Lucas Rocha, da CNN
em São Paulo 25/09/2021 às 04:30
No enfrentamento da pandemia de Covid-19, contar com o maior número possível de vacinas é essencial. Para isso, pesquisadores trabalham no desenvolvimento de novos imunizantes, com o objetivo de facilitar a logística, reduzir os custos e ampliar o suprimento global de doses.
Uma dessas vacinas, que poderá estar à disposição em breve, é a Clover, produzida pela empresa Sichuan Clover Biopharmaceuticals, sediada na China. O imunizante chamado tecnicamente de SCB-2019 obteve resultados promissores nos estudos clínicos realizados no Brasil e em países como a Colômbia, África do Sul e Bélgica.
O ensaio clínico global de fases 2 e 3 avalia a eficácia, segurança e a capacidade de indução da resposta imunológica contra a doença. Os estudos utilizam uma metodologia na qual metade dos participantes recebe a candidata a vacina, enquanto a outra parte recebe placebo, uma substância sem qualquer efeito para o organismo.
Os testes foram desenvolvidos nos últimos meses, com a participação de mais de 30 mil pessoas, sendo cerca de 8 mil voluntários só no Brasil. No país, os testes foram realizados em cinco centros de pesquisa, sendo dois no Rio Grande do Sul, dois no Rio Grande do Norte e um no Rio de Janeiro.
Os resultados preliminares, divulgados na quarta-feira (22), mostram que a vacina apresentou uma eficácia de 100% contra casos graves, hospitalizações e mortes pela Covid-19, e de 84% na prevenção de quadros de moderados a graves. A eficácia geral, que considera qualquer nível de gravidade causada pelo novo coronavírus, foi de 67%.
O estudo revelou, ainda, uma eficácia de 79% contra a doença, considerando qualquer gravidade, diante da variante Delta do novo coronavírus. Segundo a análise, a eficácia foi de 92% contra a variante Gama (identificada em Manaus) e de 59% contra a variante Mu (originária da Colômbia).
“A fase 3, em geral, demora um ano. Provou-se a eficácia, mas continuamos seguindo cada voluntário”, afirmou a pesquisadora Sue Ann Costa Clemens, professora da Universidade de Oxford e coordenadora dos testes no Brasil. Segundo Clemens, a próxima etapa é o pedido de registro da vacina junto à Organização Mundial da Saúde (OMS) e às agências regulatórias.
Clemens afirma que a empresa já está em tratativas com as agências sanitárias da China e da Europa. Ela espera uma reunião com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para avançar o processo no Brasil: “Já enviamos os resultados para a Anvisa, mas vamos ter uma reunião formal na próxima semana”, afirma.
Segundo a pesquisa, a candidata a vacina também apresentou um nível de segurança adequado, sem diferenças significativas em eventos adversos graves ou sistêmicos.
Status de outras vacinas testadas no Brasil
O Brasil conta outras oito pesquisas que buscam o desenvolvimento de vacinas nacionais contra a doença. Desde o início da pandemia, em março de 2020, grupos de pesquisa de universidades e institutos públicos se desdobram para atingir esse objetivo. Segundo os especialistas, o investimento na ciência nacional é fundamental para o avanço dos projetos.
O caminho para a criação de uma vacina é longo e deve passar por etapas que envolvem a avaliação de segurança, eficácia e capacidade de proteção. Saiba mais sobre o andamento das iniciativas brasileiras mais avançadas de candidatas a vacinas contra a Covid-19.
Butanvac: testes clínicos avançam para novas cidades
A vacina brasileira Butanvac, desenvolvida pelo Instituto Butantan, de São Paulo, foi criada a partir de um vírus modificado da doença de Newcastle que contém a proteína S do novo coronavírus inativada. O vírus, que infecta aves, é inofensivo para os humanos e conta com uma grande capacidade de replicação em ovos embrionados de galinhas.
A tecnologia utilizada para a produção da vacina contra a gripe, causada pelo vírus influenza, é amplamente conhecida no mundo e possui um baixo custo.
