Sábado, 27/01/2024 – 11h40
Por Catia Seabra, Julia Chaib e Ranier Bragon | Folhapress
Uma reunião interna da cúpula da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) convocada pelo atual diretor-geral, Luiz Fernando Corrêa, na quinta-feira (25), dia da operação que mirava a agência, entrou na mira da Polícia Federal. A PF convocou três servidores para depor buscando informações sobre o teor do encontro.
A operação na quinta-feira trouxe a público mais uma linha de investigação da polícia, além das que já existiam na primeira fase da apuração, a de que a direção atual da Abin estaria atrapalhando as investigações.
Embora isso tenha surgido nos relatos do delegado responsável pelo caso para o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que autorizou a ação, não havia na decisão do ministro nenhuma diligência a ser cumprida sobre o tema.
Após investigadores tomarem ciência da reunião, a PF decidiu intimar servidores para depor nesta sexta-feira (26). Um dos objetivos, de acordo com pessoas familiarizadas com o inquérito, é apurar se a cúpula da Abin sob Lula tentou interferir nas investigações.
Na quinta-feira, a reunião começou por volta das 11h, quando Moraes ainda não havia retirado o sigilo da decisão em que autorizou a operação nas dependências da Abin.
Até então, não era de conhecimento público que a atual cúpula da Abin também era citada pela PF no pedido que motivou a operação que investiga a suposta espionagem ilegal da agência.
De acordo com a PF, há indício de “conluio” entre a atual gestão e servidores que atuaram no governo passado e são investigados, o que a agência nega. Os agentes federais chegaram ao prédio da Abin por volta das 6h e saíram de lá à noite.
Funcionários da agência negaram qualquer tipo de tentativa de interferência e dizem que a reunião foi convocada para gestão de crise, o que, dizem, é normal em situações em que o órgão tem a sua imagem atingida por algo de vulto.
Investigadores da Polícia Federal relataram no pedido a Moraes haver indícios de que a cúpula da Abin tentou obstruir antes as investigações.
Eles dizem ainda que os diretores da agência barraram o acesso a documentos e por isso foi necessário realizar medidas de busca e apreensão na sede da agência mais de uma vez. Além disso, apontam que a cúpula do órgão chegou a passar informações erradas à PF, dificultando a apuração.
Já servidores da Abin negam esses relatos e dizem que nenhum pedido da PF relativo a essa investigação ficou sem resposta.
A operação desta quinta-feira mirou o ex-diretor da agência Alexandre Ramagem, que comandou o órgão na gestão de Jair Bolsonaro e hoje é deputado federal, e outros policiais que trabalham no órgão.
Para a PF, houve “conluio de parte dos investigados com a atual alta gestão da Abin”, que teria causado prejuízos à investigação e também à própria agência.
O órgão cita o número dois da agência, Alessandro Moretti, e diz que, em reunião com investigados, ele afirmou que a apuração sobre o caso tinha “fundo político e iria passar”. Moretti é delegado da PF.
Para pessoas envolvidas no caso, houve falta de vontade por parte da cúpula da Abin de elucidar a investigação.
A Abin também nega esses pontos. Integrantes da agência ressaltam que no dia da citada reunião de Moretti, no final de março, os servidores não estavam sendo investigados ainda. E que o “fundo político” citado se referia à rixa de bastidor entre a cúpula das duas corporações, Abin e PF, não a investigações.
A primeira vez que a PF realizou operação nas dependências da Abin ocorreu em outubro, também autorizada por Moraes, para apurar uso irregular de seu sistema de geolocalização.
Já a tomada de depoimentos desta sexta-feira acontece quando o comando da agência corre risco de exoneração. Aliados do presidente Lula apostam na saída de Moretti e têm dúvidas sobre a permanência do diretor-geral.
A operação da PF na quinta-feira ocorre numa investigação sobre o suposto uso político da Abin contra adversários políticos do ex-presidente Bolsonaro.
O principal alvo da operação é Ramagem, pré-candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro. A PF chegou a pedir a suspensão do mandato do parlamentar, mas a medida não teve a concordância da PGR e foi negada por Moraes.
As suspeitas que vieram à tona na operação causaram reação política em Brasília, com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, falando em “um dos maiores escândalos da história” e a “ponta de um novelo que envolveu dezenas de milhares de pessoas”.
Por outro lado, o caso deve causar ainda mais tensão na relação de parte do Congresso com o Supremo, já que foi a segunda operação em pouco mais de uma semana com buscas dentro da sede do Legislativo.
Bolsonaristas tentam articular medidas para rever os poderes do STF na volta do recesso, em fevereiro, e dizem que há perseguição política.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) escreveu em rede social: “Mais um capítulo da ditadura do Judiciário. Cabe ao Senado brecar esta perseguição e preservar as liberdades”.
A PF mira o uso pela Abin do software espião FirstMile, de fabricação israelense, e apura se a agência produziu relatórios sobre ministros do STF e opositores de Bolsonaro. Em outra frente, a investigação encontrou indícios de que a Abin atuou para fornecer informações sobre investigações em andamento para Jair Renan e Flávio Bolsonaro, filhos do ex-presidente.
O deputado Ramagem negou qualquer utilização ou relação com softwares de espionagem da Abin. “Nenhum plano de operação, em três anos de Abin, assinado por mim, colocava a utilização do FirstMile [como um pedido]”, disse o deputado, em entrevista à GloboNews nesta quinta-feira.
A operação, batizada de Vigilância Aproximada, investiga uma “organização criminosa que se instalou na Abin com o intuito de monitorar ilegalmente autoridades públicas e outras pessoas, utilizando-se de ferramentas de geolocalização de dispositivos móveis sem a devida autorização judicial”.
O programa espião investigado pela PF tem capacidade de obter informações de georreferenciamento de celulares. Segundo pessoas com conhecimento da ferramenta, não permite acesso a conteúdos de ligação ou de trocas de mensagem.
De acordo com a PF, a “Abin Paralela” criada na gestão Ramagem tentou atrelar Moraes e o também ministro do STF Gilmar Mendes à facção criminosa PCC. Para a corporação, as informações sobre a tentativa de ligar os ministros ao PCC foram encontradas em documentos apreendidos na Abin.