- Jonny Wilkes
- Role,BBC HistoryExtra *
- Terça, 26 de dezembro de 2023
A expedição britânica de reconhecimento do Monte Everest de 1921 partiu da Índia para encontrar uma rota para a montanha mais alta do mundo e, se possível, escalá-la.
Mas ao retornar, a equipe tinha mais a relatar do que os sucessos do reconhecimento.
Entrevistados pelo jornalista Henry Newman, eles contaram que encontraram pegadas enormes na neve.
O líder da expedição, Charles Howard-Bury, concluiu que elas haviam sido deixadas pelos passos de um lobo.
Guias e carregadores locais, no entanto, disseram que elas pertenciam ao lendário metoh-kangmi, que pode ser traduzido para algo como “homem-urso boneco de neve”.
Intrigado, Newman conversou com alguns dos tibetanos que viram as pegadas. Eles mencionaram histórias de uma criatura misteriosa e selvagem que vagava pelo Himalaia.
Fascinado, o jornalista precisava de um nome atraente para os jornais, pois uma má tradução de metoh fez com que ele pensasse que o chamavam de “boneco de neve nojento”.
Ele inventou algo muito mais evocativo: o abominável homem das neves.
E assim, a lenda do Yeti — o seu nome tibetano — tornou-se global, capturando a imaginação e inspirando mais de um século de estudos, pesquisas e buscas criptozoológicas.
O bípede peludo, parecido com um macaco, tem diferentes formas e tamanhos. Às vezes é considerado muito mais alto que um humano e às vezes pequeno, mas terrivelmente forte.
Embora seja retratado com pelos brancos para se misturar à paisagem coberta de neve, ele também pode ser marrom avermelhado e viver nas florestas do Himalaia.
No cinema, o Yeti varia desde o monstro assassino de fantasia de terror de O Abominável Homem das Neves (1957) até o fofinho habitante das cavernas de Monstros S.A. (2001).
No entanto, quando se trata de evidências da existência do Yeti, o mais próximo que alguém chegou foram as pegadas — mas não aquelas que Howard-Bury e sua equipe disseram ter visto.
Durante outra expedição britânica que fez o reconhecimento das rotas do Everest 30 anos depois, em 1951, os alpinistas Eric Shipton e Michael Ward viram estranhas pegadas que percorriam aproximadamente 1,6 quilômetros a uma altitude de mais de 4.500 metros.
Também havia sinais de marcas de garras.
Shipton tirou várias fotos e a pegada era quase duas vezes maior que a de um humano.
Essas imagens de Shipton se tornaram ícones do fascínio do século 20 pelo Yeti.
Os contos tradicionais da região do Himalaia se referem ao Yeti como um espírito da geleira que trouxe sorte aos caçadores, ou como uma criatura que assustava as pessoas de se aventurassem muito longe nas montanhas.
Tal criação estava longe de ser incomum: hoje, o Yeti faz parte de uma família de criptídeos bípedes em todo o mundo, incluindo o Sasquatch na América do Norte, o Yowie na Austrália e o Mapinguari na Amazônia.
Por trás da lenda
A crença no Yeti como uma criatura física, é claro, foi estabelecida muito antes de os exploradores britânicos encontrarem suas pegadas.
Dizem que quando Alexandre, o Grande, invadiu o subcontinente indiano em 326 a.C., ele exigiu ver um, mas os moradores se recusaram a mostrá-lo, alegando que não sobreviveria em baixas altitudes.
Ao longo dos séculos, as histórias continuaram até que diferentes tipos de Yeti foram formados (o arquetípico Meh-teh, o menor Teh-Ima e o enorme Dzu-teh ou Nyalm) e a lenda tornou-se parte da mitologia da região.
O Yeti permaneceu praticamente intocado (na verdade, muitas crenças locais afirmavam que seria um mau presságio ver um) até o século 20, que provou ser uma época fértil para a criptozoologia.
Duas décadas depois que o jornalista Henry Newman popularizou o termo “abominável homem das neves” em 1921, dois viajantes afirmaram ter visto “duas manchas pretas” movendo-se pela neve do Himalaia.
Então, as imagens de Shipton em 1951, auxiliadas pela conquista do Everest dois anos depois, chamaram a atenção como nunca antes para a região e para o Yeti que talvez se esconda por lá.
E o interesse era grande.
Em 1959, a embaixada dos EUA em Katmandu chegou a emitir um memorando ao Departamento de Estado em Washington DC sobre grupos de caçadores de Yeti que se aglomeravam no Himalaia.
Os “Regulamentos que regem as expedições de montanhismo no Nepal — Relativos ao Yeti” consistiam em três regras para quem desejasse viajar.
A primeira alegava que 5 mil rúpias deveriam ser pagas ao governo nepalês para obter permissão para procurar a criatura.
A segunda afirmava: “Se o ‘Yeti’ for localizado, poderá ser fotografado ou capturado vivo, mas não deve ser morto ou baleado, exceto em caso de emergência decorrente de legítima defesa’. Também dizia que todas as fotografias deveriam ser entregues às autoridades.
A terceira garantia que quaisquer “notícias e reportagens que esclarecessem a existência real da criatura” também deveriam ser entregues.
Provas?
Os visitantes sonhavam em fazer algum progresso e estavam atentos a qualquer coisa relacionada ao Yeti.
No final da década de 1950, uma expedição financiada pelo petroleiro texano Tom Slick descobriu um objeto curioso em um mosteiro budista na cidade de Pangboche: a mão mumificada de um suposto Yeti.
