- Por Ken Nosaka*
Os membros lesionados precisam de descanso — e são frequentemente mantidos em uma tipoia ou gesso para imobilizá-los e promover a recuperação.
No entanto, várias semanas depois, isso pode significar músculos menores e mais fracos. Leva muito tempo para reabilitar esses músculos, e a força e a função muscular podem não ser totalmente restauradas para algumas pessoas.
Os especialistas estão aprendendo cada vez mais sobre o “efeito de educação cruzada”, pelo qual treinar um lado do corpo resulta em um aumento da força do lado oposto do corpo. Nosso estudo recente mostra que isso também pode impedir a perda de massa muscular no braço “não utilizado”.
Então, como podemos aproveitar esse efeito?
Descobertos pela primeira vez há cem anos, os mecanismos que sustentam o efeito da educação cruzada ainda não foram totalmente esclarecidos, mas estão provavelmente associados a adaptações neurais no córtex motor do cérebro que controla o movimento do corpo.
Pesquisadores revisaram quase cem estudos e mostraram que a taxa média de transferência entre o ganho de força no músculo treinado para o músculo não treinado variou de 48% a 77%. Portanto, se a força do seu braço treinado subir 20% após treinar o mesmo músculo do seu braço não treinado, a força do braço não treinado poderá aumentar em 10%, mesmo que você não tenha feito nada com ele.
Tais mudanças podem ser devido ao aumento da excitabilidade cortical (a atividade cerebral para controlar o movimento), redução da inibição cortical (o sinal para interromper os movimentos), redução da inibição inter-hemisférica (os sinais que direcionam as instruções de movimento para um lado do corpo, mas não para o outro), mudanças na ativação voluntária ou ativação de novas regiões cerebrais.
Parece que o tipo de contração muscular no treinamento afeta a extensão do efeito de educação cruzada.
Existem três tipos de contrações musculares:
– Isométrico (estático), em que a força produzida por um músculo é igual à carga para o músculo, como segurar um haltere;
– Concêntrico (encurtamento), em que a força é maior que a carga, como levantar um haltere;
– Excêntrico (alongamento), em que a força é menor que a carga, como abaixar um haltere.
Os músculos podem produzir maior força durante contrações excêntricas do que isométricas ou concêntricas. E menos fadiga é induzida durante a excêntrica do que outras contrações.
Exercícios de resistência — quando os músculos trabalham contra um peso ou força – aumentam a força e a resistência muscular usando esses tipos de contrações musculares.
Vários estudos relatam que o exercício que consiste em contrações musculares apenas excêntricas (digamos, abaixar um haltere, mas não levantá-lo) produz maior efeito de educação cruzada do que o exercício que consiste em apenas contrações concêntricas (levantar apenas) ou concêntricas-excêntricas (levantar e abaixar).
Um estudo mostrou que o treinamento de exercícios excêntricos afetou as respostas cérebro-espinhais e os sinais de parada (inibição) do membro não treinado em maior extensão do que o treinamento concêntrico.
Em 2021, comparamos o treinamento de exercícios de resistência excêntrico e concêntrico para efeito de educação cruzada, no qual 18 jovens (20 a 23 anos) realizaram treinamento progressivo de resistência dos flexores do cotovelo com um braço duas vezes por semana durante cinco semanas, usando um haltere.
Ambos os grupos de treinamento excêntrico (alongamento) e concêntrico (encurtamento) aumentaram a força muscular de forma semelhante após o treinamento (de 23 a 26%) para o braço treinado. Mas o braço não treinado apresentou maior aumento de força após o treinamento excêntrico (23%) do que o concêntrico (12%).
A taxa de transferência transversal (a correspondência entre o ganho de força em ambos os lados) foi muito maior (91%) para o treinamento excêntrico quando os participantes abaixaram um haltere apenas em comparação com o treinamento concêntrico (49%), quando o levantaram.
Isso está conforme o resultado de nosso estudo anterior, que mostrou maiores ganhos de força e efeito de educação cruzada do treinamento excêntrico.
Publicado em fevereiro, nosso estudo mais recente envolveu 12 homens jovens e mostrou como treinar um braço pode prevenir o enfraquecimento do outro.
Nenhum treinamento fez com que a força muscular e o tamanho do braço inativo diminuísse até 17%. O treinamento concêntrico reduziu a perda para 4%. Mas o treinamento excêntrico aumentou a força do braço imobilizado em 4% e aboliu completamente a atrofia (perda de massa muscular).
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Esses achados apoiam a recomendação de treinamento de resistência usando movimentos excêntricos ou de alongamento do membro não imobilizado para prevenir a perda de força muscular e atrofia em lesões reais, como entorses e rupturas de ligamentos ou fraturas ósseas e após a cirurgia.
Esse tipo de treinamento não tem sido amplamente utilizado na reabilitação até agora. Mais investigações sobre os mecanismos em jogo são necessárias, mas nossas descobertas podem gerar mudanças em como a reabilitação é implementada.
Se você se machucou e/ou foi operado e tem um braço ou perna imobilizado, vale a pena discutir com seu médico, cirurgião ou fisioterapeuta se exercitar o membro correspondente do lado bom — especialmente com movimentos de alongamento contra resistência ou com peso — pode valer a pena.
*Professor de Exercício e Ciência Esportiva na Edith Cowan University (Austrália)
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).
Fonte: BBC Brasil