Jorge Bermudez lança seu novo livro – um grito contra os retrocessos na luta pelo direito aos medicamentos. “Big Pharma” aproveitou a crise sanitária para expandir seus tentáculos e impedir amplo acesso à Saúde. Como enfrentá-la?
O lançamento, em 5 de julho, do livro Solidariedade ou Apartheid – Lições aprendidas na pandemia, do pesquisador Jorge Bermudez, não poderia ter sido mais oportuno. Ocorreu na semana em que o governo Bolsonaro impôs uma derrota ao movimento pela quebra de patentes de medicamentos. Como mostrou Outra Saúde, em dois textos publicados na semana passada, a indústria farmacêutica está vencendo batalhas importantes, no Brasil e no mundo. Mas podem ser vitórias de Pirro — se o movimento pelo Direito à Saúde analisar os fatos recentes e enxergar, como propõe a obra de Bermudez, as brechas abertas pelos partidários da medicina de mercado.
O livro é uma publicação do Projeto Integra, ligado à Fiocruz, ao Conselho Nacional de Saúde e a entidades farmacêuticas. Trata-se de uma compilação de textos de autoria de Bermudez e de alguns de seus parceiros, como Fabius Leineweber, Achal Prabhala, Bruna de Lara e Jandira Feghali. Foi organizada em ordem cronológica. Em primeiro lugar, os textos de contextualização, publicados antes da pandemia.
Em seguida, artigos de 2020 e 2022, depois do início da crise sanitária, à medida em que os acontecimentos se davam. Bermudez analisa que a pandemia ampliou o fosso das desigualdades mundo afora. Também recrudesceu a força do mercado contra os ativistas pela derrubada de patentes – ilustrada pelo autor por uma cena que presenciou em Genebra, na Suíça, quando a polícia barrava participantes da sociedade civil em reuniões da OMC apenas por estarem vestidos com uma camiseta a favor da suspensão temporária de patentes.
Uma das confirmações do poder do mercado sobre o acesso a medicamentos aconteceu nessa reunião, em meados de junho passado, quando foi aprovado um arremedo de suspensão de patentes para combater a pandemia de covid. Ativistas denunciam que, na prática, a decisão não atende às necessidades mínimas da maior parcela das populações. “Houve um esvaziamento da proposta pelos países mais ricos. O texto perdeu totalmente sua força, não trouxe nada novo”, como explicou a Outra Saúde Felipe Carvalho, coordenador regional da Campanha de Acesso do Médicos Sem Fronteiras.
“A pandemia nos mostrou o abismo que existe entre a solidariedade e a realidade imposta não apenas pela indústria, mas hoje também pelos países centrais”, afirmou Bermudez no evento de lançamento de seu livro. O autor defende ainda que o Brasil não pode resumir-se a mero montador de cápsulas e comprimidos. A pandemia provou que é preciso investir na indústria de medicamentos. Seu livro reforça o coro daqueles que defendem a estruturação de um Complexo Industrial e Econômico da Saúde (CEIS) que pode, além de ampliar o acesso a remédios aos brasileiros, contribuir para o desenvolvimento do país. Esse aspecto foi reverenciado na apresentação da obra, de autoria da presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima e do presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigatto.
A outra vitória da Big Pharma, confirmada na semana passada, foi a manutenção pelo Congresso do veto de Bolsonaro a trechos fundamentais do projeto de lei 14.200/21, que tratava da suspensão de patentes no Brasil e poderia dar base ao início dessa virada tecnológica do país. “Mesmo diante de uma das maiores crises da história da humanidade e de centenas de milhares de mortes em nosso país”, como escrevem pesquisadores da UERJ e UFRJ em texto especial para nosso boletim, “o governo decidiu agradar a indústria farmacêutica e vetar pontos cruciais do PL nº 12/2021. Com isso, a proposta original foi completamente desfigurada e nossa capacidade de responder a pandemias foi severamente reduzida”.
Mesmo com retrocessos, a luta continua com força, como ficou claro no evento de lançamento do livro. O direito a tecnologias de Saúde é tido como defesa da solidariedade contra o apartheid ao longo de toda a obra recém-publicada por Bermudez.
Fonte: Outra saúde