Pesquisadores apontam que eficácia e efeitos colaterais não são bons parâmetros de comparação entre os imunizantes; neste momento da pandemia, o mais racional é vacinar o maior número de pessoas
14/06/2021
Por Fabiana Mariz e Guilherme Gama
À espera de uma possível terceira onda, o Brasil vacina em ritmo lento. A indisponibilidade de insumos para fabricação dos imunizantes e a falta de estratégias em nível governamental para garantir o comparecimento dos cidadãos aos postos de saúde se refletem em números. Até o dia 10 de junho, quando finalizamos esta reportagem, cerca de 480 mil pessoas haviam perdido a vida para a covid-19, e os casos confirmados passavam de 17 milhões, segundo dados do Ministério da Saúde. Por outro lado, 51.846.929 de pessoas haviam recebido a primeira dose — o equivalente a 24,48% da população brasileira, e menos da metade (23.418.325) garantiram a segunda.
Nas últimas semanas, a aplicação do imunizante foi feita em menor velocidade, segundo painel do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP. Mesmo com essa demora na fila, ainda há pessoas que deixam de se vacinar por terem preferência entre as três vacinas disponibilizadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde.
Entretanto, pesquisadores apontam que comparar as taxas de eficácia de cada imunizante não faz sentido, devido aos contextos particulares de obtenção desses dados. O mais racional, portanto, é apoiar-se nos resultados coletivos de uma vacinação em massa, que são positivos no caso dos três imunizantes aplicados. Efeitos colaterais também não devem ser levados em conta — salvo contra indicações, pois reações graves são raríssimas e variáveis em cada indivíduo.
“Nós temos que tomar a vacina que está disponível”, garante Kalil. “A eficácia só é importante em nível individual quando uma imunização é feita de forma preventiva ou com poucos vírus circulando.”
A “queridinha” da vez é a vacina produzida pela Pfizer/BioNTech e as razões vão desde os efeitos colaterais mais comuns reportados por quem tomou a vacina de Oxford/Astrazeneca até o receio quanto à efetividade da Coronavac em reduzir número de casos e hospitalizações. Porém, de acordo com Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (Incor) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), na qual atua como e professor de Imunologia Clínica e Alergia, o cenário atual de vacinação no País não permite que a população eleja um imunizante de preferência: “Nós temos que tomar a vacina que está disponível”, garante Kalil. “A eficácia só é importante em nível individual quando uma imunização é feita de forma preventiva ou com poucos vírus circulando.”
Letícia Kawano, médica pneumologista, pesquisadora do Instituto de Pesquisa do Hospital do Coração (HCor) e membro do grupo de desenvolvimento de diretrizes em tratamentos para covid-19 da Organização Mundial da Saúde (OMS), alerta que o mais importante, neste momento, é alcançar a imunidade coletiva, ou “de rebanho”. Essa forma de imunização acontece quando atinge-se uma porção de imunizados suficiente, numa população, para proteger os demais, de forma indireta, ao barrar a transmissão viral. “É isso que de fato vai controlar a doença, não a vacinação individual”, garante. “Se as pessoas ficam adiando sua vacinação porque querem receber essa ou aquela vacina, isso posterga a proteção de toda a população.”
Letícia usa como exemplo o projeto S, realizado pelo Instituto Butantan em Serrana, cidade que integra a região metropolitana de Ribeirão Preto. Lançado em fevereiro deste ano, teve como objetivo aplicar a Coronavac nos moradores e, posteriormente, analisar o impacto da imunização na redução de casos de covid-19 e no controle da pandemia. Os resultados, divulgados em 31 de maio, mostraram que 27.160 pessoas tomaram as duas doses, ou seja, 95% da população. Houve uma redução de 95% dos óbitos, de 86% das hospitalizações e de 80% dos casos sintomáticos da doença.
Outro dado mostrou que, quando 75% da população estava imunizada, a proteção era estendida aos não vacinados. “Isso mostra que, mesmo quando se utiliza uma vacina que é boa (ou suficiente) em larga escala, se controla a doença”, pontua a Letícia.
Em nível internacional, o pesquisador Jorge Kalil exemplifica a importância da vacinação em massa com países que aplicam imunizantes também usados no Brasil. Em Israel, as medidas de restrição para contenção da transmissão viral foram retiradas após o sucesso do programa de vacinação que contou, em sua maior parte, com a vacina da Pfizer. No país, mais da metade da população está completamente imunizada e os casos graves da doença quase eliminados. Já na Escócia, que contou também com as doses da Astrazeneca, o cenário é semelhante. “ Mesmo sem 100% de eficácia, as vacinas aplicadas no Brasil fornecem grande proteção, principalmente quando usadas em grande porção da população”, completa.
Imunizantes aprovados para uso no Brasil
As três vacinas disponíveis para os brasileiros são a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac; a AstraZeneca/Oxford, fabricada em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); e a Pfizer/BioNTech, que já possui o registro definitivo para uso no Brasil, concedido pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Todas elas foram testadas no País e se mostraram efetivas em reduzir hospitalizações, óbitos e internações e a eficácia ficou entre 50,38 a 95%.