Os ensaios clínicos foram autorizados pela Anvisa no dia 9 de junho. Um mês depois, o Instituto Butantan deu início aos testes em parceria com o Hemocentro de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Uma nova fase dos estudos teve início em setembro, na cidade de Guaxupé, em Minas Gerais. Os testes são divididos em duas fases, compostas pelas etapas A, B e C.
A etapa “A” conta com um total de 418 voluntários selecionados nas cidades de Ribeirão Preto e Guaxupé e irá avaliar a segurança e a dose ideal do imunizante. Os voluntários serão divididos em dois grupos, uma parte receberá a ButanVac e a outra a Coronavac, para efeito de comparação.
Nessa etapa do estudo, não serão aplicadas doses de placebo, substância sem efeitos para o organismo, como acontece em parte dos estudos de novos imunizantes.
Nas demais etapas, os cientistas vão avaliar a resposta imune, e serão adicionados mais de 5 mil voluntários à pesquisa. Os especialistas vão poder comparar o desempenho da nova vacina e dos outros imunizantes que estão em uso no Brasil. Com base nos ensaios, serão indicadas a eficácia geral da Butanvac e o efeito da vacina contra as variantes da Covid-19.
Os próximos passos da pesquisa envolvem a expansão dos testes, com o recrutamento de voluntários nas cidades mineiras de Itamogi e São Sebastião do Paraíso.
A Butanvac faz parte de um consórcio internacional com a participação da organização PATH Center for Vaccine Innovation and Access, a Icahn School of Medicine no Mount Sinai em Nova York e a Universidade do Texas, nos Estados Unidos.
Vacina da UFRJ: testes em humanos devem começar em novembro
A vacina em desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) utiliza como ingrediente farmacêutico ativo (IFA) uma cópia da proteína S (Spike), presente na estrutura externa do coronavírus. A proteína Spike é uma das responsáveis pela ligação do vírus às células humanas, permitindo a entrada e a multiplicação do SARS-CoV-2 no organismo.
Os pesquisadores da UFRJ modificaram geneticamente células em laboratório, que passaram a produzir a proteína Spike. As células são utilizadas como base para o desenvolvimento da tecnologia de produção e purificação da primeira versão do IFA.
Desde março, os pesquisadores realizam novamente o processo de desenvolvimento para contemplar as diversas variantes do coronavírus, como a linhagem Delta, altamente contagiosa.
Os estudos pré-clínicos, que envolvem testes com animais, já foram concluídos. Os pesquisadores da UFRJ testaram duas versões do IFA, com o vírus original e da variante Gama (P.1, originária de Manaus).
Segundo a professora Leda Castilho, coordenadora do estudo, os ensaios pré-clínicos mostraram uma grande capacidade da vacina de induzir a formação de anticorpos.
“Quando comparamos os níveis de anticorpos neutralizantes obtidos nos animais, estes foram superiores aos níveis encontrados em 90% dos soros de 20 indivíduos que tiveram Covid-19 e também a todos os soros de 13 indivíduos vacinados que testamos”, afirmou a professora em um comunicado.
A Anvisa avalia o pedido de autorização da UFRJ, enviado no dia 6 de agosto, para os testes com a participação de humanos. Segundo a UFRJ, os ensaios clínicos devem começar em novembro. “Até outubro, vamos complementar com mais dados pré-clínicos (aqueles em animais) e vamos discutir outros resultados. Quando estiver completo, a Anvisa pode tomar a decisão. Esperamos fazer testes em humanos em novembro”, afirmou Leda em um comunicado.
A pesquisa deverá contar com a participação de mil voluntários, incluindo homens e mulheres acima de 18 anos que receberam qualquer imunizante há pelo menos 12 semanas e que não tiveram a doença.
Fiocruz testa duas vacinas
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) foi selecionada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o desenvolvimento e produção de vacinas com tecnologia de RNA mensageiro (mRNA) na América Latina. O Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), no Rio de Janeiro, é o atual produtor da vacina contra a Covid-19 da AstraZeneca no Brasil.
Na Fiocruz, estão sendo desenvolvidas duas possíveis vacinas contra a Covid-19. Uma delas é uma vacina de RNA, que está sendo testada em cultura de células (in vitro). Os resultados são positivos e apresentam bons parâmetros de estabilidade. Segundo a Fiocruz, os próximos passos envolvem os testes de diferentes construções da vacina, que serão realizados em animais.
