Baseada em pesquisa de doutorado, produção do Jornal da USP aborda as relações históricas entre os ancestrais de reinos africanos com a atividade de sineiros no Brasil, a capoeira e sua presença nas torres das igrejas
Tabita Said – Sexta, 22 de dezembro de 2023
“Noite Feliz”, “Bate o Sino”, “Dobre de Finados”. Entre toques sagrados e repiques profanos, os sinos das igrejas, assim como de outros espaços públicos do Brasil, operaram como a voz das cidades, anunciando chegadas, partidas, incidentes e celebrações. Com a mudança da paisagem sonora e o surgimento da comunicação eletrônica, os campanários foram perdendo a centralidade que tinham no passado. Mesmo as igrejas passaram a receber sistemas eletrônicos e automatizados, que substituíram a figura dos sineiros.
Vindos da África Centro-Ocidental e compreendendo diferentes povos da faixa atlântica do continente, esses africanos de chegada forçada ao Brasil trouxeram consigo um conhecimento antigo de uso e manipulação de sinos. Mais do que isso: em um complexo sistema de línguas tonais, seus ouvidos estavam treinados para escutar e mandar mensagens por meio de instrumentos como os agogôs – sinos de campana dupla sem badalo.
“Nenhuma cultura musical ocidental alcançou esse grau de complexidade linguística. Essas pessoas literalmente ouviam, seja um tambor, um instrumento de corda, de sopro. E, neste caso aqui, os sinos falam”, explica Rafael Galante, etnomusicólogo e doutor em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Sua tese de doutorado, intitulada Essa gunga veio de lá!” – Sinos e sineiros na África Centro-Ocidental e no Brasil centro-africano recebeu o 1º lugar do Prêmio Sílvio Romero de Monografias de Folclore e Cultura Popular 2023, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O trabalho também serviu como base para a produção de um documentário do Jornal da USP, que resgatou as relações dos sinos entre europeus, africanos, brasileiros e sua influência para a formação da cultura musical do Brasil.
O documentário contou com a colaboração do Instituto Machadense de Artes e Ciências, do Departamento de Música da Universidade Federal de São João del-Rei, do produtor musical Rabay, da artista Maria Anália e do fotodocumentarista Thiago Morandi.
Fonte: Jornal USP