Apesar dessa variação, todos os especialistas ouvidos pelo Jornal da USP garantem que é preciso cuidado ao comparar os estudos clínicos. “A Coronavac, por exemplo, foi aplicada no Brasil em 12.508 profissionais de saúde e a eficácia geral foi de 50,38%, número já esperado para vacinas de vírus inativo, que apresenta taxas inferiores às técnicas mais modernas — como de RNA mensageiro”, afirma Leonardo Costa, especialista em práticas baseadas em evidências científicas e comunicador em saúde.
“O mais importante é que todo mundo vá se vacinar o mais rápido possível para conseguirmos controlar a pandemia. E que mais vacinas sejam disponibilizadas em larga escala”, ressalta Letícia Kawano
Costa continua: “A equiparação só pode ser feita utilizando os mesmos critérios de público e de condições, diferente do cenário no qual as vacinas são comumente comparadas ”, alerta. O estudo clínico da Coronavac, por exemplo, contou com quase sete vezes mais participantes do que o estudo da Pfizer, ambos feitos no Brasil, além de ter abrangido profissionais da saúde, que estão mais expostos ao vírus. Vale destacar que pesquisas em diferentes contextos observam diferentes resultados para o mesmo imunizante.
A Indonésia rastreou 128.290 profissionais de saúde na capital Jacarta, após a aplicação da Coronavac, realizada entre janeiro e março deste ano. Os resultados apontaram para uma proteção de 98% das mortes e 96% de hospitalização sete dias após a segunda dose. Além disso, 94% dos trabalhadores foram protegidos contra infecções sintomáticas.
Recentemente, a OMS aprovou a vacina produzida pelo Instituto Butantan para uso emergencial. “Havia muitas dúvidas sobre eficácia, mas a aprovação traz mais legitimidade para a vacina”, afirma Letícia. “O mais importante é que todo mundo vá se vacinar o mais rápido possível para conseguirmos controlar a pandemia. E que mais vacinas sejam disponibilizadas em larga escala”, ressalta.
Efeitos colaterais e contraindicações da vacinação
Os efeitos colaterais, que geralmente são notados até as primeiras 48 horas após a aplicação, são obstáculos para quem ainda tem dúvidas quanto à segurança da vacinação. Sintomas leves e moderados como inchaço no local da aplicação, fadiga, febre baixa e dores musculares e de cabeça são comumente relatados por quem se vacina contra a covid-19, mas, segundo a OMS, além de esperados, fazem parte do processo de imunização inerente a qualquer vacina.
No Calendário de Vacinação instituído pelo Ministério da Saúde, as vacinas começam a ser aplicadas logo após o nascimento. Muitas delas causam diferentes efeitos adversos. A pentavalente protege contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e Haemophilus influenzae tipo b, é usada há anos no PNI para prevenção das respectivas doenças. A “penta”, como também é chamada, é conhecida por causar sintomas leves e moderados. “É um fármaco aplicado no segundo mês de vida e deixa a criança bem incomodada”, afirma Katia Valverde, pediatra, alergista e membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Apesar de variáveis entre os indivíduos, os efeitos adversos são esperados. “O que estamos observando com a vacinação contra a covid não tem nada de diferente com o que acontece com os imunizantes do nosso PNI”, completa.
“Das 20 milhões de pessoas que tomaram a vacina da AstraZeneca no Reino Unido e na União Europeia em 16 de março, 25 apresentaram coágulos nos vasos sanguíneos e nos que drenam o sangue do cérebro, mas se você contrair covid-19, a sua chance de morrer é de 1 em 100”, explica Leonardo Costa. “Se alguma vez na vida você fumou ou tomou pílula anticoncepcional, você já ‘brincou’ com esse risco.”
Mesmo assim, a Astrazeneca ficou estigmatizada por causar sintomas mais fortes, algo próximo à sensação de ressaca, no dia após a primeira dose, o que faz com que muitas pessoas aguardem a chegada de outro imunizante na Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima. Além disso, estudos europeus relataram que a vacina causou coágulos sanguíneos em algumas pessoas com contagens baixas de plaquetas. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) continua indicando a vacina, argumentando que os benefícios gerais superam os riscos. “Das 20 milhões de pessoas que tomaram a vacina da AstraZeneca no Reino Unido e na União Europeia em 16 de março, 25 apresentaram coágulos nos vasos sanguíneos e nos que drenam o sangue do cérebro, mas se você contrair covid-19, a sua chance de morrer é de 1 em 100”, explica Leonardo Costa. “Se alguma vez na vida você fumou ou tomou pílula anticoncepcional, você já ‘brincou’ com esse risco”.
Letícia defende que não se deve escolher entre as vacinas, muito menos utilizar efeitos adversos como critério. “A atenção deve ser em casos de contra indicações”, afirma. Assim como alguns estudos e casos relacionam a aplicação da Astrazeneca com o raríssimo desenvolvimento ou agravamento do quadro de trombose em mulheres jovens, a vacina Pfizer também foi ligada em casos pontuais de aumento do risco de reações anafiláticas por pessoas com histórico de alergia a medicamentos, picada de inseto e a alimentos. A especialista ressalta que qualquer dúvida deve ser sanada com seu médico. “Em um país onde falta vacina, esse não pode ser impedimento para se prevenir contra a covid-19, que está matando em grandes proporções. As pessoas devem se vacinar, porque, quando colocamos na balança, o benefício é gigantesco”, afirma. Informações do site Jornal USP.