Você conhece o tipo: é aquele ser intelectualizado que, em festas regadas a vinho barato e conversas pretensiosas, afirma já ter terminado “Ulisses” duas vezes (“a primeira foi só pra sentir o ritmo, sabe?”). Enquanto você disfarça o olhar constrangido, ele cita Pynchon com a naturalidade de quem pede uma pizza quatro queijos. A verdade, porém, é que existe um pacto silencioso entre leitores do mundo inteiro: há livros tão cultuados e difíceis que ninguém se atreve a admitir que não leu, mas também não suporta a ideia de encará-los frente a frente.

Afinal, quem nunca fingiu saber exatamente o que acontece em “Finnegans Wake”? Quem nunca comentou casualmente, numa roda de amigos, sobre a importância existencial de “O Homem sem Qualidades” enquanto rezava silenciosamente para ninguém perguntar detalhes? Pois chegou a hora de abrir o jogo e assumir, com a dignidade possível, a absoluta mentira literária em que muitos de nós vivemos mergulhados.
Para testar seu nível de honestidade literária, reunimos abaixo 41 livros com reputação intocável, quase intangível, que funcionam como um filtro social e cultural. Livros que todos dizem amar profundamente, mesmo sem terem superado a página 23. Prepare-se: agora é hora de rir da própria desgraça cultural ou finalmente aceitar o desafio e transformar a pose intelectual em verdade incontestável.
1 — Ulisses (1922), James Joyce:
Um dia comum na vida de Leopold Bloom que se transforma numa odisseia experimental pela mente humana.
2 — Finnegans Wake (1939), James Joyce:
Um sonho caótico, linguístico e surreal do qual quase ninguém desperta compreendendo alguma coisa.
3 — Em Busca do Tempo Perdido (1913), Marcel Proust:
O sabor de uma madeleine desperta memórias profundas sobre a vida, o amor e o tempo perdido.
4 — Graça Infinita (1996), David Foster Wallace:
Um filme tão divertido e perigoso que quem assiste perde a vontade de viver, numa América viciada em tudo.
5 — O Arco-Íris da Gravidade (1973), Thomas Pynchon:
V-2s caem, conspirações surgem e o absurdo reina na Europa devastada pela guerra.
6 — 2666 (2004), Roberto Bolaño:
Uma cidade mexicana marcada por feminicídios é o centro de uma narrativa sobre violência e obsessão literária.
7 — O Jogo da Amarelinha (1963), Julio Cortázar:
Um livro que pode ser lido em múltiplas ordens, como um jogo que mistura Paris, jazz e existencialismo.
8 — O Homem sem Qualidades (1930), Robert Musil:
Um homem brilhante e apático busca sentido na decadente Viena pré-Primeira Guerra.
9 — O Som e a Fúria (1929), William Faulkner:
Uma família decadente do Sul americano narrada por múltiplas vozes caóticas.
10 — O Mestre e Margarida (1967), Mikhail Bulgákov:
O Diabo chega a Moscou acompanhado de um gato falante, causando caos literário e existencial.
11 — A Montanha Mágica (1924), Thomas Mann:
Um jovem visita um sanatório suíço e fica sete anos, num limbo entre vida e doença.
12 — Mrs. Dalloway (1925), Virginia Woolf:
Um dia na vida de Clarissa Dalloway, revelando segredos, desejos e a fragilidade da felicidade.
13 — Orlando (1928), Virginia Woolf:
Um jovem nobre inglês que acorda mulher, vivendo por séculos numa história sobre gênero e identidade.
14 — Os Detetives Selvagens (1998), Roberto Bolaño:
Poetas marginais vagam pelo México e Europa buscando uma escritora desaparecida.
15 — O Pêndulo de Foucault (1988), Umberto Eco:
Uma brincadeira intelectual que cria uma teoria da conspiração que sai perigosamente do controle.
16 — A Consciência de Zeno (1923), Italo Svevo:
As hilárias e neuróticas confissões de um homem tentando largar o cigarro e entender a própria vida.
17 — A Náusea (1938), Jean-Paul Sartre:
Um homem se vê tomado pela angústia existencial ao perceber o absurdo de sua existência cotidiana.
