Congresso vai analisar os vetos
Em exatos 30 dias, mais de 6 bilhões de reais sumiram do radar dos profissionais de cultura no Brasil. No início de abril o presidente Jair Bolsonaro vetou a lei emergencial conhecida como Lei Paulo Gustavo. Um mês depois, há uma semana, no último dia 5, o presidente deu o mesmo destino para outra lei de incentivo à cultura – a Lei Aldir Blanc II, Juntos, os dois projetos injetaram R$ 6,86 bilhões de reais em projetos culturais em todo o país apenas em 2022.
Para justificar os vetos, o presidente argumentou que o veto foi recomendado pelas pastas da economia e do turismo – que abarcam a área da cultura – “por contrariedade ao interesse público e inconstitucionalidade”. No caso da ‘Pauio Gustavo’ razões fiscais também foram argumentos. Outra justificativa foi a de que o setor já foi contemplado com recursos pela Lei Aldir Blanc, que destinou R$ 3 bilhões para amenizar os impactos da pandemia de Covid-19 na cultura.
Pelos ritos comuns determinados pela constituição brasileira, diante da negativa do presidente os projetos voltam ao Congresso Nacional. Os vetos serão analisados em datas ainda a serem marcadas. Deputados e senadores podem mantê-lo, confirmando a decisão do presidente, ou derrubá-lo. Nesse caso, cada projeto pode vir a ser promulgado e virarem novas leis.
Na Bahia, a primeira lei emergencial para o setor, injetou em 2700 projetos do setor no estado mais de R$ 120 milhões, que geraram renda para mais de 2800 trabalhadores do setor, segundo dados levantados pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult . Os projetos foram executados entre 2021 e o início deste ano. Ainda de acordo com a Secult, a estimativa era que apenas a Lei Aldir Blanc II injetasse cerca de R$ 222 milhões para o setor no território baiano. Para os profissionais do setor no estado, o veto não é visto com surpresa.
“A gente acaba impressionada se algo é aprovado, o que geralmente não acontece por um movimento presidencial. É novamente mais um claro movimento de perseguição da cultura. Em um momento em que as verbas públicas são de extrema importância pro setor. É um setor que precisa ser planejado e pensado a partir de pública, porque quando se pensa a cultura a partir apenas de interesses de mercado, a gente exclui muito do que é produzido no Brasil, impõe inúmeras dificuldades a essas produções”, opina a produtora cultural Carol Morena, a frente da Tropicasa Produções,
DESMANCHE
Em coro com a produtora, a cineasta e roteirista baiana Dayse Porto lamenta a decisão de Bolsonaro. “O setor da cultura estava esperançoso que essas leis chegassem. Estamos vivendo mais um momento de desmonte da cultura, de um esvaziamento da nossa cultura. Não só no aspecto econômico, que por si só é grave, mas também da nossa potência, da importância que a cultura tem para o público”, diz a cineasta que ainda questiona. “A que tipo de governo interessa esvaziar a cultura? É o apoio governamental que mostra que a cultura também é forma de representação da sociedade, assim como é o próprio governo”, argumenta.
Com anos de estrada, tanto Dayse quanto Carol trabalharam em projetos contemplados pela primeira versão da Aldir Blanc e apontam a importância dos dispositivos de auxílio como eram as leis vetadas. “Nesse momento de retomada era de suma importância. Durante a pandemia, a lei Aldir Blanc foi o que salvou a vida de muita gente. Perdemos muitas pessoas da cultura com a Covid, para além da perda pela morte, perdemos também aqueles que precisaram procurar outras formas de sustento. Essas leis são, muitas vezes, a forma como muitos profissionais conseguem comer, seguir sãos”, conta Carol, que realizou durante a pandemia, o projeto Nossas Casas. “Foi uma lei que permitiu, inclusive uma diversidade de projetos, pessoas que antes nunca haviam sido contempladas com editais puderam criar, com verba, dar continuidade a sua arte”, completa Dayse.
A esperança era, justamente, que as leis vetadas por Bolsonaro dessem continuidade ao suporte dado a um dos setores que não foi abarcado por nenhuma medida de flexibilização durante todo o período mais intenso de pandemia. Como diferença básica, enquanto a Lei Paulo Gustavo tem caráter emergencial e faria apenas um repasse. Já a Lei Aldir Blanc II quer instituir uma política nacional de financiamento que teria duração de pelo menos cinco anos.
PALCOS VAZIOS
Se para os produtores de eventos e para o setor de audiovisual – que historicamente têm mais facilidade de captar recursos – a situação não está fácil para os atores de teatro, o cenário é ainda mais crítico. O ator e diretor Marcelo Praddo é um dos exemplos. O artista está sem exercer sua profissão há mais de dois anos e se organiza para voltar aos palcos em julho. “Muitos de nós precisaram recorrer a outros trabalhos para conseguir sobreviver. Agora os teatros já estão abertos mas você não vê espetáculos em cartaz porque financeiramente não tem sido viavel”, explica.
O artista, que deve voltar aos palcos com o espetáculo Javalis explica a razão por trás do não retorno das temporadas de espetáculos “O que tem se feito são apresentações de um fim de semana, ou uma vez por semana em uma temporada de um mês, porque para além dos atores, existe uma equipe por trás, que precisa ser remunerada, e sem patrocínio, ou sem apoio público isso fica impossível”, diz,.
Apesar das dificuldades, o artista diz que o desejo é estar de volta nos palcos. “A gente se preparou pra isso, estudou pra uma profissão e quer estar em cena. É triste viver em um estado tão conhecido por sua cultura como é a Bahia, que vende isso ao resto do Brasil, e se sentir desamparado. Mas seguimos”, diz. “Sempre digo que a cultura é uma flor que nasce no asfalto, a falta de apoio pode impactar as possibilidades de projetos, aspectos técnicos, mas seguir criando a gente sempre vai”, completa a produtora Carol Morena.
Fonte: Metro1