- Filipe Vilicic
- Role,De São Paulo para a BBC News Brasil
A busca pelo elixir da vida é intrínseca à humanidade. Enquanto a mitologia da Grécia Antiga contava a história de como Zeus envenenou o titã Chronos, seu pai, e assim alcançou a imortalidade, a Física moderna discute formas de manipular o tempo a nosso favor.
Um grupo de cientistas da startup californiana Integrated Biosciences, em parceria com pesquisadores da Universidade Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, deu um passo além nessa jornada.
O nome do estudo que publicaram, “Discovering small-molecule senolytics with deep neural networks” (em tradução livre, “Descobrindo pequenas moléculas senolíticas com redes neurais profundas”), pode soar complicado.
Talvez por isso sua divulgação ainda não tenha ido muito além do meio acadêmico, desde que a pesquisa foi detalhada em artigo do períodico Nature Aging em maio deste ano.
No texto, seus achados são descritos assim: “Treinamos modelos de aprendizagem profunda com os resultados de uma amostra de pequenas moléculas para atividade senolítica e aplicamos esses nossos modelos para descobrir compostos estruturalmente diversos”.
O que os cientistas fizeram, para simplificar a explicação, foi utilizar inteligência artificial (IA) para procurar por possíveis remédios capazes de frear o envelhecimento de nossas células e de, assim, também combater doenças como fibroses, tumores, inflamações e artroses.
“Achar uma nova droga é como procurar por uma agulha no palheiro”, diz à BBC News Brasil o físico e matemático americano Felix Wong, especialista em Biofísica, principal autor do estudo e um dos fundadores da Integrated Biosciences.
“No nosso caso, o palheiro consiste de todos os potenciais compostos químicos já criados ou que podem vir a ser desenvolvidos.”
Usando a IA, Wong pôde testar como mais de 800 mil opções de soluções químicas reagiam a potenciais remédios capazes de selecionar e eliminar senescentes, conhecidas como “células zumbis” do corpo e que levam a processos de envelhecimento.
No fim da experiência, ele e sua equipe chegaram a três potenciais drogas que em tese podem realizar esse controle.
“Se procurássemos em tudo, ou seja, olhando um a um cada composto, exigiria um esforço substancial, visto que o palheiro seria quase infinito”, avalia Wong.
“Usamos a IA para procurar nesse palheiro de forma bem mais eficiente, fazendo a máquina prever quais dessas candidatas a drogas são mais prováveis de funcionar.”
Em depoimento à Nature Aging, o biofísico Andrew Rutenberg, professor da Universidade de Dalhousie, no Canadá, destacou essa metodologia como o grande diferencial da pesquisa.
“Esse trabalho impressionante usa técnicas de aprendizagem profunda de máquinas para explorar diversas estruturas moleculares para uso como novos senolíticos.”
Os autores mostram como cheminformatics (termo em inglês que usa para designar “informações químicas”) podem ser utilizadas para criar novas drogas promissoras contra o envelhecimento, depois testadas por eles e compartilham detalhes de seu software para ajudar a acelerar futuras descobertas moleculares.
Como treinar a IA para fazer ciência
O experimento começou pela preparação da máquina para realizá-lo.
Os cientistas primeiro testaram quase 2,4 mil compostos, em tubos de ensaio, para avaliá-los como possíveis matadores das células zumbis. Depois, alimentaram o software com os dados coletados.
Após ser treinada dessa forma, a IA foi utilizada para procurar pelos melhores candidatos a remédios contra o envelhecimento dentre mais de 800 mil opções.
O robô consegue testar todas as alternativas, simultaneamente, em busca da droga mais eficiente. No jargão científico, nesta etapa, o experimento foi feito “em silício”, ou seja, restrito ao ambiente digital.
Com a peneira, chegaram-se a 216 compostos. Desses, 25 apresentaram alta atividade senolítica, o que quer dizer que são muito eficientes em matar as células zumbis.
Novos experimentos em laboratório reduziram então a lista a três potenciais drogas. Uma delas foi testada em um camundongo de 80 anos.
