Medicamentos conhecidos como inibidores seletivos da recaptação de serotonina têm potencial para reduzir inflamação causada pelo coronavírus e evitar danos aos órgãos
Por Júlio BernardesEditorias: Campus Ribeirão Preto, Ciências, Ciências da Saúde – URL Curta: jornal.usp.br/?p=372306
Ouso de uma classe de medicamentos já empregada no tratamento de transtornos de ansiedade e depressão, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (fluoxetina e fluvoxamina), demonstrou ter potencial para inibir a inflamação causada pelo vírus SARS-CoV-2 e a sua replicação, diminuindo os danos ao cérebro e outros tecidos do corpo. Atualmente, dois grupos de pesquisa realizam testes clínicos avaliando o tratamento com fluoxetina e fluvoxamina em pacientes com covid-19, nos Estados Unidos. A possibilidade é descrita em um artigo de revisão da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP) da USP publicado no European Journal of Pharmacology.
“A serotonina é uma molécula produzida por neurônios do sistema nervoso central e por células do intestino. Ela está envolvida em diversas funções do organismo, desde a regulação cardiovascular e intestinal até o controle de funções comportamentais, humor e memória”, relata ao Jornal da USP o professor Luiz Guilherme Branco, que coordenou a elaboração do artigo. “Inibidores de recaptação de serotonina são medicamentos que bloqueiam receptores específicos nos neurônios e permitem que a serotonina fique mais tempo disponível e exerça sua função biológica como neurotransmissor, ou seja, de fazer a comunicação entre os neurônios.”
De acordo com o professor, a “hipótese da serotonina” propõe, simplificadamente, que a depressão clínica resulta da atividade diminuída das vias serotonérgicas, isto é, dos neurônios que usam serotonina para transmitir informação entre si. “Por outro lado, medicamentos inibidores de recaptação de serotonina, como a fluoxetina, têm sido usados para o tratamento de desordens psiquiátricas, como ansiedade e depressão”, observa. “Eles aumentam a biodisponibilidade de serotonina na fenda sináptica, que é a região dos neurônios responsável pela comunicação do sistema nervoso central.”
“Devido à ausência de um tratamento específico para a infecção pelo vírus SARS-CoV-2 há um esforço global para encontrar novas intervenções terapêuticas usadas no tratamento da covid-19”, afirma Branco. “Como a serotonina tem diversos efeitos, tanto no cérebro como nos tecidos periféricos, sugerimos o uso potencial dessa classe de medicamentos não apenas no tratamento de transtornos de ansiedade e depressão, mas também como terapia complementar para diminuir a resposta inflamatória exacerbada induzida pelo SARS-CoV-2.”
Redução da inflamação
O professor aponta que uma característica importante da covid-19 é a ativação de células imunes, que leva à produção massiva e liberação de moléculas sinalizadoras do sistema imune (citocinas pró-inflamatórias) que podem comprometer vários órgãos, inclusive o cérebro. “Anteriormente, nosso grupo de pesquisa na FORP verificou que a administração da serotonina no sistema nervoso central tem efeitos anti-inflamatórios tão marcados que há redução dos níveis de citocinas pró-inflamatórias no sangue e ausência da queda da pressão arterial, geralmente observada durante quadros que envolvem inflamação sistêmica severa”, acrescenta.
A pesquisa propõe que os medicamentos sejam usados como um tratamento complementar durante a infecção por SARS-CoV-2. “A ação imunomoduladora direta da serotonina, associada a outros mecanismos indiretos, pode efetivamente reduzir a resposta imune exacerbada e prevenir complicações da covid-19”, destaca Branco. “Além disso, seria relevante considerar que os pacientes em terapia de longo prazo com inibidores de receptação de serotonina devem continuar o uso de seu medicamento quando hospitalizados devido à covid-19.”
Segundo o professor, já foi demonstrado que a fluoxetina inibe a infecção por SARS-CoV-2 in vitro, em testes de laboratório. “Seu efeito em pacientes, atualmente, é investigado em um ensaio clínico (NCT04377308) nos Estados Unidos”, destaca. “Outro medicamento dessa classe, a fluvoxamina, também está sendo avaliado nos Estados Unidos em pacientes com covid-19 (NCT04342663) e os resultados preliminares são animadores, com diminuição de complicações respiratórias quando comparado com quem recebeu o placebo”, conclui.
Os efeitos da serotonina na regulação da inflamação sistêmica e os benefícios potenciais do uso de inibidores específicos da recaptação da serotonina como terapia coadjuvante para atenuar as complicações da covid-19 são descritos em artigo de revisão publicado no European Journal of Pharmacology. Os autores do artigo são Luis Henrique A. Costa, pós-doutorando da FORP e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Bruna M. Santos, pós-doutoranda da FORP, e o professor Luiz Guilherme Branco.
Mais informações: e-mail [email protected], com o professor Luiz Guilherme Branco
Fonte: USP