Gibson, recém-resgatada da falência, foi a grande beneficiada pela maior demanda por violões e guitarras durante a pandemia de covid-19
LUIS MEYERMadri – 18 JUN 2021 – 16:36 EDT
“Este é o passo para nos tornarmos a maior empresa de som do mundo.” Essas palavras foram pronunciadas em tom triunfal por Henry Juszkiewicz, então executivo-chefe da célebre marca de guitarras Gibson, depois de anunciar em 2014 a aquisição do departamento de áudio e vídeo da Philips. Quatro anos mais tarde, a empresa de Nashville (Tennessee, EUA) declarava falência e passava à mãos do gigante de capital risco KKR.
A fracassada operação com a Philips, um licenciamento de marca por sete anos que custou 135 milhões de dólares (676 milhões de reais) à Gibson, teve muito a ver com a dívida que levou a empresa à falência, mas estava justificada pelo compasso dos tempos. As vendas de violões haviam desabado nos EUA ao longo da década anterior, segundo a Music Trades. O The Washington Post declarou em 2017 “a lenta morte da guitarra elétrica”, e o próprio Eric Clapton encerrou uma entrevista coletiva com uma frase demolidora: “Talvez tenhamos que aceitar que a guitarra acabou”.
O crescimento do hip hop e outros estilos musicais distantes dos instrumentos tradicionais foi, para muitos analistas, o motivo que levou legendárias marcas norte-americanas de violões e guitarras, como Gibson, Fender e Martin, a registrarem sucessivas quedas anuais de faturamento. Por isso, Juszkiewicz tratou de diversificar o negócio da Gibson Brands, embora a ideia de vender tocadores de CD tenha sido prosaica demais para os puristas de uma marca cujos instrumentos passaram pelas mãos de incontáveis músicos universais, como Led Zeppelin, Bob Marley, Slash e Noel Gallagher.
Não por acaso, a Gibson (que nasceu no final do século XIX como fabricante de bandolins) inventou a guitarra elétrica em 1936, quando o músico de jazz Charlie Christian quis amplificar seu som. Desde então, seu nome esteve ligado à história do rock com modelos emblemáticos, como a Les Paul. Perguntado sobre o significado desta marca, o músico espanhol Enrique Bunbury, incorruptível usuário da Gibson, responde: “Antes eu era mais aberto em questão de guitarras. Mas já não toco as de outras marcas. Uma Les Paul é um animal perfeitamente desenhado para o rock. É infalível.”
A Gibson era uma marca valiosa demais para cair, por isso a KKR assumiu o comando em 2018, apesar de a empresa de Nashville arrastar uma dívida estimada superior a 500 milhões de dólares (2,5 bilhões de reais). O novo proprietário pôs a Gibson Brands nas mãos de James Curleigh, que logo antes tinha havia sido executivo-chefe da Levi’s, onde demonstrou sua capacidade de obter a quadratura do círculo: que uma marca centenária não perca nada da sua tradição, mas, ao mesmo tempo, se torne algo moderno e desejável por todos, inclusive as novas gerações. “Na indústria musical há uma dinâmica muito diferente da moda”, reflete ele sobre sua mudança de ramo, falando por telefone do seu escritório em Nashville. “Na moda tudo anda diabolicamente rápido e é preciso focar o futuro. Na música é tudo mais tranquilo, é preciso equilibrar entre um passado icônico e um futuro inovador.”
Algo sentimental
Aos 54 anos, este canadense de cabelo desalinhado e barba rala costuma vestir roupas jeans e poderia passar pelo veterano guitarrista de alguma lendária banda de rock, e não por um executivo que deixou a Levi’s no topo, com 27,4 bilhões de reais de faturamento. Quem o conhece de repente também não faz ideia do estudante brilhante que foi na juventude, com passagens por Harvard e Stanford. “É natural. Cresci numa família muito musical e toquei em bandas a vida toda”, diz, contando como se deu sua virada profissional: “Quando eu estava na Levi’s, li na Rolling Stone que a Gibson estava prestes a declarar falência. Fiquei muito abalado, naquele fim de semana comecei a tocar minha guitarra Les Paul sem parar, e na semana seguinte decidi entrar em contato com os novos donos da empresa. Fizemos algumas entrevistas e me ofereceram um cargo para ressuscitar a marca. Para mim era algo sentimental.”
Curleigh tomou o caminho inverso de seu antecessor e decidiu centrar a musculatura da empresa no que ela sabe fazer de melhor: violões e guitarras (é dona também da Epiphone, a gama mais acessível, e da Kramer, com um som mais forte). Urgia uma simplificação das gamas, de modo que as Gibson (cujo preço varia de 6.000 a 60.000 reais) foram divididas em apenas duas coleções: Original, inspiradas nos modelos clássicos, e Modern, na qual se permite “jogar com outros materiais, outras superfícies e cores… ou inclusive acrescentar mais cordas”, como explica Mat Koehler, chefe de desenvolvimento. Em sua fábrica de Nashville criaram a Custom Shop, uma espécie de laboratório onde testam protótipos e o cliente pode personalizar sua guitarra. Na fábrica de Bozeman, em Montana, continuam fabricando os violões acústicos Gibson. “Voltamos ao processo artesanal e aos controles exaustivos”, diz Curleigh. Informações do site El País.