O explorador Peter Byrne conseguiu adquirir um de seus dedos, supostamente após fazer uma doação financeira ao mosteiro, e o contrabandeou para fora do Nepal.
Ele fez isso com a ajuda do astro de Hollywood James Stewart, amigo de Slick, que escondeu o dedo na bagagem da esposa, embrulhada em uma cueca.
Em 1960, apareceu outra parte do corpo.
Após alegar ter visto pegadas estranhas durante sua histórica subida ao Everest com Tenzing Norgay, o alpinista Edmund Hillary foi em busca do Yeti e voltou com um suposto couro cabeludo emprestado de um mosteiro em Khumjung.
No entanto, testes revelaram que a pele em forma de capacete veio de um serau, um animal parecido com uma cabra.
Quanto à mão de Pangboche, a análise de DNA realizada em 2011 provou de uma vez por todas que era humana.
Aparentemente, todas aquelas pegadas vistas pelos alpinistas também poderiam ser explicadas.
As pegadas individuais poderiam ter sido de pedras que caíram e que tiveram sua forma altera à medida que a neve derreteu.
Já as pegadas múltiplas eram possivelmente de um animal diferente, criando uma pegada maior e aparentemente inexplicável quando as patas dianteiras e traseiras pousavam em locais semelhantes.
Michael Ward, o médico da expedição de Hillary, observou que poderiam até ser “pés de formato anormal” de uma pessoa, já que conheceu tibetanos e nepaleses cujo dedão do pé “estava em ângulo reto com o resto do pé”.
Mas e as pessoas que alegaram ter visto a criatura?
Em 1986, o físico inglês Anthony Wooldridge, que estava em uma corrida beneficente no Himalaia, afirmou ter visto um Yeti a apenas 150 metros de distância dele e conseguido tirar fotos.
No mesmo ano, o experiente montanhista italiano Reinhold Messner, famoso por escalar o Everest sem oxigênio suplementar, afirmou que também teve um encontro com a criatura.
Ele passou anos tentando encontrar outro Yeti, sem sucesso. Já a conclusão da história de Wooldridge foi que ele tinha visto uma formação rochosa de formato incomum.
Poderia existir?
Têm sido comuns relatos secundários igualmente questionáveis sobre pessoas que avistaram Yetis, incluindo o do montanhista nepalês Ang Tsering Sherpa, que disse que seu pai tinha visto um.
“Yetis não são tão grandes. Eles têm aproximadamente o tamanho de crianças de 7 anos. Mas são muito fortes”, afirmou, antes de aludir aos poderes mágicos que às vezes são citados nos mitos sobre os Yetis.
“Se o Yeti tivesse visto meu pai primeiro, meu pai não teria conseguido andar. O Yeti pode impedir as pessoas de andar. Então ele os come.”
Todas as análises científicas e afirmações desmascaradas não foram suficientes para extinguir o fascínio pelo Yeti.
Em 2011, especialistas e entusiastas da criptozoologia realizaram uma conferência na Sibéria Ocidental e anunciaram a sua “prova indiscutível” da existência do Yeti, com a descoberta de ninhos feitos de ramos retorcidos de árvores.
No entanto, pouco depois, um participante, o antropólogo americano Jeff Meldrum, revelou que as autoridades russas falsificaram a história como um golpe publicitário.
A criptozoologia sempre foi atormentada pelo engano, motivada pela fama e fortuna.
Possivelmente, foi isso que levou caçadores na China a anunciarem publicamente em 2010 ter capturado um Yeti de quatro patas e sem pelos (na verdade, um animal parecido com um gato chamado civeta).
Mas de todos os criptídeos, o Yeti tem sido objeto de uma quantidade surpreendente de investigações científicas, levando a avanços significativos na última década.
Em 2013, Bryan Sykes, geneticista da Universidade de Oxford, emitiu um apelo global para que qualquer “evidência” do Yeti fosse analisada.
Das dezenas de amostras que recebeu, dois pelos (um do norte da Índia, no oeste do Himalaia, e outro, de centenas de quilômetros de distância, no Butão), correspondiam a um urso polar pré-histórico, que se acredita ter vivido há pelo menos 40 mil anos.
Sykes apresentou a intrigante teoria de que o Yeti existe, mas é, na verdade, um urso híbrido. Se essa não for uma anomalia pré-histórica, outras raças raras de ursos poderiam ser o Yeti da vida real.
Já Reinhold Messner concluiu na década de 1980 que o Yeti poderia ser o urso azul tibetano ou o urso pardo do Himalaia.
Em 2017, o estudioso americano Daniel C. Taylor, conservacionista e figura importante no estudo do Yeti que passou décadas caçando a criatura, finalmente publicou suas extensas descobertas, incluindo uma análise abrangente das pegadas de Shipton.
Em Yeti: A Ecologia de um Mistério, ele apontou o urso negro asiático como a provável criatura flagrada no Himalaia.
Mas é improvável que essas descobertas convençam a todos.
O abominável homem das neves passou por mais de um século de empolgação e especulação.
Um século de pegadas, histórias, avistamentos e espécimes, coincidindo com um século de interesse crescente em outras feras não comprovadas, como o Monstro do Lago Ness e o Pé Grande.
Para muitos que acreditam que ele existe, o Yeti representa as maravilhosas incógnitas da Terra, e a esperança de encontrá-lo não acabará pela falta de evidências definitivas.
*Para ler o artigo original em inglês no BBC HistoryExtra, clique aqui.
Fonte: BBC