Uma segunda candidata é a vacina de subunidade, que utiliza proteínas ou fragmentos de proteínas do vírus, capazes de estimular a resposta imune. Os pesquisadores testam diferentes construções da proteína S, responsável pela geração de anticorpos protetores e neutralizantes, em conjunto com a proteína N que gera anticorpos e promove a ativação da resposta imune celular.
Os experimentos em hamsters foram finalizados e os resultados estão sendo analisados para definição dos próximos passos do estudo, que incluem a confirmação das melhores formulações para a vacina e testes em outros modelos experimentais, como os primatas não humanos.
SpiN-TEC: vacina mineira aguarda autorização para estudos clínicos
Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) atuam na criação da vacina SpiN-TEC, de administração intramuscular, com esquema inicial de duas doses. Desenvolvido pelo CTVacinas da universidade, o imunizante tem como diferencial a mistura de duas proteínas do novo coronavírus, com o objetivo de aprimorar a resposta induzida no organismo.
Enquanto a maior parte das vacinas conta apenas com a proteína S (Spike), utilizada pelo vírus para invadir as células humanas, a vacina da UFMG contempla também a proteína N, que é mais estável e menos afetada pelas mutações do novo coronavírus.
Segundo a UFMG, essa característica amplia o potencial da vacina para o combate de um maior número de variantes da Covid-19. “Percebemos a importância dessa outra proteína, a N, alojada no nucleocapsídeo do SARS-CoV-2, quando estávamos desenvolvendo o kit diagnóstico para Covid-19 e decidimos adicioná-la à vacina em desenvolvimento”, explicou o pesquisador Flávio Fonseca em um comunicado.
A vacina já passou pela etapa dos testes pré-clínicos, que apresentaram resultados positivos. Segundo a UFMG, o imunizante não provocou efeitos colaterais adversos detectáveis e demonstrou uma capacidade de produção de anticorpos tanto para proteína S quanto para a N. Os pesquisadores observaram, ainda a indução da resposta celular, um componente essencial de defesa do organismo, com a ação dos linfócitos T.
O pedido de autorização para os testes de fase clínica (1 e 2), que envolve a participação de humanos, foi recebido pela Anvisa no dia 31 de julho e permanece em avaliação. A análise considera a proposta do estudo, o número de participantes e os dados de segurança obtidos até o momento nos estudos pré-clínicos.
As fases 1 e 2 dos testes clínicos permitem avaliar a segurança da vacina, identificar possíveis efeitos adversos e comprovar a capacidade de geração de anticorpos e de células de defesa específicas contra o novo coronavírus.
Segundo a UFMG, a fase 1 prevê a participação de cerca de 40 voluntários, para a segunda fase, estão previstos entre 150 e 300 participantes. Os testes serão realizados com indivíduos que já tenham tomado as duas doses da vacina Coronavac há pelo menos seis meses. Os cientistas pretendem avaliar a capacidade de resposta imunológica do organismo à terceira dose de um imunizante.
Versamune: cientistas pretendem dar início à fase clínica ainda neste ano
A vacina Versamune contra a Covid-19 é desenvolvida pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com a empresa Farmacore e a PDS Biotechnology, dos Estados Unidos. A formulação inicial prevista é de um esquema de duas doses, aplicadas de forma intramuscular, com espaçamento de 21 dias.
O imunizante tem como base a combinação da proteína recombinante S1 com a partícula nanolipídica Versamune. O objetivo é ativar respostas imunológicas que envolvem a produção de linfócitos (células T) e anticorpos neutralizantes.
A Anvisa avalia o pedido de autorização dos estudos clínicos de fase 1 e 2 da Versamune, recebido no dia 26 de março. A agência solicitou dados complementares que, segundo a Farmacore, foram enviados no final de julho.
Para as fases 1 e 2 dos estudos clínicos está prevista a participação de 360 voluntários, com idade entre 18 e 55 anos. Em um segundo momento, serão incluídas pessoas de 55 a 75 anos. No período de 3 a 4 meses, os pesquisadores vão avaliar a produção de anticorpos e possíveis efeitos colaterais da vacina.
