A bola tá tão murcha que até as piadas, o glorioso ministério dos memes foi afetado e perdeu a graça. Rebaixaram o famoso “rir para não chorar” ao mero chorar as pitangas
Por James Martins no dia 21 de Janeiro de 2021 ⋅ 15:24
Sou do tempo em que a pergunta fundamental a respeito de uma vacina era: “É de injeção ou de gotinha?”. E, se a resposta fosse a primeira, vinha o infalível complemento: “No braço ou na bunda?”. Pois hoje em dia tomar ou não tomar vacina é uma discussão partidária. Aliás, até remédio de direita ou de esquerda já pintou no novo normal da consciência política brasileira. Talvez a culpa seja da decadência das novelas, que não mobilizam tanto o papo furado nos balcões, mesas de bar e sessões de manicure. Resultado, o pessoal trocou Odete Roitman e o Cadeirudo por Lula e Bolsonaro e deu no que deu. Saudades também de quando rede social servia mesmo era pra postar foto de comida e pet. Agora, até isso virou atestado de posicionamento ideológico. Um pratão de churrasco é de direita; uma feijoada vegana, de esquerda. Mas, se o churrasco for na periferia, por homens e mulheres negrxs dançando pagode, aí o (dizem) “campo progressista” entende como genuína manifestação cultural. Enfim, chatices. E ai de quem tentar escapar do esquema. Ou do sistema.
Meu amigo Dicinho, por exemplo, artista plástico, macrobiótico, fudião e praticante de ioga, pretendia propor uma ampliação do debate sobre a obrigatoriedade da vacina. Mas a verdade é que nem tentou, pois, petista que é, seria convertido em bolsonarista numa sentada. E é por essas e outras que eu proponho justamente o contrário — em vez de vacina (que de fato é e tem que ser o assunto do momento) voltemos a falar na dupla Ba-Vi. Até porque, aqui, nem tem muito o que discutir. A pergunta ecoa como numa sala vazia: “Vai tomar no braço ou vai tomar na bunda?”. E tome-lhe enfiada. Torcedor já tá até vacinado. Enquanto escrevo esse artigo, ambos habitam suas respectivas zonas de rebaixamento: Bahia da série A para a série B, Vitória da B para a C. Um elevador só de descida. Com o jornal publicado, é possível que o status de um ou outro (ou dos dois) tenha mudado levemente. O essencial, porém, não mudou. Haja sofrimento. O novo normal não chegou por aqui. Ou melhor, o novo normal do futebol baiano é igualzinho ao da humanidade: aquilo mermo, não muda nada.
O Bahia tem uma gestão elogiada, até mesmo exemplar em alguns pontos, tanto assim que o presidente Guilherme Bellintani se reelegeu com ampla margem. Mas a torcida reclama que o campo não reflete a operação. E a verdade é que esse ano a coisa tá pior que no passado recente, quando o time teve chances reais na Copa Sul-Americana, por exemplo. Já o Vitória apostou num salvador da pátria, Paulo Carneiro, talvez o mais importante dirigente da história do clube, mas que parece ter deixado os bons momentos no passado, donde, ademais, parece, ele mesmo, não ter saído — e nem querer e/ou não saber como sair. A bola tá tão murcha que até as piadas, o glorioso ministério dos memes foi afetado e perdeu a graça. Rebaixaram o famoso “rir para não chorar” ao mero chorar as pitangas. Sem torcida nos estádios, nem sequer um protesto decente rola. Bom, tomara que a vacina seja no braço, pois na bunda a gente já tá tomando faz tempo.
Fonte: Metro 1