Mais de um milhão de novas infecções pelo HIV ocorrem todos os anos no mundo.
No fim da década de 1980, uma marchinha popularizada pelo apresentador e animador Chacrinha alentava: “Bota a camisinha, bota meu amor (…) Não quero ver ninguém sem camisinha para não se machucar no Carnaval”. A música enfatizava a importância do uso de preservativos em relações sexuais entre foliões durante a maior festa popular do Brasil, para se proteger contra a Aids que, naquela época, matava a maioria das pessoas que contraíam o HIV.
De lá para cá muitas coisas mudaram, o tratamento antirretroviral atingiu um grau de eficácia que permitiu aos soropositivos levar uma vida próxima do normal e, ainda, naqueles com carga viral indetectável no sangue, determinou a impossibilidade de transmissão do vírus por qualquer forma de exposição. Os dois fatos mudaram a história da pandemia que já matou mais de 50 milhões de pessoas no mundo.
Na última década, também surgiram outras formas de prevenção do HIV através do uso de medicamentos por via oral e injetável. São efetivos. Os orais disponíveis pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e o injetável (mensal), em fase de implementação. A substância injetável preventiva que será ministrada a cada seis meses se encontra em estudos clínicos, até agora, com ótimos resultados.
Devem ser administradas no tempo certo e mediante prescrição médica. É um grande avanço, mas não resolve todos os problemas quando se discute infecções transmitidas por sexo.
Um estudo divulgado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) mostrou que os casos de sífilis entre adultos de 15-49 anos aumentaram 30% nas Américas entre os anos de 2020 e 2022. Além disso, há aumento impressionante de outras ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis) como gonorreia, clamídia, herpes, HPV (Papilomavírus Humano), hepatites virais, Mpox, muitas vezes, evoluindo para formas clínicas mais graves, e já com resistência a múltiplos antimicrobianos.
O uso de Doxiciclina associado à PrEP ou PEP tem se provado útil na prevenção de infecções bacterianas transmitidas por sexo. Mas o seu uso mais frequente e prolongado pode culminar em resistência dessas e outras bactérias causadoras de diversas moléstias, em especial, as osteoarticulares.
Como se sabe, a incidência de HIV tem diminuído consideravelmente desde o auge da epidemia, mas ainda morrem globalmente milhões de crianças e adultos.
E aí voltamos à música do Chacrinha. A importância do uso da camisinha, não só no carnaval, mas em qualquer situação.
Em uma meta-análise de 12 estudos de heterossexuais HIV parceiros sorodiscordantes, o uso de camisinha foi classificado em três categorias: sempre, algumas vezes e nenhuma. A infecção pelo HIV foi muito mais frequente no grupo que nunca usou camisinha quando comparado com os que sempre usaram (6,7 versus 0,9 infecções por 100 pessoas/ano). A análise subsequente do estudo sugeriu que camisinha é de 90% – 95% efetiva quando usada consistentemente.
As possibilidades de exposição ao HIV se amplificaram com a disseminação de comportamentos e práticas sexuais estimuladas pela proliferação de festas liberais em casas de swings, saunas, baladas, cruzeiros temáticos, aplicativos de relacionamentos, os trisais e adeptos do poliamor. Buscar o prazer sexual é algo intrínseco do ser humano, não é novo, não tem o certo ou o errado, mas é injustificável pôr em risco a si ou aos parceiros. Ainda mais preocupante é associação com o uso exagerado de bebidas alcoólicas e drogas ilícitas, cada vez mais potentes.
Em estudos clínicos e observacionais aproximadamente 30% a 50% dos homens que receberam PrEP foram diagnosticados com infecções bacterianas sexualmente transmissíveis.
É preocupante a onda atual de jovens e até pessoas mais velhas que vêm desprezando a utilização da camisinha e confiando somente em formas alternativas de não contrair doenças. Não é um problema menos importante a gravidez não planejada.
Do mesmo modo, infelizmente, as políticas públicas voltadas para a prevenção, o aconselhamento — especialmente para grupos vulneráveis — e a testagem sorológica regular para diversas ISTs no país foram descontinuadas ou relegadas ao segundo plano.
Neste mês de dezembro, em que celebramos o Dia Mundial de Combate à AIDS, reconheçamos os avanços terapêuticos e profiláticos, mas não esqueçamos a marcante marchinha do grande e imortal Chacrinha: “Bota a camisinha, meu amor!”.
Fonte: CNN Brasil / © Getty imagens