Com a finalidade de aprofundar a investigação quanto à suposta violação dos deveres no exercício da magistratura, a Corregedoria-Geral de Justiça (CGJ) do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) decidiu reabrir sindicância contra o juiz André Marcelo Strogenski, titular da 1ª Vara Criminal, Júri e Execuções Penais de Porto Seguro.
O magistrado é acusado de compor o que foi conhecido como “Liga da Justiça”, um suposto esquema corrupção na Costa do Descobrimento baiano envolvendo juízes, advogados, promotor, empresários e membros do Poder Executivo municipal. Entre os crimes atribuídos ao grupo estão corrupção, lavagem de dinheiro, grilagem de terra, fraude processual e agiotagem. Após os fatos constatados pela CGJ, Strogenski foi afastado cautelarmente do cargo em junho deste ano.
Para a reabertura da sindicância em questão, o corregedor-geral de Justiça, desembargador Roberto Maynard Frank, argumenta ser “imprescindível” a retomada para conhecer com mais profundidade as circunstâncias que ocasionaram, por exemplo, a paralisação de uma ação penal contra o ex-prefeito de Porto Seguro, José Ubaldino Alves Pinto Júnior, e Carlos Roberto de Martins por 14 anos. O político virou réu diante da suspeita de fraude em licitação na prefeitura e desvio de verba pública.
Explicando um pouco mais, a sindicância havia sido arquivada pelo ex-corregedor-geral do TJ-BA, desembargador José Edivaldo Rocha Rotondano, em agosto de 2023 e só foi informada à Corregedoria Nacional de Justiça em procedimento distinto no mês de outubro do mesmo ano.
“A questão relatada nestes autos não poderia ser analisada de maneira simplista e unicamente com base em dados processuais da unidade judicial”, frisa o desembargador Roberto Maynard Frank em sua decisão.
A ação penal permaneceu sem julgamento desde 2008 até junho de 2022, quando foi extinta, sem julgamento do mérito, por reconhecimento da prescrição. O juiz André Marcelo Strogenski tomou posse como titular da unidade, que era a única vara criminal da comarca de Porto Seguro, em 2011.
Ao menos três processos contra Ubaldino Júnior, conforme a CGJ, foram arquivados pelo juiz titular da 1ª Vara Criminal em virtude do reconhecimento da prescrição da pena. As ações envolvem crimes contra a honra, calúnia e injúria, com penas máximas de dois e cinco anos.
Em outro processo que aponta para a suposta prática dos crimes contra o patrimônio e estelionato, atribuídas a Carlos Roberto de Martins, foi constatada relação entre o juiz e a parte com suposto beneficiamento indevido na ação.
Soma-se a isso, as novas acusações atribuídas ao juiz este ano, no âmbito da “Liga da Justiça”. Apurações nas quais, segundo o corregedor, “sobrevieram fatos suficientemente hábeis a indicar graves indícios de parcialidade do Magistrado André Marcelo Strogenski” na ação penal de Ubaldino Júnior, ocasionando, supostamente, morosidade injustificada e o reconhecimento da prescrição da pena.
LIGA DA JUSTIÇA
No suposto esquema de corrupção que veio à tona este ano, André Marcelo Strogenski é acusado, entre outros crimes, de agiotagem, junto como os juízes Fernando Machado Paropat Souza, da 1ª Vara dos Feitos Relativos às Relações de Consumo, Cíveis, Comerciais, Consumidor e Registro Público; e Rogério Barbosa de Sousa e Silva, da Vara da Infância e Juventude e Execução de Medidas Sócio-Educativas. Conforme revelado pelo em áudios obtidos pelo Fantástico, da TV Globo, eles negociavam empréstimos com regras próprias.
Os dados obtidos pelas correições da Corregedoria-Geral de Justiça apontam que a 1ª Vara Criminal, Júri e Execuções Penais da comarca de Porto Seguro não possui controle e registro efetivo dos bens apreendidos ou de processos da unidade.
O relatório da CGJ segue apontando que especialmente quanto à nomeação provisória de depositários fiéis, verificou-se que André Marcelo Strongenski cedia, “sem qualquer controle”, veículos aos próprios servidores da unidade, estagiário, motorista/segurança particular, terceiros, instituições policiais e ONGs.
Também foi apurada uma possível tramitação indevida de processos na Vara, “a despeito de possível incompetência absoluta”; inobservância de oitiva prévia do Ministério Público para decisões ou demora na sua intimação, inclusive que outorgam benefícios processuais; autorização para cremação de corpo, sem oitiva da autoridade policial investigativa ou do Ministério Público, no caso de morte violenta (que deveria tramitar na Vara de Registro Público); desbloqueio e liberação de valores em processo judicial, com ordem de bloqueio de outro Juízo comunicada nos autos; utilização do Sistema SISBAJUD de outra unidade judicial, com aparente indicação de parte e número de processo inexistentes; e nomeação de parte como fiel depositário de veículo, sem motivação suficiente.
HISTÓRICO DE UBALDINO
Ubaldino Júnior foi deputado federal e em dezembro de 1996 renunciou ao mandato na Câmara dos Deputados para assumir pela primeira vez a prefeitura de Porto Seguro, em 1997. Foi reeleito em 2000 e permaneceu como prefeito até 2004. O seu histórico com a Justiça e acusações de condutas ilícitas é extenso.
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Em 2003, o Ministério Público Federal (MPF) pediu o afastamento do então prefeito, a indisponibilidade liminar de seus bens, a quebra de seu sigilo bancário e o bloqueio de toda e qualquer quantia encontrada em conta bancária que tivesse Ubaldino como titular ou que ele mantivesse em conjunto com outras pessoas. O MPF justificou os pedidos sinalizando para os “graves indícios de desvios de vultosas somas de recursos públicos” — um total de R$ 48,5 milhões, como verificado pela Controladoria Geral da União (CGU).
No ano de 2008, o Tribunal de Contas da União (TCU) condenou o ex-prefeito de Porto Seguro a devolver aos cofres públicos o valor equivalente a R$ 417.807,89. O motivo foi a não prestação de contas de recursos federais recebidos por meio de convênio com Ministério Educação (MEC), através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a construção de uma escola de ensino fundamental no município.
No ano seguinte, 2009, o político foi condenado pela Justiça Federal a dois anos de prisão no regime aberto por apropriação indébita de recursos recolhidos da contribuição previdenciária de funcionários municipais que deveriam ser repassados ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Neste mesmo ano ele foi condenado pelo TCU por irregularidades na aplicação de recursos para a Unidade de Urgência e Emergência Médica do distrito de Arraial d’Ajuda em sua gestão como prefeito.
Seis anos depois, em 2014, José Ubaldino Alves Pinto Júnior foi condenado pelo Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-BA) a devolver R$ 2.362.005,20 ao erário municipal, com recursos pessoais, por serviços pagos e não realizados. Ele também foi multado em R$ 40.263,00 por irregularidades em transações de sua gestão com empresas pertencentes a ele e a parentes seus, as quais saiam vencedoras das licitações da prefeitura de Porto Seguro.
Até que em 2013, o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA) declarou a inelegibilidade de Ubaldino Júnior pelo período de oito anos, por abuso de meios de comunicação e de poder econômico. As investigações constataram que o político violou as regras de concessão do serviço de radiodifusão sonora ao ter utilizado a Rádio Porto Brasil FM para beneficiar seu irmão mais novo, Lúcio Caires Pinto, candidato do PMDB derrotado à prefeitura de Porto Seguro em 2012.
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