Kikito de Júri Popular para o documentário ‘Sobreviventes do Pampa’ foi celebrado no palco do Palácio dos Festivais
Apresentada como uma edição voltada ao feminino, naturalmente este protagonismo e temática se concretizaram no 51º Festival de Cinema de Gramado, encerrado quase na madrugada de domingo (20). Mas, neste ano, o cinema negro, indígena, LGBT, social e político também foram destaque.
Entre os nortes das narrativas, a questão da memória e patrimônio cultural foram amplamente abordadas, trazendo perspectivas para uma luta pela preservação da história brasileira e das identidades regionais. A ameaça do capital segue, infelizmente, precisando ser foco do cinema nacional, pois a especulação imobiliária, os grandes empreendimentos e o agronegócio da monocultura ultrapassam os limites dos tombamentos pelos órgãos de cultura, dos planos-diretores urbanos e ainda atropelam os licenciamentos ambientais.
Narrando a trajetória de vida de Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum, que ficou nacionalmente famoso com Os Trapalhões, o grande vencedor do evento, com seis Kikitos, foi “Mussum, O Filmis”, dirigido por Silvio Guindane, que entra em cartaz nas salas de cinema em 2 de novembro.
A noite de premiação, no Palácio dos Festivais, ainda consagrou outros dois longas, “Tia Virgínia” (com cinco prêmios) e o cearense “Mais Pesado é o Céu”, que levou quatro distinções.
“Anhangabaú”, do porto-alegrense Lufe Bollini, recebeu o kikito de melhor documentário / Foto: Agência Pressphoto
O documentário paulista “Anhangabaú”, do porto-alegrense Lufe Bollini, e o longa-metragem gaúcho “Hamlet”, do cineasta bajeense Zeca Brito, foram os melhores filmes em suas mostras competitivas.
O Prêmio da Crítica, entregue por Bruna Haas, da Associação de Críticos do Rio Grande do Sul (ACCIRS), foi para o longa de Fábio Meira, estrelado por Vera Holtz: “O longa-metragem que mais cativou o júri da crítica se distinguiu por uma impressionante coerência entre as atuações, a direção de arte e a dinâmica entre as personagens, no mesmo espaço, ao mesmo tempo. Capaz de provocar profunda identificação com o espectador, a partir do retrato atemporal de um núcleo familiar, o filme representa uma potente ciranda de afetos”. A atriz ainda foi agraciada com o livro da ACCIRS, 50 Olhares da Crítica sobre o Cinema Gaúcho (2022).
Premiados como melhor atriz e melhor ator, Vera Holtz, por “Tia Virgínia”, e Ailton Graça, por “Mussum, O Filmis”, trocaram elogios no palco. Vera agradeceu aos diretores e produtores, Fábio Meira e Janaína Diniz. “Obrigada às minhas irmãs da ficção, Arlete Salles e Louise Cardoso, e às minhas irmãs, Regina, Rosa e Teresa, que já nos deixou”, para em seguir fazer o público recitar versos de Mario Quintana.
O filme “Tia Virgínia”, de Fábio Meira, com Vera Holtz, recebeu o prêmio da Crítica / Foto: Edison Vara/Agência Pressphoto
Ailton relembrou sua infância humilde, onde só uma vizinha tinha televisão e ele ficava escutando as vozes e imaginando que todas as pessoas eram pretas. “Essa é a primeira vez que estou recebendo um prêmio, e isso começou quando eu era criança e minha mãe perguntou para mim e meu irmão o que queríamos ser. Eu disse carroceiro, advogado, engenheiro agrônomo, cientista, professor… e sendo ator eu posso ser tudo isso”, celebrou.
Também presente na cerimônia, por integrar o elenco, Mussunzinho, filho de Mussum, ressaltou a importância desta cinebiografia ter sido produzida, por poder usar o filme para, daqui a alguns anos, mostrar ao seu filho a trajetória do avô.
Entre os longas-metragens gaúchos, o destaque foi o filme “Hamlet”, que levou cinco Kikitos: melhor filme, melhor direção, melhor ator para Fredericco Restori, melhor fotografia e melhor montagem.
“Sobreviventes do Pampa”, de Rogério Rodrigues, venceu o Kikito de Júri Popular. O momento foi de celebração no Palácio dos Festivais, com a possibilidade de fala no palco de Mariglei Dias e Fernando Aristimunho, do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, na cerimônia transmitida para todo o país pelo Canal Brasil.