Os cientistas detectaram decaimento de biomarcadores de envelhecimento, ou seja, no número de “zumbis” nos rins do roedor.
Segundo Wong, isso “indica que o composto pode eficientemente reduzir o envelhecimento de células em animais vivos”.
Por ora, as três soluções em fases de testes são chamadas de BRD-K20733377, BRD-K56819078 e BRD-K44839765.
Siglas complicadas, que parecem saídas de etiquetas de frascos de um laboratório. “Mas que um dia poderão permitir que todos vivamos por mais tempo e de forma mais saudável”, ambiciona Wong.
Por que não testar em humanos?
Na peneira realizada pela IA, um dos principais fatores avaliados era o de prováveis efeitos colaterais dos medicamentos.
“Usamos computadores em experimentos biológicos faz mais de cinquenta anos, mas a IA avançou de tal forma que, hoje, é possível realizar experimentos dessa escalas”, afirma à BBC News Brasil a bióloga brasiliense Aline Martins.
Ela é pesquisadora do instituto The Scripps Research, na cidade de San Diego, nos Estados Unidos, no qual realiza pesquisas utilizando inteligência artificial para procurar por biomarcadores mais eficientes (compostos biológicos capazes de detectar e, assim, ajudar a prevenir doenças).
Martins, que não está entre as autoras do estudo, entusiasmou-se com o trabalho do colega por ele “testar de muitas formas como milhares de substâncias já existentes, com ativos descritos na literatura científica, podem ser reutilizadas com a função de combater o envelhecimento”.
Ela ainda ressalta que isso é “algo que seria impossível fazer em humanos, ou no laboratório, sem utilizar esse ambiente do silício”.
As células zumbis, as senescentes, não são necessariamente ruins para nossos corpos. Pelo contrário, pois elas atuam também como um mecanismo natural anti-câncer.
“Ao fazer as células danificadas pararem de se dividir, esse processo reduz a chance de células se descontrolarem e se tornarem cancerígenas”, diz Felix Wong.
Contudo, as zumbis também levam ao envelhecimento e, em efeito contínuo, a doenças como artrose, inflamações, ou mesmo cânceres.
“O que se procura hoje é por um senolítico balanceado, capaz de frear processos de nosso envelhecimento, mas sem causar efeitos ainda mais danosos e tóxicos no processo”, ressalta Aline Martins.
Wong crê que podemos estar próximos desse achado.
“Seguimos os ritos da ciência. Esperamos eventualmente testar em humanos, com o objetivo de usar esses compostos para aumentar nossas expectativas de vida, ao eliminar subpopulações de células de envelhecimento que nos são prejudiciais.”
É o elixir da vida?
Um antigo mito chinês, datado do século 2 a.C., narra a história de um arqueiro, Hou Yi, que, após um feito heroico responsável por salvar seu povo, ganhou o elixir da vida da deusa Xiwangmu. A bebida seria capaz de lhe conceder imortalidade.
Todavia, sua esposa, Chang’e, um dia tomou o coquetel divino para impedir que um ladrão o roubasse. Com isso, foi ela que alcançou a imortalidade e, na lenda, voou até a Lua, onde até hoje moraria.
Wong e sua equipe estão no caminho da descoberta do elixir da vida?
O próprio cientista não acredita que seja o caso. “A senescência (o processo de envelhecimento das células) é só um dos aspectos de amadurecermos”.
Por isso, segundo ele, essas drogas, mesmo que bem-sucedidas, não serão “a fonte da juventude”.
“Para chegar a isso, teríamos de focar também em outros marcos do processo do envelhecimento, como o esgotamento de células-tronco.”
O objetivo é, portanto, achar caminhos não para a imortalidade, mas para termos vidas longevas e, ao mesmo tempo, saudáveis.
Até porque, tanto pelo ponto de vista da Física quanto da Filosofia, a imortalidade é inalcançável.
Como disse o físico italiano Guido Tonelli recentemente à BBC News Brasil: “Nada é eterno, toda estrutura de matéria, seja um humano, uma estrela, uma galáxia, é frágil intrinsecamente. Cedo ou tarde, tudo se acaba”.
Fonte: bbc brasil