Doação é um marco na história dos museus de arte do século 20 no Brasil, segundo a diretora Ana Magalhães
Por Leila Kiyomura – Domingo, 1 de agosto de 2021
Com o seu pioneirismo em colecionar, incentivar e apresentar as novas tendências da arte, o Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP é reconhecido como um dos mais importantes da América Latina. E, neste mês, recebe a incorporação ao acervo da Coleção Fulvia e Adolpho Leirner do Art Déco Brasileiro.
“A doação dessa coleção para o MAC é um marco na história dos museus de arte do século 20 no Brasil”, observa a professora Ana Gonçalves Magalhães, diretora do MAC. “Antes de mais nada, porque o casal Fulvia e Adolpho Leirner reuniu um conjunto de obras das ditas artes aplicadas sem precedentes no Brasil. Com isso, o MAC amplia sua coleção de arte moderna em dois sentidos: joga luz em outras obras que já se encontram no museu e abre o diálogo entre os vários meios nos quais atuaram os nossos modernistas, como a pintura, a gráfica, o teatro, a arquitetura e literatura.”
A Coleção Fulvia e Adolpho Leirner do Art Déco Brasileiro foi doada pelos colecionadores após oito anos de negociação. Primeiro foi feita uma proposta de comodato de 2013 até a doação definitiva ao museu, efetivada no final de 2020. O MAC passa a ser a única instituição brasileira com um acervo significativo de obras da arte decorativa brasileira dos anos 1920/1930.
“É um conjunto único de obras realizadas para o ‘viver moderno’, tão apreciado pela elite modernista de São Paulo, bem como reveladora dos modos de circulação das formas modernas entre nós”, observa Ana Magalhães. “Alguns dos objetos agora recebidos pelo MAC complementam outras tantas obras nele presentes, a exemplo das obras da família Gomide-Graz e das cadeiras de Flávio de Carvalho. Vale por fim destacar o mobiliário que o arquiteto lituano Gregori Warchavchik concebeu para sua Casa Modernista, em 1930.”
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A doação da Coleção Fulvia e Adolpho Leirner é a terceira mais importante do MAC, depois das coleções de Ciccillo Matarazzo e do antigo Museu de Arte Moderna de São Paulo, que deram início à sua história, em 1963.
“Colecionar é um prazer individual, uma relação de afetividade, é um amor, uma paixão, um descobrimento, uma procura e caça, que faz parte da minha vida”
O casal Fulvia e Adolpho Leirner começou sua coleção no início dos anos 1960, quando adquiriu tapetes caucasianos abstrato-geométricos, e nas décadas seguintes incorporou obras ligadas ao Concretismo brasileiro. “Colecionar é um prazer individual, uma relação de afetividade, é um amor, uma paixão, um descobrimento, uma procura e caça, que faz parte da minha vida”, afirmou o engenheiro paulistano Adolpho Leirner, apreciador das artes. Desde a infância (nasceu em 1935) já se relacionava com as artes. Seus pais tinham amizade com artistas como John e Regina Gras, com o romeno Sansom Flexor e seu tio, o polonês Isai Leirner – industrial e mecenas que, aos 23 anos, veio para o Brasil e passou a morar em São Paulo. Incentivador dos artistas, criou o Prêmio Leirner de Artes Visuais na Galeria de Artes da Folha.
“Contatos diretos com os artistas enriqueceram meus conhecimentos e foram primordiais na formação da coleção. Senti de perto as emoções. De John Graz, que decorou o apartamento de meus pais na década de 1950, no Guarujá, lembro-me de conversar durante passeios no Clube de Campo de São Paulo. De Regina Gomide Graz, recordo-me de visitas ao seu ateliê, ainda menino, com minha mãe, para ver seus tapetes que forravam nossa casa em fins dos anos 1940”, lembra Adolpho Leirner.
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O interesse pelo art déco veio da especialização em engenharia têxtil que o colecionador fez, nos anos 1950, na Inglaterra, e também na atividade da Tricot-Lã Têxtil Indústria de Malhas, empresa de sua família. A paixão pelo universo do design motivou Adolpho e Fulvia a buscar em antiquários e entre marchands e artistas um conjunto de móveis, tapeçarias, ilustrações e objetos feitos por artistas no Brasil.
“Tivemos, então, a possibilidade de adquirir peças que hoje julgamos importantes, mas que eram rejeitadas pela sociedade da época. Elas vieram a formar uma coleção que queríamos harmônica”, conta Fulvia. “Adolpho sempre esteve mais perto do art déco abstrato-geométrico, eu gostava de todos; do abstrato lírico, floral, geométrico, de todos os figurativos também. Toda a aquisição que fazíamos era imediatamente incorporada ao dia a dia em nossa casa; obras de arte, louças, tapetes, tudo fez parte do nosso cotidiano.”
Os depoimentos de Fulvia e Adolpho Leirner, os detalhes da coleção e textos críticos estão no site do MAC: www.mac.usp.br.
“No decorrer de agosto, o MAC vai abrir a mostra Projetos para Um Cotidiano Moderno no Brasil e apresentar itens da coleção, como a belíssima tapeçaria de Regina Gomide Graz”
O dia a dia de viver com arte de Fulvia e Adolpho Leirner está agora no MAC. A coleção reúne 45 peças. Foram doados também os arquivos referentes às obras, com imagens e histórico expositivo e bibliográfico.
“No decorrer de agosto, o MAC vai abrir a mostra Projetos para Um Cotidiano Moderno no Brasil e apresentar itens da coleção, como a belíssima tapeçaria de Regina Gomide Graz, Mulher com galgos, e as duas cadeiras desenhadas por Flávio de Carvalho, dentre outros”, explica Ana Magalhães. “A curadoria é assinada coletivamente pelo Grupo de Pesquisa CNPq Narrativas da Arte do Século 20, que coordenei até 2020, e do qual participavam pós-doutorandos sob minha supervisão e meus orientandos de iniciação científica, mestrado e doutorado.”
A diretora destaca a atuação da pós-doutoranda Renata Dias Ferraretto Moura Rocco e de Patrícia Freitas, pós-doutorada pelo MAC, cujo trabalho sobre pintura mural levou à reflexão sobre as artes aplicadas no grupo de pesquisa. Para 2022, o museu está preparando, segundo Ana Magalhães, uma grande exposição com o conjunto completo da Coleção Fulvia e Adolpho Leirner do Art Déco Brasileiro.
O Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP abre de terça a quinta-feira, das 11 às 19 horas, e de sexta a domingo, das 11 às 21 horas. Está localizado na Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, Parque Ibirapuera, em São Paulo. A entrada é gratuita, mas as visitas seguem os protocolos de segurança e de prevenção contra a covid-19. O agendamento deve ser feito antecipadamente através deste link: sympla.com.br/visitamacusp
Fonte: Jornal USP