Com ‘anões assustadores’, ‘Branca de Neve’ é filme em ‘crise de identidade’, diz crítico da BBC

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  • Nicholas Barber
  • BBC Culture

Remakes em live-action de desenhos animados da Disney geralmente não recebem uma recepção calorosa por parte da crítica e do público, mas nenhum deles enfrentou tanta hostilidade quanto o novo Branca de Neve e os Sete Anões.

Estaríamos sofrendo de fadiga de princesas da Disney? Talvez, mas há mais coisa envolvida.

Um dos fatores é que o original de 1937 foi o primeiro longa-metragem de animação de Walt Disney e, embora partes dele tenham envelhecido mal, ainda se sustenta como uma obra-prima delicada e comovente. Refazer uma animação reverenciada e clássica em live-action é tão sensato quanto refilmar Cantando na Chuva como um desenho animado.

Outro ponto é que Branca de Neve, como se chama oficialmente o filme da Disney, foi criticado por todos os lados do espectro político: foi condenado por ser progressista demais (“Uma princesa da Disney conhecida por sua pele branca sendo interpretada por uma atriz de ascendência colombiana? Como ousam?”), e também por não ser progressista o suficiente (“Anões caricatos em pleno século 21? Como ousam?”).

Some-se a isso as declarações das estrelas Rachel Zegler e Gal Gadot sobre a guerra Israel-Gaza, e temos a tempestade perfeita de má publicidade.

A boa notícia para o estúdio é que o filme em si não é um completo desastre. Não é o pior dos remakes da Disney (essa honra fica com Pinóquio, fracasso de Robert Zemeckis lançado direto no streaming), e embora também não seja o melhor, é sem dúvida o mais fascinante.

O que torna Branca de Neve tão singular é que parece que alguns produtores quiseram fazer uma homenagem clássica a um conto de fadas feudal, enquanto outros quiseram criar uma releitura revisionista, quase marxista.

Em vez de escolherem um caminho, os produtores aparentemente decidiram fazer as duas versões ao mesmo tempo, e o resultado é uma mistura desconcertante de dois filmes diferentes.

Nas primeiras cenas, vemos a versão subversiva. Em uma sequência de abertura longa demais, ouvimos que Branca de Neve (Zegler) não recebeu esse nome por causa da cor da pele, como na história tradicional, mas por causa da nevasca que caía quando nasceu.

Não fica totalmente claro por que o rei e a rainha decidiram nomear a filha em homenagem ao clima, mas considerando que ela poderia se chamar “Garoa” ou “Vento Forte”, talvez deva se considerar com sorte.

A exposição continua com discursos e canções sobre os tempos em que os pais bondosos de Branca de Neve governavam “um reino dos livres e justos”, onde “a fartura da terra pertencia a todos que a cultivavam”. É o mais próximo que um filme de princesa da Disney já chegou de parafrasear o Manifesto Comunista.

Essas ideias radicais continuam após a morte da mãe de Branca de Neve e o casamento do rei com uma mulher que se tornará a Rainha Má (Gadot).

Ela alerta seus súditos sobre “uma terrível ameaça além do reino do sul” e então explora seus medos para se apossar das riquezas do reino. Com isso, Branca de Neve se torna um dos filmes mais abertamente políticos do ano – da Disney ou não.

E isso tudo antes mesmo de Branca de Neve conhecer seu interesse amoroso, Jonathan (Andrew Burnap), que não é mais um príncipe, mas sim o líder de um bando de ladrões no estilo Robin Hood.

Após dizer a Branca de Neve para “parar de pensar e começar a agir”, ela canta Waiting on a Wish, uma canção sobre agir em vez de apenas esperar que as coisas melhorem.

É uma resposta contundente aos primeiros contos de fadas da Disney, e deixa o público surpreso com a ousadia do diretor Marc Webb e da roteirista Erin Cressida Wilson. Quanto às pessoas que acharam o trailer “progressista demais”? Esperem até ver o filme.

Mas assim que Branca de Neve foge de sua madrasta homicida e se esconde na floresta, sua história se transforma, de repente, em uma recriação fiel – embora robótica – do desenho de 1937.

A floresta parece uma atração da Disneylândia, com flores artificialmente coloridas e bichinhos de olhos grandes; Zegler se parece com uma funcionária de parque temático, com o vestido de mangas bufantes clássico da personagem; e os anões em CGI (sigla para computer-generated imagery, imagens geradas por computador) parecem fantoches animalescos dos personagens originais.

Optar por usar esses avatares digitais estranhamente fotorrealistas, em vez de atores de verdade, foi o maior erro de Webb. Ainda assim, essa parte do filme funciona bem o bastante como uma homenagem ao desenho.

Zegler, Gadot e seus colegas entregam atuações competentes, e embora Branca de Neve nunca alcance o charme leve e cintilante do original, o mesmo pode ser dito de todos os outros remakes da Disney.

Rachel Zegler como Branca de Neve
Disney

Depois, o filme volta ao drama revolucionário. Branca de Neve encontra a gangue de rebeldes de Jonathan, e os dois desenvolvem uma dinâmica divertida ao estilo Princesa Leia / Han Solo enquanto cantam Princess Problems, a música mais cativante do novo repertório.

Isso significa que Branca de Neve da Disney agora conta não com um, mas dois grupos de habitantes da floresta.

Tudo indica que uma versão do roteiro apostava em um grupo de rebeldes humanos, e outra mantinha os anões tradicionais que dividem uma cabana – e os produtores simplesmente decidiram manter os dois. Um erro bizarro.

Por que apresentar os sete anões se eles não têm nenhum papel relevante? Por que introduzir uma mina mágica de pedras preciosas se ela não é usada na história? Webb teria feito melhor mantendo apenas a gangue de Jonathan e cortando os anões – e não só porque eles são grotescos.

Os problemas de “dupla personalidade” do filme não desaparecem.

Metade dele se passa em uma terra sombria e decadente, onde Branca de Neve quer liderar uma revolta camponesa e restaurar uma utopia socialista; a outra metade se desenrola em um reino fantasioso, alegre e colorido, habitado por aristocratas belos e bondosos.

Em certos momentos, os personagens entoam baladas dramáticas de autoempoderamento compostas por Benj Pasek e Justin Paul, os mesmos de O Rei do Show; em outros, cantam as melodias alegres de 1937 de Frank Churchill e Larry Morey.

Talvez devêssemos valorizar o custo-benefício: o estúdio está, na prática, nos dando dois filmes pelo preço de um. Mas os produtores deveriam ter escolhido um caminho e seguido por ele.

Como está, Branca de Neve da Disney oscila entre duas estéticas e duas épocas, sem nunca ganhar ritmo. A história é confusa, o tom é incoerente e o ritmo, irregular. Isso não faz do filme um desastre.

De certa forma, essa crise de identidade é o que o torna interessante. Mas essa produção desconjuntada será mais apreciada por estudantes de cinema e política do que por crianças que esperam ser encantadas pela magia da Disney.

Fonte: BBC Brasil / Foto: Disney

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