Fábio Corrêa – Quarta, 15 de março de 2023
Na avaliação de especialistas, crise bancária americana pode levar o Banco Central a frear política monetária no Brasil e também contribuir para solucionar embate entre a entidade e o presidente Lula.
A falência do Silicon Valley Bank (SVB) nos Estados Unidos gerou temores no mercado financeiro global. A preocupação é que a crise bancária americana se agrave e afete outros países, inclusive o Brasil.
Após o colapso do banco americano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, classificou a falência do SVB como “menos turbulenta do que imaginávamos” e afirmou que estar conversado sobre o assunto com o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Na próxima semana, o Comitê de Política Monetária se reúne também para definir os rumos da política monetária.
Para especialistas ouvidos pela DW Brasil, a crise bancária americana pode impactar a taxa básica de juros no Brasil e, ainda, resolver o embate entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Banco Central. A Selic em 13,75% foi alvo de críticas de Lula, que disse “não haver explicação ” para o patamar definido pelo BC.
Na avaliação de Rafael Schiozer, especialista em Finanças da FGV-SP, os efeitos da crise bancária dos EUA no Brasil estão diretamente ligados aos próximos passos do Fed, o banco central americano. Para ele, se não houver elevação dos juros nos Estados Unidos, os títulos brasileiros ficam mais atrativos para investidores que estejam buscando taxas mais altas.
“Isso pode ser boa notícia para o Brasil e permitir que o BC diminua os juros sem se preocupar com uma fuga de capital “, explica Schiozer.
No entanto, acrescenta o economista, se a situação se agravar, num pânico generalizado que afete outras instituições financeiras, isso pode causar fuga de investimentos no país. “Pode haver uma tendência dos investidores de tirarem dinheiro do mercado emergente para colocar em mercados mais seguros, no que é chamado ‘flight to safety’. O Brasil pode acabar sofrendo com isso, mas não acho que esse seja o cenário mais provável “, avalia.
Qual é a expectativa no mercado financeiro?
No mercado financeiro, investidores já começam a observar uma demanda pela queda nos juros, mesmo que o sentimento momentâneo seja de cautela. “A curva de juros está mostrando isso”, afirma o CEO da corretora Box Asset Management, Fabrício Gonçalves. “O mercado está pedindo menos juros. Talvez não para essa reunião agora, mas para a reunião de maio do Copom”, avalia.
Gonçalves afirma que a maior parte dos ativos de bancos brasileiros tem demonstrado uma tendência de baixa nas últimas semanas, o que, segundo ele, não está ligado à crise do SVB, mas sim a uma crise de crédito causada, principalmente, pelo pedido de recuperação judicial das Americanas. “Isso força os bancos a darem menos crédito para a população, o que consequentemente tem uma série de problemas”, explica, dizendo que a cautela, pelo menos momentânea, tem levado a uma retirada de investimentos do mercado financeiro brasileiro.
Para a economista Simone Deos, da Unicamp, episódios como o do SVB tendem a trazer insegurança para a economia como um todo. “O sistema financeiro é um credor para toda a economia. O que tende a acontecer é ele ficar mais tímido, porque é um momento de tensão “, pontua Deos, que vê um desaquecimento causado na oferta de crédito em todo o mundo, como na emissão de bonds, de ações ou de grandes e médios empréstimos.
“Se o Banco Central continuar elevando a taxa de juros, ele cria um movimento, uma tentativa de retração numa economia que está num momento de tensão. Tem a inflação, e essas instituições estavam respondendo a isso. Mas agora, além de responder à estabilidade monetária, esses atores precisam zelar pela estabilidade financeira”, ressalta a economista, que acredita que pode haver um movimento de freio nas taxas de juros não só dos EUA e do Brasil, mas também na Europa.
‘Saída’ para fim da disputa entre BC e governo Lula?
Na reunião que manteve a taxa de juros em 13,75%, em 1º de fevereiro, o Copom teceu críticas ao justificar a medida. No comunicado após o encontro, o comitê observou “incertezas” em relação a um perigo fiscal sobre a indefinição de um novo arcabouço fiscal, além da aceleração da inflação mundial.
O texto foi visto como mais um elemento na tensão entre o governo Lula e o comando do Banco Central na queda de braço pela redução das taxas de juros e pela mudança na meta da inflação.
Contudo, a crise causada pela falência do SVB insere uma nova variável nessa disputa. “A situação torna a vida do Banco Central bem mais difícil, porque tem mais um fator de incerteza “, diz Schiozer. “Já era difícil, porque, se o Copom baixasse os juros, podia haver uma interpretação de que cedeu à pressão política. Se não baixasse, estaria sujeito a uma guerra com o Lula e com a ala mais populista do governo até a próxima reunião”, analisa.
O especialista acredita também que os juros não devem cair na próxima reunião, mas deve haver um comunicado mais amigável, parte do comitê, de que a Selic será reduzida no encontro de maio. “Talvez seja uma maneira de apaziguar os ânimos da ala populista do governo”, acrescenta.
Para Deos, é uma ‘saída honrosa’ para o Banco Central no meio da queda de braço, se a autoridade financeira realmente se decidir por uma queda na Selic. “Temos outro contexto. O Banco Central pode afirmar que não se dobrou a essa disputa, que foi o contexto internacional que mudou o cenário mundial “, diz ela. “Se as condições e dados mais recentes da economia brasileira continuarem a apontar deterioração e se internacionalmente isso também ocorrer, é possível que haja uma queda já na próxima reunião “, conclui ela.
Fonte: DW