Trabalho em laboratório mostra potencial terapêutico da molécula em doenças que possuem componente neuroinflamatório
Texto: Ivan Conterno – Segunda, 9 de janeiro de 2023
Uma pesquisa do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP demonstrou, pela primeira vez, o efeito anti-inflamatório e neuroprotetor da proteína klotho em neurônios de camundongos recém-nascidos. Essa molécula age tanto no conjunto de células que protegem os neurônios, reduzindo a toxicidade do meio, quanto inibindo a atuação das substâncias inflamatórias liberadas.
É difícil avaliar como todos esses agentes atuam em um animal vivo, mas são correlações que sugerem um possível vínculo de causalidade. O modelo revela uma ação pontual, mas existe uma conexão muito grande entre a klotho e a prevenção de doenças neurodegenerativas. Para serem produzidos medicamentos baseados nesses estudos, entretanto, é necessário avaliar também a atuação da proteína no longo prazo e seus possíveis efeitos colaterais.
A klotho é uma molécula que pode ser encontrada tanto em volta das membranas celulares quanto em forma solúvel, como no sangue. Ela é comumente associada ao rim: os ossos liberam um hormônio cujos receptores das células do rim se juntam à proteína. Essa interação libera a vitamina D.
Estudos mais recentes indicam também que a molécula tem um papel importante no sistema nervoso central, sendo que a falta dela está relacionada ao envelhecimento dos neurônios. A descoberta desse mecanismo foi documentada em 1997. Desde então, a função da proteína no cérebro ainda não foi totalmente compreendida, mas sabe-se que a injeção dela em animais já apresentou bons resultados. Por isso, ela é tida como uma espécie de “elixir da juventude”, na medida em que alimenta e protege os neurônios das adversidades do tempo. Caso estudos futuros confirmem o seu papel na produção de novos neurônios, ela poderá ser usada como um suporte para evitar doenças neurodegenerativas e psiquiátricas.
“A klotho se constitui numa proteína com uma perspectiva muito promissora de ter um efeito interessante em processos degenerativos ou em doenças neurológicas e neuropsiquiátricas cujo componente inflamatório é um fator que tem um papel muito importante. Hoje a gente sabe que [a falta dela] está envolvida na depressão, na psicose e em uma série de transtornos”, aponta ao Jornal da USP o professor do ICB Cristoforo Scavone, coordenador do estudo.
A pesquisa
Autores do artigo Neuroprotective action of α‑klotho against lipopolissacarídeo‑activated glia conditioned medium in primary neuronal culture, Vinicius Nakao e Caio Henrique Mazucanti, ex-alunos da pós-graduação do ICB, inicialmente procuraram entender se a proteína realmente tinha a capacidade de proteger as células do cérebro de doenças neurodegenerativas. Para isso, as células que protegem e interagem com os neurônios, cultivadas em frascos, foram provocadas com lipopolissacarídeos na presença e na ausência da klotho. Os lipopolissacarídeos são componentes das paredes das células de bactérias gram-negativas que provocam uma rápida resposta do sistema imunológico, causando inflamação das células.
Feito isso, as substâncias liberadas foram recolhidas e adicionadas aos frascos que continham somente neurônios. Neste experimento, os cientistas constataram que foram liberadas mais moléculas inflamatórias que provocam a morte de neurônios quando as demais células do sistema nervoso não eram tratadas com a klotho. Isso é importante porque a presença de uma inflamação crônica é justamente a resposta imunológica exagerada responsável pela degeneração dos neurônios. Sem a inflamação, há menor chance de desenvolver doenças como Alzheimer e Parkinson, que ocorrem em geral em idosos.
Na segunda etapa, tentou-se verificar se esse resultado ocorria por conta da interação da proteína com as células que revestem os neurônios ou se a molécula estudada também interagia diretamente com o meio produzido. Para isso, foram coletadas as substâncias inflamatórias na ausência da klotho e adicionadas aos neurônios. A molécula, dessa vez, foi adicionada somente nessa fase, ao mesmo tempo em que deixava de ser adicionada em um outro recipiente idêntico para que fossem comparados. Com isso, concluiu-se que a klotho também protegia os neurônios da toxicidade produzida pelo meio.
Sabe-se que os exercícios físicos e a boa alimentação estimulam a produção de neurônios, fortalecendo a saúde de uma maneira geral. Ocorre que, no envelhecimento, há uma inflamação sistêmica crônica e é esse fator que está associado aos déficits cognitivos e às doenças neurológicas. Por isso, quando produzida em quantidades suficientes, a klotho tem um efeito protetor contra essas doenças e alguns tipos de lesões cerebrais.
Envelhecimento
Durante sua carreira, o professor Cristoforo Scavone, do ICB, se interessou por estudar as bases moleculares associadas às doenças neurodegenerativas, procurando entender por que essas doenças ocorrem no envelhecimento e por que algumas pessoas conseguem envelhecer de forma mais saudável.
Junto à professora Regina Markus, ele estudou o envelhecimento através de marcadores observados em laboratório. Nesse percurso, notou-se que os pacientes de diálise tinham um déficit cognitivo e que havia alguns sinais característicos nas amostras de sangue dessas pessoas, como o estresse oxidativo. A partir dessa pista, ele passou a fazer testes em animais.
Scavone procurou modelos que pudessem estar associados ao envelhecimento, passando a estudar a proteína klotho. Na época, fez um estudo relacionando a doença renal crônica com o desenvolvimento de déficit cognitivo associado à neuroinflamação e constatou que essa proteína estava em menor concentração nesses casos. Isso tinha correlação com o aparecimento desses déficits, como perda de memória e demência.
Ao longo dos anos, constatou-se que o ácido glutâmico e a modulação da insulina provocam liberação de klotho do neurônio, que, por sua vez, estimula a formação de lactato astrocitário. O lactato, por sua vez, pode ser usado pelas células neuronais como substrato metabólico.
Alguns processos fisiológicos e patológicos dificultam a produção da klotho, como doenças do envelhecimento e danos renais. Ratos com hipertensão espontânea, cujo rim foi removido ou com diabete tipo 1, por exemplo, tiveram a produção da proteína diminuída, o que leva a aumentar a toxicidade no organismo.
Envelhecimento
A klotho é uma proteína antienvelhecimento que protege as células renais, inibindo a produção de citocinas inflamatórias, uma resposta imunológica nociva, e a formação de necrose tumoral.
Evidências sugerem que a molécula está associada às membranas das células dos rins. As formas solúveis da proteína, porém, podem ser encontradas em fluidos como o sangue, a urina e o líquido presente no cérebro.
Existem estudos que mostram a ação protetora da klotho em células renais. O trabalho publicado teve como objetivo avaliar os efeitos da molécula em células cerebrais de camundongos isoladas. O meio condicionado foi usado para induzir à morte dos neurônios e avaliar se a molécula estudada poderia reverter o efeito.
As células utilizadas foram colhidas de animais recém-nascidos, menos resistentes que células tumorais produzidas artificialmente, que são utilizadas em outros estudos. Por meio delas, é possível observar uma situação fisiológica normal, não alterada. Quando células tumorais são usadas, há mudanças genéticas e alterações nas respostas.
O procedimento foi realizado seguindo as diretrizes Animal Research: Reporting of In Vivo Experiments (Arrive), que se assemelham ao Princípio Ético em Pesquisa Animal adotado pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (Concea) e foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa Animal (CEEA) do ICB.
Os neurônios foram mantidos por duas semanas em um suplemento de meio neurobasal. Passados quinze dias, as células foram tratadas com proteínas klotho sintetizadas.
Mais informações: e-mail [email protected], com Cristoforo Scavone
Fonte: Jornal USP