O Grupo Vocal Luiz de Queiroz, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba, lança na internet “Mozart no Céu”

Em 1940, o poeta Manuel Bandeira (1886-1968) ouviu à vitrola uma composição de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) que o fez pensar sobre a morte do compositor austríaco. Sob essa inspiração, ele escreveu o poema Mozart no Céu, que foi publicado na coletânea Lira dos Cinquent’anos, ao lado de outros poemas, sonetos e canções. Em 2021, o compositor teuto-brasileiro Ernst Mahle – que chegou no Brasil em 1951 e se radicou em Piracicaba (SP) – transformou o poema em uma música para coro e piano, dedicando-o à maestrina Cíntia Pinotti, que foi sua aluna desde criança e hoje rege o Grupo Vocal Luiz de Queiroz, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), a centenária unidade da USP localizada em Piracicaba. Neste mês, o grupo fez a primeira gravação da composição, que está disponível na plataforma YouTube.
Ouça no link abaixo a música Mozart no Céu, de Ernst Mahle, com letra do poeta Manuel Bandeira, na interpretação do Grupo Vocal Luiz de Queiroz, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP.
https://youtube.com/watch?v=r_Vih2xE11A%3F
Hoje, com 96 anos, Ernst Mahle compôs a canção aos 93 anos, durante a pandemia de covid-19, período em que chegou a escrever até três músicas por dia. “Não só Mozart é um dos meus compositores favoritos, mas o título de Mozart no Céu levou-me a imaginar como seria uma composição que me levasse a pensar como Bandeira sentiu-se ao escrever esse poema”, relembra Mahle ao Jornal da USP. “Desejei que minha música pudesse dar um caráter celestial, de anjos cantando, acompanhados por um muito bom pianista.”
Nascido em Stuttgart, na Alemanha, em 1929, Mahle emigrou com a família para o Brasil como consequência da destruição causada pela Segunda Guerra Mundial. Antes de chegar ao País, ele foi com a família para uma ocupação francesa na Áustria. “Os franceses, muito gentilmente, organizavam concertos de música com os alunos do Conservatório de Paris para nós. Ali, pela primeira vez na vida, eu vi o que era música.” No Brasil, ele fundou, ao lado da esposa, Maria Aparecida, a Cidinha, a hoje chamada Escola de Música de Piracicaba Maestro Ernst Mahle (Empem), instituição que transformou o cenário musical da cidade, hoje vinculada à Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep).
Mozart no Céu
No dia 5 de Dezembro de 1791 Wolfgang Amadeus Mozart
entrou no céu, como um artista de circo, fazendo
piruetas extraordinárias sobre um mirabolante cavalo branco.Os anjinhos atônitos diziam: Que foi? Que não foi?
Melodias jamais ouvidas voavam nas linhas suplementares
superiores da pauta.
Um momento se suspendeu a contemplação inefável.
A Virgem beijou-o na testa.
E desde então Wolfgang Amadeus Mozart foi o mais moço dos anjos.Manuel Bandeira

Foi nessa escola que a maestrina Cíntia Pinotti começou seus estudos musicais ainda na primeira infância. Ao longo de 17 anos, ela foi aluna de Mahle em clarineta, composição, solfejo, arranjo e contraponto. “As aulas eram momentos de intensa produção, intercalados com reflexões filosóficas dele”, conta Pinotti. Numa das reflexões, Pinotti lembra que afirmou preferir as composições de Beethoven às de Mozart, ao que o professor afirmou: “Os jovens preferem o cinema à igreja. Com a idade, talvez você mude”.
Pinotti foi homenageada com a canção Mozart no Céu quase uma década após lecionar na mesma escola, entre 1975 até 2012. Atualmente, ela é regente titular e diretora artística do Serviço de Cultura e Extensão Universitária da Esalq. Ela destaca a influência de Mahle ao longo de toda a sua carreira: “A idade chegou, mas continuo gostando do Beethoven dramático, alegre e espontâneo. No entanto, já aprendi a apreciar melhor o grande Mozart, como Mahle havia previsto”.
Mahle escreveu Mozart no Céu para que Pinotti estudasse a obra com seus coralistas, com o mesmo objetivo pedagógico que atravessa suas mais de 500 composições. Ele une os versos simples característicos de Bandeira a um piano vibrante, que evoca passagens da obra de Mozart. Desde que chegou ao Brasil, Mahle adotou a ideia de usar o folclore e as parlendas brasileiras como base do ensino da musicalização. Assim, desenvolveu peças que mesclam o erudito e o popular, como ele explicou à TV USP em 2016. A entrevista está disponível na plataforma Youtube (assista neste link).

A obra de Mahle foi objeto de pesquisa de Pinotti em 2002, quando ela obteve o título de Mestre em Musicologia pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP com a dissertação Salmo 150 de Ernst Mahle: Questões Composicionais e Interpretativas. Nesse trabalho, Pinotti abordou os instrumentos musicais como ferramentas de adoração a Deus, o que inspirou diferentes compositores, em especial Mahle. Os versículos 3 a 6 do salmo musicado por Mahle afirmam: “Louvai-o com o som de trombeta; louvai-o com o saltério e a harpa. Louvai-o com o tamborim e a dança, louvai-o com instrumentos de cordas e com órgãos. Louvai-o com os címbalos sonoros; louvai-o com címbalos altissonantes. Tudo quanto tem fôlego louve ao Senhor. Louvai ao Senhor”. A apresentação da dissertação, em 2002, aconteceu em Piracicaba, com a presença de Mahle, além de orquestra e coro ao vivo.
Naturalizado brasileiro em 1962, Ernst Mahle é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Música Contemporânea e membro da Academia Brasileira de Música. Entre as honrarias recebidas está o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Atualmente, Cidinha e Mahle permanecem em atividade, organizando mensalmente os Concertos ao Cair da Tarde, na cidade de Piracicaba.
Ouça neste link a música Mozart no Céu, de Ernst Mahle, na interpretação do Grupo Vocal Luiz de Queiroz.
Fonte: Jornal da USP / O compositor teuto-brasileiro Ernst Mahle – Foto: Acervo Coralusp