18 — Ada ou Ardor (1969), Vladimir Nabokov:
Romance proibido entre dois primos em uma realidade paralela, num quebra-cabeças de paixão e ironia.
19 — A Vida: Modo de Usar (1978), Georges Perec:
Histórias dos moradores de um prédio parisiense, revelando a riqueza escondida da vida comum.
20 — O Leopardo (1958), Giuseppe Tomasi di Lampedusa:
Um príncipe siciliano vê seu mundo aristocrático desaparecer lentamente com as mudanças sociais.
21 — O Lobo da Estepe (1927), Hermann Hesse:
Harry Haller luta contra sua natureza selvagem numa crise existencial devastadora.
22 — V. (1963), Thomas Pynchon:
Uma busca alucinada por uma misteriosa entidade feminina ao redor do mundo.
23 — Submundo (1997), Don DeLillo:
Uma bola de beisebol histórica conecta vidas e histórias numa reflexão sobre América, lixo e memória.
24 — Ruído Branco (1985), Don DeLillo:
Uma família paranoica lida com um acidente tóxico enquanto confronta o medo moderno da morte.
25 — As Benevolentes (2006), Jonathan Littell:
Memórias ficcionais e perturbadoras de um oficial nazista em meio aos horrores da Segunda Guerra.
26 — Uivo (1956), Allen Ginsberg:
Um grito poético de rebeldia contra a sociedade conformista americana dos anos 50.
27 — Cosmópolis (2003), Don DeLillo:
Um milionário cruza Nova York numa limusine enquanto vê seu império ruir.
28 — A Piada (1967), Milan Kundera:
Uma brincadeira juvenil provoca uma vida inteira de consequências trágicas.
29 — Ficções (1944), Jorge Luis Borges:
Labirintos, espionagem e destinos múltiplos em contos sobre tempo e realidade.
30 — O Castelo (1926), Franz Kafka:
Um agrimensor tenta inutilmente entrar num castelo, numa metáfora surreal da burocracia.
31 — Molloy (1951), Samuel Beckett:
Um homem perdido procura sentido numa viagem absurda e fragmentada.
32 — Esperando Godot (1952), Samuel Beckett:
Dois homens esperam eternamente alguém que nunca chega.
33 — Auto-de-Fé (1935), Elias Canetti:
Um erudito obcecado por livros vê sua vida e biblioteca serem consumidas pela loucura.
34 — O Tambor (1959), Günter Grass:
Um menino decide parar de crescer durante a Segunda Guerra, usando seu tambor como protesto.
35 — O Deserto dos Tártaros (1940), Dino Buzzati:
Um soldado aguarda eternamente uma invasão que talvez nunca aconteça.
36 — Debaixo do Vulcão (1947), Malcolm Lowry:
Últimas horas de um cônsul alcoólatra no México, entre memórias, tequila e colapso.
37 — Almoço Nu (1959), William S. Burroughs:
Uma viagem alucinante e grotesca pelo submundo das drogas e da paranoia.
38 — Crash (1973), J.G. Ballard:
Personagens obcecados por acidentes de carro exploram a ligação entre violência e erotismo.
39 — Solaris (1961), Stanislaw Lem:
Um planeta alienígena recria memórias traumáticas de astronautas, num encontro filosófico e perturbador.
40 — O Homem Invisível (1952), Ralph Ellison:
Um homem negro tenta entender sua invisibilidade social numa América profundamente racista.
41 — O Teatro de Sabbath (1995), Philip Roth:
Um decadente manipulador de fantoches relembra uma vida inteira de perversões, desejos e falhas.

Carlos Willian Leite
Jornalista especializado em jornalismo cultural e enojornalismo, com foco na análise técnica de vinhos e na cobertura do mercado editorial e audiovisual, especialmente plataformas de streaming. É sócio da Eureka Comunicação, agência de gestão de crises e planejamento estratégico em redes sociais, e fundador da Bula Livros, dedicada à publicação de obras literárias contemporâneas e clássicas.
Fonte: Bula Conteúdo / Foto: Divulgação