado foi o do capoeira bandido, perigoso e temido.
Filipe afirma que é possível pensar na existência de grupos dirigidos por um líder, que disputavam territórios e poder com muita violência. Na época, a capoeira era usada em momentos de lazer, mas também em confrontos e em resposta à repressão da polícia. Além disso, em São Paulo, a musicalidade não era uma característica marcante: havia a presença de tambores e a ausência do berimbau.
Se no início da República o discurso era de rejeição da capoeira, no começo do século 20 há uma mudança de perspectiva com a chegada de lutas estrangeiras ao Brasil, como o judô e o boxe. “Existe um movimento de intelectuais escrevendo artigos nos jornais positivando a capoeiragem como arte marcial verdadeiramente brasileira, mas ao mesmo tempo praticando um embranquecimento e muitas vezes refutando a presença negra”, explica o pesquisador.
Da década de 1920 em diante, há menos notícias sobre a capoeira. No mesmo período, aconteceu uma explosão cultural nas comunidades negras paulistanas, com o samba e os primeiros cordões carnavalescos. A tese de Filipe é de que a capoeira sofreu algumas transformações tornando-se menos violenta, o que chamava menos a atenção da polícia e das redações.
“Há uma tentativa de sobrevivência da capoeiragem frente à repressão e à apropriação pela elite, que inclui o incremento da musicalidade do samba e da diminuição da violência através da ludicidade.” Essa nova forma de praticar capoeira recebeu o nome de tiririca. A mudança de nome faz parte da transformação, já que a capoeira se manteve proibida até 1940.
A tiririca perde espaço a partir da chegada da capoeira baiana em São Paulo, que tem suas práticas regionais ofuscadas quando o modelo da Bahia é eleito como símbolo nacional. “Os mestres baianos da capoeira chegam na década de 1960 e começam a difundir o modelo, com berimbau e academias. Nunca houve uma academia de tiririca ou proposta de transformá-la em esporte”, explica Filipe.
Outro fator para o desaparecimento é a mudança do carnaval paulistano. “Ocorre um processo de oficialização do carnaval de São Paulo e adoção do modelo carioca de desfile de escola de samba, então os cordões carnavalescos, onde a tiririca era muito presente, vão sumindo.”
Fonte: Jornal USP