A partir dos resultados obtidos, os cientistas pretendem avançar para a fase 3, que prevê mais de 10 mil voluntários. Nessa etapa, que deverá durar em torno de seis meses, serão avaliadas as capacidades de proteção contra o vírus e contra a infecção.
Vacina intranasal da Universidade Estadual do Ceará pode custar menos de R$ 1,00
Em abril de 2020, a Universidade Estadual do Ceará (UECE) deu início ao desenvolvimento do imunizante intranasal 2H120 Defense, contra a Covid-19. A candidata a vacina utiliza um tipo de coronavírus aviário atenuado, semelhante ao SARS-CoV-2, que não oferece riscos à saúde humana. Os pesquisadores investigam a capacidade do microrganismo de induzir uma resposta imunológica protetora contra a Covid-19.
Segundo a UECE, a vacina será de baixo custo, com cada dose podendo custar menos de R$ 1,00. A estimativa é que a concentração de vírus vacinal por dose em um frasco seja capaz de fornecer até 250 doses. A pesquisa é desenvolvida no Laboratório de Biotecnologia e Biologia Molecular da UECE, liderada pela professora Izabel Florindo Guedes.
No início de agosto, a UECE, o Governo do Ceará e a Fiocruz assinaram um termo de cooperação para o desenvolvimento da vacina. A parceria visa a realização de ajustes solicitados pela Anvisa para a fase de ensaios com animais.
Segundo a UECE, os ajustes são necessários para que os pesquisadores possam realizar a submissão de documentos para solicitar autorização para o início dos testes em humanos, ainda sem previsão de início.
A UECE informou que novos testes serão realizados assim que forem recebidos os materiais já adquiridos. A análise dos dados, que devem ser submetidos novamente à Anvisa, será realizada com a colaboração da equipe da Fiocruz.
Segundo os cientistas, os imunizantes intranasais podem gerar uma resposta imune eficaz nas mucosas, prevenindo a infecção e reduzindo de forma mais eficiente a transmissão da doença.
UFPR: tecnologia da vacina poderá ser usada contra outras doenças
A vacina desenvolvida por cientistas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) contra a Covid-19 conta com a utilização de matéria-prima nacional. Segundo os pesquisadores, o imunizante tem baixo custo e tecnologia e também poderá ser usado contra outras doenças.
A vacina utiliza uma tecnologia que envolve a produção de nanopartículas biodegradáveis. Por ser um material muito pequeno, as partículas podem ser usadas para diversas aplicações.
Os pesquisadores associaram as partículas, que são capazes de entrar e desaparecer no organismo sem provocar efeitos colaterais, a partes específicas da proteína S do novo coronavírus. A proteína é produzida a partir da bactéria Escherichia coli e depois vinculada à nanopartícula. Segundo o estudo, após induzir a imunidade contra Covid-19, a nanopartícula desaparece sem causar efeitos ao organismo.
“Temos dois tipos de resposta: a primeira é uma célula que vai reconhecer esse pedaço de proteína estranha e produzir anticorpos para ela. Os anticorpos vão inativar a proteína estranha, inclusive se o vírus entrar em uma próxima ocasião no organismo”, explicou o pesquisador Emanuel Maltempi de Souza, um dos responsáveis pela pesquisa, em um comunicado.
Segundo a UFPR, a fase pré-clínica deve ser encerrada até o final deste ano. A estimativa dos pesquisadores é que em 2022, com a aprovação da Anvisa, sejam iniciados os testes em seres humanos. O desenvolvimento da vacina conta com a participação de pesquisadores dos departamentos de Bioquímica, Biologia Molecular e de Patologia Básica.
A tecnologia utilizada no desenvolvimento do imunizante funciona para outras doenças. A partir da pesquisa, outras vacinas poderão ser produzidas, como dengue, Zika e chikungunya, doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti.
Fonte: CNN Brasil / Foto:Pesquisadores do Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares estão produzindo o IFA que será utilizado na UFRJvacCoppe/UFRJ