“Sobreviventes do Pampa”, de Rogério Rodrigues, venceu o Kikito de Júri Popular / Foto: Edison Vara/Agência Pressphoto
O documentário road movie percorreu três mil quilômetros, tendo depoimentos gravados em 12 municípios do estado, para praticar a escuta ativa ressaltada por Aristimunho, para explorar as identidades sociais e ambientais do território do bioma Pampa. A produção foi financiada pelo edital Pró-Cultura RS de 2019.
“Acho que este festival foi um festival de muita reflexão, de pensar sobre o que é essencial. Léa Garcia, que passou por aqui para nos mostrar que uma filmografia pode servir para abrir portas para muita gente”, avaliou o cineasta Zeca Brito, ao receber um de seus troféus.
Mariglei Dias e Fernando Aristimunho, do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, falaram na cerimônia transmitida para todo o país pelo Canal Brasil / Foto: Edison Vara/Agência Pressphoto
Durante esta semana, o Brasil de Fato vai publicar uma reportagem sobre “Anhangabaú”, rico documentário realizado com a maioria da equipe gaúcha, e uma entrevista exclusiva com Zeca Brito, realizada durante o evento na Serra gaúcha.
Tempo e espaço para discutir as políticas culturais para o audiovisual brasileiro
Outra questão bastante atravessada pelas falas durante o 51º Festival de Cinema de Gramado, desde sua abertura oficial com a presença da ministra Margareth Menezes e a titular da Secretaria Nacional do Audiovisual, Joelma Oliveira Gonzaga, foi a comemoração da recriação do Ministério da Cultura neste governo. Inclusive, o aporte nacional de verbas via Lei de Incentivo Nacional (patrocínio do Banco do Brasil) foi determinante para assegurar a realização do evento cinematográfico na Serra gaúcha neste ano – uma vez que o festival não pode contar com o apoio da LIC/RS em 2023.
Dessa forma, outro tema recorrente durante a semana foi o apelo da classe para que a Lei da Cota de Tela seja sancionada pela presidência. Além da própria ministra ter trazido isso no seu discurso de abertura do evento, o ator Silvio Guindane, diretor de “Mussum, O Filmis”, na noite de premiação (19), reforçou a importância do PL 3696/2023. Antes dele, na quinta-feira (17), Ingrid Guimarães, reconhecida pelo seu cinema popular e homenageada com o Troféu Cinema de Gramado, também explicou a necessidade da renovação até 2043 da obrigação de as salas de cinema exibirem filmes nacionais de longa-metragem, respeitando o número mínimo de sessões, dias e horários. O projeto tramita no Senado.
Anualmente, é elaborada uma Carta de Gramado, assinada pelas entidades cinematográficas envolvidas com o evento. Ela foi lida no palco do Palácio dos Festivais por Marise Farias, antes da exibição do documentário sobre seu pai, “Roberto Farias – Memórias de um Cineasta”, na noite de quarta-feira (16). Além das Cotas de Conteúdo Brasileiro nos cinemas e na TV por assinatura, o documento ainda define outros dois marcos legais: justa remuneração de Direitos Autorais e Regulamentação do VOD (Video On Demand), para garantir a presença e destaque de títulos brasileiros independentes nos catálogos das plataformas.
“Vamos viver uma verdadeira primavera da Cultura e do Audiovisual brasileiro”
Mari Martinez, do Escritório do MinC/RS, esteve nos primeiros dias do evento na Serra e contextualizou esse momento de grande retomada das políticas culturais. “É o olhar estratégico para o Audiovisual como um setor para o desenvolvimento econômico e social e também pra trazer qualidade de vida para as pessoas que têm acesso à Cultura”, avaliou.
Ela destacou o aporte de R$ 95 milhões da Lei Paulo Gustavo somente para o estado: “Grande parte desses recursos, que vão para todos os municípios, é para abertura de salas de cinema e para produções. Então, vamos viver uma verdadeira primavera da Cultura e do Audiovisual brasileiro. Haverá descentralização desses recursos para pessoas negras, LGBTQIA+ e para as mulheres, que são fortes potências para a cultura e o audiovisual, mas precisam ter esse olhar estratégico de serem priorizadas nesta reparação que as políticas culturais têm o compromisso de fazer. Todos os editais agora têm ações afirmativas. O Ministério da Cultura tem o compromisso de apoiar esse potencial criativo da diversidade do Brasil”.
