Dentistas ampliam uso de cannabis

Ciências saúde

Desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a cannabis medicinal no País, médicos e cirurgiões-dentistas receberam as mesmas permissões de prescrição e uso.

POR ESTADAO CONTEUDO – Segunda, 5 de dezembro de 2022

A cannabis medicinal passou a ser notada no Brasil também pelos dentistas, que começam a se organizar em grupos de estudos sobre casos clínicos e pesquisas científicas para melhor embasar seus métodos e aplicações em clínicas espalhadas pelo País. Vale ressaltar, porém, que poucos profissionais da área já prescrevem tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol (CDB) e apenas uma pequena porcentagem dos mais de 180 mil pacientes de cannabis medicinal no Brasil é derivado da odontologia.

Desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a cannabis medicinal no País, médicos e cirurgiões-dentistas receberam as mesmas permissões de prescrição e uso. Porém, por haver muito mais pesquisas a respeito da efetividade da planta na Medicina do que na Odontologia, a primeira acabou por se desenvolver muito mais depressa. Estima-se que 2.100 dos 502 mil médicos em atividade hoje no Brasil prescrevam a substância. Não há dado oficial, mas uma porcentagem bem menor dos cerca de 550 mil dentistas a prescreve.

Neste ano, a Anvisa incluiu o campo “CRO”, referente ao Conselho Regional de Odontologia, nos formulários de pedidos de importação pela RDC 660. Até o ano passado, os dentistas tinham de usar seus números de registro no campo “CRM (Conselho Regional de Medicina)”, o que dificultava o processo de importação. Conselhos Regionais de Odontologia, como os de São Paulo, Rio, Alagoas e Distrito Federal, criaram grupos de trabalho para criar mais debate sobre o tema. Organizações de profissionais, como a Sbocan (Sociedade Brasileira de Odontologia Canabinoide), também existem com o propósito de fomentar a troca de ideias.

Pioneira

A presidente da Sbocan, Endy Lacet, é reconhecida como a primeira dentista no Brasil a utilizar a terapia canabinoide na Odontologia, em 2015. Ela foi uma das fundadoras da Abrace, uma das mais consolidadas associações de pacientes de cannabis medicinal do País. Endy ainda estava na faculdade quando atendeu uma criança autista, que saía correndo pelo hospital sem deixar que a equipe tirasse o raio X de sua boca. Ela apresentou a proposta de entrar com a terapia canabinoide. O garoto, medicado com azeite de maconha, permitiu que lhe fossem feitas três restaurações na sessão seguinte. “A mãe chorou. Nunca tinha visto um remédio que acalmasse o filho a tal ponto de ele não sentir medo.”

Silvana Vasconcellos sofre de esclerose múltipla há 16 anos e é paciente de Endy por causa de uma neuralgia do nervo trigêmeo, que, há cinco anos, a faz padecer de uma dor facial intensa. “Comecei a usar a cannabis no início do ano e notei grande melhora. Diminuiu minha medicação para a neuralgia de 900 mg para 300 mg por dia”, comemora.

Segundo Endy, dá para usar a cannabis como coadjuvante ou adjuvante, sem excluir, necessariamente, outros medicamentos.

Conselho

“É importante que o profissional tenha a formação de base, que conheça os endocanabinoides produzidos pelo nosso corpo e os fitocanabinoides encontrados na cannabis antes de prescrever”, orienta João Paulo Tanganeli, presidente do grupo de trabalho de canabinoides na odontologia do CRO-SP.

A maior entidade de classe do setor, o Conselho Federal de Odontologia (CFO), apoia a utilização da cannabis, mas reforça a necessidade de qualidade da formação recebida por quem administra. “Se o profissional conhecer o medicamento, souber como trabalhar com ele, não há problema de usá-lo. Isso vale para todos os medicamentos, não apenas para a cannabis”, diz Evaristo Volpato, diretor do conselho da entidade desde 2018.

Uso vai de restauração a alívio pós-operatório

Como na Medicina, a cannabis vem demonstrando versatilidade em seus possíveis usos na Odontologia, podendo ser empregada antes, durante ou após o tratamento. Ela pode ser utilizada em procedimentos como restaurações, na modulação de sedação e como analgésico pós-operatório ou para osteoindução – a formação de um novo osso pela influência de agentes indutores.

O THC é responsável por tratar casos de dor, enquanto o CDB é mais indicado para inflamações. Considerados igualmente importantes pelos dentistas, os dois canabinoides e a centena de outros que os acompanham nas versões full spectrum da planta têm apresentado bons resultados para bruxismo, dores dentárias ou neuropáticas, enxertos, DTM (disfunção da articulação temporomandibular), inflamações, cicatrizações, periodontite e controle bacteriano.

Embora a terapia canabinoide aplicada à Odontologia não seja novidade no mundo, ela ainda não se popularizou. EUA e Canadá são os países que se destacam nessa área, desde o atendimento clínico até a criação de produtos para a higiene bucal, como pastas de dente e enxaguante à base da planta.

Efeitos colaterais

Guilherme Martins, vice-presidente da Sbocan e dono do canal Odontologia Canabinoide no YouTube, já conseguiu cerca de mil autorizações na Anvisa para prescrições. Segundo ele, os possíveis efeitos colaterais são pequenos, facilmente reconhecíveis e dimensionados na terapêutica.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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