Por Roberto DeLucia, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, e Cleopatra S. Planeta, professora da Unesp/Araraquara
Segunda, 10 de junho de 2024
Otermo fitocanabinoides refere-se ao delta-9-tetraidrocanibinol (∆9-THC) e outros (ex.: canabidiol e canabicromeno) que foram detectados em preparações de cânabis (maconha) confiscadas. Os principais produtos obtidos da cânabis que contêm ∆9-THC são haxixe (2 a 3,5%), cânabis líquida (11 a 21%), sinsemilla (3,5 a 4,5 %) e skunk (supermaconha, 10 a 15%).
Outros tipos de canabinoides são os produzidos endogeneamente (endocanabinoides) e os sintetizados em laboratórios (canabinoides sintéticos), com as designações de venda de Spice/K2 e Herbal incenso. Os canabinoides sintéticos (CS) são drogas de abuso emergentes, derivadas de indois que constituem classes químicas distintas dos fitocanabinoides. Os CS não são facilmente identificados com os métodos analíticos tradicionais para detecção de substâncias de abuso emergentes. Os esforços para o desenvolvimento de métodos cromatográficos são caros e de baixo rendimento, devido às dificuldades pela introdução de novas substâncias psicoativas.
As formas de apresentação dos CS estão associadas a produtos à base de plantas e adicionados ao material vegetal por imersão, pulverização ou na forma de pó cristalino, sendo impregnadas em papel e/ou selos do tipo LSD, spray e borrifadores líquidos. Embora as embalagens de CS sejam rotuladas “para não consumo humano”, elas geralmente são de cor verde para serem declaradas erroneamente como produtos fitoterápicos da cânabis ou popularmente de “maconha sintética”. Mais recentemente, os cigarros eletrônicos de venda proibida pela Anvisa podem conter CS na forma líquida.
No Brasil, dados sobre a oferta, demanda e desafios de canabinoides sintéticos provêm do Informe do Subsistema de Alerta Rápido sobre Drogas (SAR). Em julho de 2023, mostraram que a quantidade de drogas K em quilogramas apreendidas em 2021 foi de 5,7 kg; em 2022, 11,7 kg; e em 2023, até abril, 15 kg. Dados mais recentes são preocupantes pela tendência de aumento de casos de intoxicação letal em presídios.
As ações de canabinoides sintéticos (Spice/K2) em receptor canabinoide tipo 1 mostram alta eficácia, enquanto os fitocanabinoides são de baixa eficácia (∆9-THC), podendo resultar em efeitos adversos e tóxicos bem distintos entre as substâncias em relação a intensidade e duração de efeitos.
Os principais efeitos adversos neuropsiquiátricos de CS são agitação, ansiedade, paranoia, psicose, ideação suicida, alucinações, amnésia, tonturas, sonolência, convulsões, hipertonicidade, hiperreflexia e alteração das sensações. A prevalencia desses sintomas foi maior em CS de terceira geração e sua utilização pode ser prejudicial em individuos epilépticos e esquizofrênicos pela precipatação de sintomas.
Os efeitos adversos cardiovasculares são taquicardia supraventricular, fibrilação ventricular e morte cardíaca súbita. Podem ocorrer alterações hematológicas como trombocitopenia imune, hemorragia intracraniana e coagulopatia. Nos rins, foram observados casos de lesão renal aguda e necrose tubular aguda.
O uso recreativo de canabinoides sintéticos é popular em adolescentes que buscam ingenuamente sensações euforizantes da cânabis. Contudo, no uso repetido de canabinoides sintéticos foi evidenciado o desenvolvimento de tolerância e dependência. Como também da síndrome de abstinência, pelos sintomas de diarreia, tremor, sudorese, dor de cabeça, taquicardia prolongada e relativamente grave fissura, irritabilidade e alterações de humor.
Em síntese, os efeitos adversos e tóxicos dos CS são significativamente mais frequentes e graves do que aqueles associados ao uso de cânabis e o risco é 30 vezes maior de procurar tratamento médico de emergência com o uso abusivo de canabinoides sintéticos. Portanto, os CS são substâncias menos seguras e não podem ser usados como substitutos de fitocanabinoides (maconha).
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Fonte: Jornal USP / Foto: Jonral USP