Ao receber 5 Kikitos na premiação da Mostra dos Longas Gaúchos, o cineasta bajeense Zeca Brito, ex-diretor do Instituto Estadual do Cinema (Iecine), comemorou, indagando seu ator, Fred Restori, com uma frase de “Hamlet” (Shakespeare): “O resto é silêncio? Não, o resto é Carnaval. Vamos fazer Carnaval e festa, e a Antropofagia nos une, e a alegria é a prova dos nove. E a gente vive no Brasil do Lula! Viva o presidente Luiz Inácio Lula da Silva! Viva o Audiovisual brasileiro, que será descontingenciado! Com o Fundo Setorial, todo município brasileiro vai fazer cinema, graças à capilarização dos recursos”.
O diretor Zeca Brito celebrou os novos tempos no cinema brasileiro: “Viva o Audiovisual brasileiro, que será descontingenciado!” / Foto: Agência Pressphoto
Vaias para a Havan, patrocinadora do festival
Além da comoção generalizada e do baque geral que foi a perda da atriz Léa Garcia durante o evento, lembrada e homenageada ainda na seção “In Memoriam” da cerimônia de encerramento, outro fato a ser pontuado nesta avaliação final de cobertura é a força coletiva da manifestação. A Havan era uma das patrocinadoras desta edição, informação que começou a gerar desconfortos da classe artística ainda antes do início do festival, inclusive com discussões sobre boicotes.
Toda vez que a marca era mencionada pelos apresentadores ou a vinheta passava na tela antes das sessões, o público presente emitia fortes vaias. Após a exibição de “Uma família feliz”, filme de José Eduardo Belmonte com atuação de Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini e roteiro de Raphael Montes (e, por isso, a noite mais disputada de todo o evento, quarta-feira, 16), a menção à Havan simplesmente saiu do cerimonial do evento. O que se falou nos bastidores na Serra é que o pedido de retirada partiu da direção da própria empresa.
Carta de Gramado ressalta a importância das Cotas de Conteúdo Brasileiro nos cinemas e na TV por assinatura / Foto: Agência Pressphoto
Confira a lista completa com os vencedores entre os longas:
Longas-metragens Brasileiros
Melhor Filme: “Mussum, O Filmis”, de Silvio Guindane
Melhor direção: Petrus Cariry, por “Mais Pesado é o Céu”
Melhor ator: Aílton Graça, por “Mussum, O Filmis”
Melhor atriz: Vera Holtz, por “Tia Virgínia”
Melhor Roteiro: Fábio Meira, por “Tia Virgínia”
Melhor Fotografia: Petrus Cariry, por “Mais Pesado é o Céu”
Melhor Montagem: Firmino Holanda e Petrus Cariry, por “Mais Pesado é o Céu”
Melhor Trilha Musical: Max de Castro, por “Mussum, O Filmis”
Melhor Direção de Arte: Ana Mara Abreu, por “Tia Virgínia”
Melhor Atriz Coadjuvante: Neusa Borges, por “Mussum, O Filmis”
Melhor Ator Coadjuvante: Yuri Marçal, “Mussum, O Filmis”
Melhor Desenho de Som: Rubem Valdés, por “Tia Virgínia”
Prêmio especial do júri: Ana Luiza Rios de “Mais Pesado é o Céu”
Menção Honrosa: Vera Valdez, por “Tia Virgínia”
Menção Honrosa: Martin Macias Trujillo, por “Mussum, O Filmis”
Júri da Crítica: “Tia Virgínia”, de Fábio Meira
Júri Popular: “Mussum, O Filmis”, de Silvio Guindane
Melhor documentário: “Anhangabaú” (SP), de Lufe Bollini
Prêmio SEDAC/IECINE de Longas-metragens Gaúchos
Melhor filme: “Hamlet”, de Zeca Brito
Melhor direção: Zeca Brito, por “Hamlet”
Melhor ator: Fredericco Restori, por “Hamlet”
Melhor atriz: Carol Martins, por “O Acidente”
Melhor roteiro: Marcelo Ilha Bordin e Bruno Carboni, de “O Acidente”
Melhor fotografia: Bruno Polidoro, Joba Migliorin, Lívia Pasqual e Zeca Brito, por “Hamlet”
Melhor direção de arte: Richard Tavares, de “O Acidente”
Melhor montagem: Jardel Machado Hermes, de “Hamlet”
Melhor Desenho de Som: Kiko Ferraz, Ricardo Costa e Cristian Vaz, por “Céu Aberto”
Melhor trilha Musical: Rita Zart e Bruno Mad, por “Céu Aberto”
Júri Popular: “Sobreviventes do Pampa”, de Rogério Rodrigues
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko