Contingenciamento do Orçamento é teste de fogo para Lula diminuir risco fiscal

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A capacidade do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de fazer um contingenciamento do Orçamento se transformou no principal teste de fogo para diminuir o risco fiscal e melhorar a confiança dos investidores na sustentabilidade das contas públicas. A medida é necessária para o cumprimento da meta fiscal de déficit zero neste ano.

Sem medidas estruturais concretas para a redução de despesas obrigatórias, o próximo dia 22 de julho será o primeiro teste do compromisso da equipe econômica com a meta para as contas públicas e a busca do equilíbrio fiscal.

Na data, o governo terá de enviar ao Congresso o terceiro relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas do Orçamento, documento que aponta a necessidade de fazer ou não tanto um bloqueio para o cumprimento do teto de despesas do arcabouço fiscal como um contingenciamento para não estourar a regra da meta.

Cálculos de analistas do mercado financeiro apontam a necessidade de um congelamento de R$ 15 bilhões a R$ 46 bilhões para atingir a meta proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Há, porém, um ceticismo no mercado sobre a chance de o governo anunciar um contingenciamento já em julho, deixando o dia “D” para 22 de setembro, no quarto relatório bimestral.

Está na conta dos especialistas o risco de o governo Lula gerenciar números, fazendo estimativas mais otimistas de receitas e subestimando despesas.

Os especialistas avaliam, no entanto, que será difícil o governo evitar um bloqueio de despesas em julho de pelo menos R$ 15 bilhões, dada a evolução dos gastos com o pagamento de benefícios da Previdência em maio.

O mercado financeiro tem se mostrado sensível ao tema após decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central de interromper o ciclo de queda dos juros, em um cenário de alta do dólar com aumento de percepção de risco fiscal.

Após a decisão do Copom, chamou atenção na equipe econômica o relatório “Macro Visão” do banco Itaú, apontando que será fundamental um anúncio de contingenciamento ou bloqueio na próxima revisão bimestral em julho.

O documento, que circulou também entre os diretores do BC, aponta que serão precisos R$ 38 bilhões para evitar que o limite de gastos seja ultrapassado em 2024.

“O montante seria suficiente para reverter a necessidade de gastos apontada e evitar o descumprimento do arcabouço esse ano”, diz o relatório, elaborado pela equipe do economista-chefe do Itaú, Mário Mesquita.

O relatório elenca propostas de medidas fiscais com potencial de economia de R$ 145 bilhões em dois anos terminados em 2026 para garantir a sobrevivência do arcabouço –hoje a maior preocupação dos investidores. A lista inclui bloqueio de despesas de curto prazo; revisão de despesas com saúde, educação e benefício sociais; e iniciativas para reduzir gastos em Previdência e outros itens.

Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, diz que o maior desafio para o governo é executar o novo arcabouço fiscal e mostrar que a nova regra para de pé. No curto prazo, Salto vê o congelamento como um primeiro gatilho para melhorar a confiança. “Não tem mágica. É preciso cortar despesas”, afirma.

O economista da Warren estima a necessidade de um contingenciamento de R$ 46 bilhões. Segundo ele, o governo em julho deve bloquear somente necessário para deixar a previsão de gastos com a Previdência menos subestimada.

O economista-chefe da XP, Caio Megale, calcula a necessidade de uma bloqueio de R$ 16 bilhões em julho devido aos gastos com Previdência, que ficaram acima do normal em maio, que atingiram cerca de R$ 110 bilhões. A projeção do governo era de um gasto de R$ 105 bilhões para o mês, já contando o pagamento do 13º salário.

Megale sugere que o governo monte grupos de trabalho interministeriais que anunciem medidas e comecem a trabalhar de forma mais rápida no pente-fino dessas despesas.

Ele avalia que a aceleração dessas obrigatórias coloca em risco o arcabouço fiscal, o que exige uma ação mais rápida do governo. “Esse tema das despesas não é novo. É importante fazer esse pente-fino. Ainda dá tempo. Os detalhes estão aparecendo para limitar o crescimento dessas despesas o auxílio doença, a concessão do BPC, mas mesmo assim seria importante mais do que as palavras ter uma ação mais concreta”, diz.

O analista fiscal da XP, Tiago Sbardelotto, afirma que há dúvidas se o governo de fato promoverá a correção do Orçamento que deveria ou se optará em fazer de forma homeopática, a conta gota. Ela calcula a necessidade de um congelamento de R$ 32 bilhões. “Acreditamos que ele faz um bloqueio agora em julho e um contingenciamento ali em setembro”, prevê. Se o governo não fizer esse movimento, diz o analista, a opção do Executivo será mudar a meta.

Sbardelotto alerta que complica o cenário a frustração de receitas como aquelas decorrentes de mudanças nas regras do Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais), o tribunal administrativo onde os contribuintes recorrem contra decisões da Receita Federal.

Já o banco BTG estima a necessidade de um contingenciamento menor, de R$ 15 bilhões.

Apesar da expectativa, o governo está ainda longe de uma definição e trabalha para que uma medida como essa não seja necessária neste momento —deixando a decisão para setembro.

Há uma aposta de que as concessões de novos benefícios previdenciários vão começar a desacelerar em agosto e não seguirão crescendo no ritmo atual, o que tem demandado mais recursos. A razão seria o fim da concessão do bônus dos peritos para zerar a fila. Técnicos da área de Orçamento, no entanto, avaliam que a medida em julho seria positiva para trazer confiança.

No segundo relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas, de 22 de maio, o governo reverteu o bloqueio de R$ 2,9 bilhões do Orçamento, mas elevou a projeção de déficit das contas públicas neste ano de R$ 9,3 bilhões para R$ 14,5 bilhões –equivalente a 0,1% do PIB (Produto Interno Bruto).

Apesar da piora, o resultado projetado seguiu dentro do intervalo de tolerância previsto para o cumprimento da meta fiscal de déficit zero. Pela regra, há uma margem de tolerância de 0,25% do PIB para menos ou para mais. Na prática, o governo poderá chegar ao final do ano com um déficit de até R$ 28,8 bilhões sem estourar a meta.

ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE BLOQUEIO E CONTINGENCIAMENTO
O novo arcabouço fiscal determina que o governo observe duas regras: um limite de gastos e uma meta de resultado primário (verificada a partir da diferença entre receitas e despesas, descontado o serviço da dívida pública).

Ao longo do ano, conforme mudam as projeções para atividade econômica, inflação ou das próprias necessidades dos ministérios para honrar despesas obrigatórias, o governo precisa fazer ajustes para garantir o cumprimento.

Se o cenário é de aumento das despesas obrigatórias, é necessário fazer um bloqueio. Se as estimativas apontam uma perda de arrecadação, o instrumento adequado é o contingenciamento. Na prática, porém, o efeito acaba sendo o mesmo: o congelamento de recursos disponibilizados aos ministérios.

Como funciona o bloqueio?

O governo segue um limite de despesas, distribuído entre gastos obrigatórios (benefícios previdenciários, salários do funcionalismo, pisos de Saúde e Educação) e discricionários (investimentos e custeio de atividades administrativas). Quando a projeção de uma despesa obrigatória sobe, o governo precisa fazer um bloqueio nas discricionárias para garantir que haverá espaço suficiente dentro do Orçamento para honrar todas as obrigações.

Como funciona o contingenciamento?

O governo segue uma meta fiscal, que mostra se há compromisso de arrecadar mais do que gastar (superávit) ou previsão de que as despesas superem as receitas (déficit). Neste ano, o governo estipulou uma meta zero, que pressupõe equilíbrio entre receitas e despesas. Como a despesa não pode subir para além do limite, o principal risco ao cumprimento da meta vem das flutuações na arrecadação. Se as projeções indicam uma receita menos pujante, o governo pode repor o valor com outras medidas, desde que tecnicamente fundamentadas, ou efetuar um contingenciamento sobre as despesas.

Pode haver situação de bloqueio e contingenciamento juntos?

Sim. Não é este o cenário atual, mas é possível que, numa situação hipotética de piora da arrecadação e alta nas despesas obrigatórias, o governo precise aplicar tanto o bloqueio quanto o contingenciamento. Neste caso, o impacto sobre as despesas discricionárias seria a soma dos dois valores.

Quanto foi bloqueado no primeiro relatório de março?

Foram bloqueados R$ 2, 9 bilhões. Não houve necessidade de contingenciamento porque os dados oficiais indicaram um déficit de R$ 9,3 bilhões no ano, o equivalente a -0,1% do PIB. Embora pior do que o superávit de R$ 9,1 bilhões aprovado no Orçamento, o resultado estava dentro do intervalo de tolerância da meta defendida pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).

Adriana Fernandes/Folhapress / Foto: Ricardo Stuckert / PR/Divulgação

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