Como a tecnologia está redefinindo a arte no Brasil

Brasil educação

Por Susana Oliveira

Arte além da tela – entre tradição e inovação, a produção artística se adapta às novas demandas do mercado e do público

Entre o analógico e o digital, a arte brasileira experimenta um momento de transformação profunda: novas linguagens, novas formas de circulação e até novas maneiras de ser percebida e valorizada. Se antes a obra estava restrita às paredes de galerias, hoje ganha vida nas redes sociais, em exposições on-line e até em marketplaces digitais. O movimento não é apenas tendência, mas necessidade para quem deseja viver da própria criação.

A imagem mostra uma jovem sorridente em frente a uma pintura colorida. Ela tem pele morena e cabelos com tranças longas que misturam tons de loiro e castanho. Suas tranças caem sobre os ombros. Ela está olhando diretamente para a câmera com um sorriso aberto e simpático. Ao fundo, há uma obra de arte vibrante, com formas arredondadas e cores intensas como azul, vermelho e branco, que parecem representar conchas ou elementos abstratos.
Ayana Miro – Foto: Arquivo pessoal

A artista visual Ayana Miro, graduanda em Pintura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), observa esse cenário com proximidade. Para ela, a tecnologia surgiu “como uma forma de necessidade de adaptação para as movimentações que vêm acontecendo”. O tema, recorrente nas conversas com colegas, traduz uma inquietação comum a muitos criadores: como sobreviver com a arte em um mundo atravessado pela internet e pelo virtual. “Eu acho um pouco difícil ser artista e não lidar com essa movimentação da internet e do mundo virtual”, afirma. Mas pondera: “A gente tem que se adaptar para conseguir viver com a nossa arte”.

Essa adaptação, no entanto, não acontece sem dilemas. A pintora encontrou no TikTok um espaço fértil para dialogar com o público e construir uma comunidade interessada em ancestralidade e arte. “Lá eu consegui criar um público até que grande, não tão grande, mas nichado para a área de ancestralidade e arte”, conta. A aproximação direta trouxe benefícios, mas também uma pressão: estar visível significa ceder ao ritmo das plataformas. “Eu não diria que tem uma liberdade criativa, porque ao mesmo tempo tem uma baita pressão. Se você não se adapta, acaba perdendo alcance, visibilidade e retorno financeiro.”

A relação com o público também mudou. Obras em óleo e acrílico, tradicionalmente vistas como distantes, parecem ganhar outra dimensão no contato virtual. Ainda assim, a artista confessa não ver, por ora, espaço para realidade virtual ou inteligência artificial em seu processo criativo. “Eu sempre recorro para métodos mais tradicionais, feitos à mão, com material físico. Por enquanto, não consigo enxergar essa inserção no meu processo.”

A imagem mostra um homem de meia-idade para mais velho, com pele clara e cabelos curtos e grisalhos, levemente ralos no topo da cabeça. Ele está olhando diretamente para a câmera com uma expressão neutra, ligeiramente séria, mas tranquila. Veste uma camiseta preta simples. O fundo é completamente branco e liso, sem elementos visuais, o que dá destaque ao rosto e à figura do homem. A iluminação é uniforme e suave.
Gilberto dos Santos Prado – Foto: Arquivo pessoal

Do outro lado, a visão do Gilberto dos Santos Prado, artista multimídia e professor do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade  da USP em São Paulo, reforça a ideia de que essa tensão não é inédita. Ele lembra que transformações semelhantes já ocorreram em outros momentos da história da arte, com a chegada da fotografia, do vídeo ou da performance. “A arte digital faz parte da arte contemporânea como parte de um processo em andamento que traz novos desafios, novas demandas. É importante pensar que movimentos similares aconteceram quando chegou o vídeo, a fotografia, as instalações”, explica.

Para ele, a força da arte contemporânea está justamente na coexistência. “Nós convivemos em um mundo impactado tanto pelo analógico quanto pelo digital. A arte fala dessa contemporaneidade. Trabalhar nesse mundo não quer dizer negar nenhuma das partes. É esse diálogo, essa fricção entre elementos, que discute a potência da nossa época.”

Esse atrito, como ele define, é também o que mantém a arte em movimento. “As placas tectônicas da criação se chocam, criam faíscas, transformam. A arte tem esse elemento extremamente forte, que é a história da própria transformação. Você arrasta uma coisa na outra, cria conflitos, confrontos, faíscas. Isso é o que transforma essa inquietação.”

Essa imagem mostra uma pintura artística vibrante e surrealista de uma galinha-d'angola (ou algo semelhante), com traços exagerados e cores intensas. O animal tem cabeça com tons de azul e cinza, uma crista alaranjada e bico marrom-avermelhado. Os olhos são grandes e expressivos. Ao fundo, há formas onduladas e abstratas nas cores azul, vermelho, amarelo e branco, que parecem estar em movimento, dando uma sensação dinâmica à obra.O fundo é predominantemente vermelho, com elementos ovais brancos que lembram sementes ou olhos estilizados. Há também texturas e detalhes que fazem a composição parecer quase tridimensional. O estilo da pintura mistura realismo com fantasia, criando uma imagem marcante, intensa e cheia de energia. À esquerda da tela, pendurado, há dois objetos naturais que parecem cabaças secas, adicionando um toque rústico ao conjunto.
Foto: Ayana Miro

Se para os artistas a tecnologia ampliou o alcance e abriu novas pontes, também trouxe dúvidas sobre originalidade e autenticidade. O mercado, por sua vez, reage de forma desigual. A artista relata que, enquanto NFTs (Tokens Não Fungíveis – um comprovante digital de dono de algo único on-line) e desenhos digitais conquistaram espaço, imagens geradas inteiramente por inteligência artificial enfrentam rejeição. “Eu não acho que o mercado de arte tradicional esteja reagindo tão bem assim, principalmente quando o produto final é uma imagem gerada por IA. Eu acho que tem bastante resistência a respeito disso.”

O professor amplia essa discussão ao lembrar que toda moeda tem mais de um lado. Se a tecnologia democratiza o acesso também cria barreiras para quem não domina as ferramentas. “Você pode tornar a arte mais acessível, mas também cria distâncias para quem não está acostumado a ler o mundo através desses novos filtros”, diz ele.

No fim, a questão não é escolher entre o analógico ou o digital, mas entender que os dois caminham juntos. Como diz o professor, “um dos grandes desafios dos artistas é perceber e lidar com sua contemporaneidade. As produções são espelhos da sociedade, cruzam ruídos, angústias, experiências e sonhos”.

*Estagiária sob supervisão de Ferraz Jr

Fonte: Jornal da Usp / Foto: Ayana Miro


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