Rubens Cesar Lopes Figueira comenta decisão do Japão de despejar mais de 1 milhão de toneladas de água contaminada no Oceano Pacífico em 2023
Por Alessandra Ueno – Terça, 07/03/23
O Japão planeja despejar mais de 1 milhão de toneladas de água contaminada no Oceano Pacífico em 2023. Essas águas são remanescentes do resfriamento dos reatores da Usina Nuclear de Fukushima, que foram danificados em 2011 por conta do terremoto de magnitude nove na escala Richter seguido de um tsunami.
“A radiação tem esse processo e está aí, emitindo radiação, contaminando o ambiente. Ela está presente em todo o ambiente, no solo, na água, na planta, na cadeia trófica. Ela acaba participando como um elemento natural“, diz o professor Rubens Cesar Lopes Figueira, do Instituto Oceanográfico (IO) da USP. Por isso, é importante a discussão sobre os perigos desse descarte pretendido pelo Japão.
Contaminação radioativa
Para compreender o tamanho da discussão é preciso saber o que é a contaminação radioativa. Ela ocorre independentemente e depende do processo de meia-vida do elemento químico: “Os elementos radioativos quimicamente têm o mesmo comportamento dos elementos estáveis, o que eles diferem é que emitem algum tipo de radiação, ou seja, têm então os processos nucleares. Esses que estão envolvidos no núcleo atômico, da emissão atômica, que faz com que esses elementos, ditos radioativos, tenham um processo de decaimento para um elemento estável e esse processo de decaimento pode demorar segundos, décadas, milhares ou milhões de anos. Tem a questão da contaminação radioativa por elementos de meia-vida longa”, explica o professor.
Para explicar a meia-vida, um exemplo é o do Césio-137, isótopo (mesmo número de prótons que o césio normal) altamente radioativo conhecido pelo desastre radioativo de Goiânia, em 1987. Ele possui uma meia-vida de cerca de 33 anos, ou seja, se eu tiver um grama de Césio-137 hoje, daqui a 33 anos eu terei meio grama, e assim sucessivamente. Porém, no decorrer desse tempo, até a concentração da radioatividade decair, a contaminação continuará ocorrendo.
“Nós somos constituintes de uma tabela periódica no nosso corpo e os elementos radioativos vão estar competindo da mesma forma, mas, como eles emitem radiação, vão estar aí tendo uma problemática, porque, ao emitir radiação, eles vão ter efeitos no nosso sistema celular. Um exemplo é o Estrôncio-90, que é semelhante ao Cálcio, ele entra no sistema ósseo. Então, tem o que a gente chama também de uma meia-vida biológica grande, porque ele fica internamente participando dentro dos nossos processos biológicos“, pontua Figueira sobre as consequências da radiação. Por essa razão, vemos muitos sobreviventes de desastres nucleares morrendo depois de alguns anos, vítimas, principalmente, de câncer.
Impacto
A possível contaminação radioativa das águas do oceano por conta da decisão japonesa depende de diversos fatores, explica o especialista: “Isso é um dilema, mas a indústria nuclear também é uma indústria química e libera rejeitos controlados como qualquer indústria química. Se for uma liberação controlada, é passível de ser realizada. Mas é claro que é questionável: você está jogando um elemento radioativo na água. Eu li que eles teriam mais o Trítio (isótopo do Hidrogênio), mas acho que os elementos mais danosos como Estrôncio, Césio e até mesmo Plutônio sejam retirados com o sistema de troca iônica, filtração, não sei como eles utilizam a parte química, mas acho que eles têm feito um trabalho de melhoria da qualidade da água que vai ser liberada no ambiente marinho. Mas é complicado pensar em um sistema de tratamento, infelizmente, que não seja danoso”.
Os impactados com isso, além dos próprios cidadãos, serão os países vizinhos, que compartilham do mesmo oceano próximo: “Tem um problema quando você vai lançar água no Pacífico, é óbvio vai atingir outros países, atingir a pesca, vai ter um problema ambiental. Talvez pensar numa forma de um repositório que não fosse desse jeito, deixar mais tempo, ir trocando essa água, porque tem uma atividade muito alta no reator. Eu preciso fazer essa troca, então ela tem que ser feita com uma liberação controlada”, coloca Figueira. O professor ainda acrescenta que, quando se pensa no oceano, o tratamento dado a ele é de grande solvente, usam ele para diluir tudo. Porém, mesmo que a concentração radioativa seja espalhada e, assim, fique num nível aceitável, há um impacto imediato na área.
É importante analisar os níveis propostos pelo Japão e levar em conta toda a questão ambiental e socioeconômica envolvida nessa decisão. Cerca de 1,27 milhão de toneladas de água radioativa devem ser liberadas com o argumento de que elas foram tratadas e estarão seguras. Países como a Coreia do Sul e a China demonstraram descontentamento e o Fórum das Ilhas do Pacífico tem uma “grave preocupação” com o descarte.
Fonte: Jornal USP