Em estudo, selênio reduz danos cardíacos causados por doença de Chagas

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Substância, que atua como um antioxidante, foi capaz de reduzir os danos cardíacos relacionados à fase crônica da enfermidade

Um estudo conduzido por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revelou benefícios para a função cardíaca de pacientes com a Doença de Chagas a partir do uso de um suplemento à base de selênio.

A substância, que atua como um antioxidante, foi capaz de reduzir os danos cardíacos relacionados à fase crônica da enfermidade em pacientes de um estudo clínico.

Os resultados do ensaio foram publicados na revista científica EClinicalMedicine. O estudo contou com a participação de pacientes com a doença de Chagas crônica com problemas do coração de grau leve a moderado, que são classificados como estágio B.

A pesquisa confirmou a segurança do uso do selênio, sem registro de reações adversas. No subgrupo de pacientes com cardiopatia moderada, classificada como estágio B2, as análises apontaram melhorias com a redução da gravidade dos problemas cardíacos.

Uma das causas da cardiopatia, neste estágio da doença, é o dano oxidativo, caracterizado pela ação do oxigênio no organismo que afeta células do corpo a partir da geração de radicais livres. O suplemento à base de selênio atua justamente na prevenção do dano oxidativo que acelera o desgaste do coração.

Os autores da pesquisa avaliam o resultado como positivo e indicam que estudos complementares serão realizados.

“Geramos a primeira evidência, obtida em ensaio clínico randomizado, sobre o benefício do selênio para pacientes em estágio B2 da cardiopatia crônica na doença de Chagas. Foi um resultado estatisticamente significativo, porém em uma amostra pequena”, afirma a coordenadora do projeto Tania Cremonini de Araujo-Jorge, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).

Segundo ela, novos estudos serão conduzidos para confirmar os achados a partir da avaliação por um período mais longo dos pacientes em diferentes estágios da doença.

“Este foi o primeiro ensaio clínico randomizado que testou o uso do selênio para prevenir a piora da função contrátil do coração na cardiopatia chagásica. O ensaio mostrou que existe um subgrupo de pacientes em que o tratamento foi benéfico, o que nos animou muito e gerou perguntas para novas pesquisas”, acrescenta o cardiologista Marcelo Holanda, pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz).

Como foram realizados os ensaios

Para avaliar os efeitos da suplementação de selênio, os pesquisadores da Fiocruz recrutaram 66 pacientes atendidos no ambulatório de doença de Chagas da Fiocruz.

Os voluntários foram divididos em dois grupos, enquanto metade recebeu suplementação diária com cápsulas de selênio, a outra parte recebeu o chamado placebo, uma substância sem qualquer tipo de efeito para o organismo. Os paciente foram acompanhados durante um ano, a partir de consultas clínicas, exames laboratoriais e do coração.

pesquisa seguiu um protocolo chamado tecnicamente de duplo cego randomizado, o que significa que os voluntários foram distribuídos nos grupos de forma aleatória e, durante todo o acompanhamento, tanto os pacientes como os avaliadores não tinham conhecimento de quem estava recebendo selênio e quem estava tomando placebo.

Esse tipo de análise faz com que os dois grupos tenham pacientes com perfis semelhantes em relação a fatores que podem influenciar no resultado do estudo. Além disso, evita a predisposição a reconhecer sinais de melhora em quem usou a medicação ou piora em quem não usou.

No final do ensaio, os pesquisadores compararam a evolução clínica dos pacientes. O resultado mais relevante foi observado entre aqueles que apresentavam inicialmente a perda moderada da força de contração do coração (cardiopatia de estágio B2).

Após um ano de acompanhamento, os voluntários que receberam a suplementação de selênio mantiveram ou melhoraram a função cardíaca. Por outro lado, o grupo que não tomou o medicamento manteve a mesma condição ou apresentou pioras clínicas.

Entre os pacientes que apresentavam alteração leve da função cardíaca no começo do estudo (cardiopatia de estágio B1), não foi observada diferença estatisticamente significativa entre o grupo tratado e o placebo após um ano.

No entanto, dados indicam que pode haver benefício do tratamento para esses pacientes, e que seria indicado o acompanhamento por maior tempo para responder a essa questão. Em média, a progressão da doença foi um pouco menos acentuada entre os voluntários tratados com selênio.

“Em função dos resultados do ensaio clínico, podemos sinalizar que a reposição de selênio poderia ser um tratamento coadjuvante para retardar a progressão da doença. Agora, é necessário aumentar o tempo de seguimento de um para cinco anos e verificar se esta tendência positiva a progredir menos se mantém”, disse o pesquisador da Fiocruz Alejandro Hasslocher.

Os próximos passos da pesquisa incluem a expansão no número de pacientes acompanhados e do tempo de seguimento, a investigação do aumento na dose de selênio e a combinação com outro suplemento, chamado de coenzima Q10, que pode potencializar o efeito da terapia.

Sobre a doença de Chagas

Os problemas do coração ocorrem em cerca de 30% dos pacientes com a doença de Chagas crônica, atingindo aproximadamente 400 a 900 mil pessoas apenas no Brasil. Cerca de 4,5 mil brasileiros morrem de doença de Chagas por ano. A maior parte dos óbitos é causada por distúrbios cardíacos, como arritmia, insuficiência cardíaca, tromboembolismo e morte súbita.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre seis e sete milhões de pessoas têm a doença de Chagas crônica no mundo. No Brasil, o Ministério da Saúde aponta que existem de um a quatro milhões de afetados, sendo que muitos casos não são diagnosticados.

Dois fatores contribuem para os problemas cardíacos na doença de Chagas. O parasito causador do agravo, Trypanosoma cruzi, se aloja no coração e ataca o músculo cardíaco. Na tentativa de combater o parasito, o organismo desencadeia uma reação inflamatória que, quando exacerbada, pode agravar ainda mais as lesões no órgão.

A doença evolui de maneira silenciosa e por muitos anos, formando uma espécie de cicatriz no músculo cardíaco, o que prejudica a capacidade de bombear o sangue e de realizar normalmente a atividade elétrica.

Cerca de 30 anos depois da infecção, os pacientes começam a apresentar os sintomas da cardiopatia chagásica, em geral, com alterações no eletrocardiograma, que são o primeiro sinal da forma cardíaca da doença de Chagas.

As opções de tratamento disponíveis atualmente são as mesmas utilizadas por pacientes que apresentam cardiopatia por outras causas, como por exemplo, por infarto. São medicamentos que podem melhorar a função do coração, mas não atacam as causas do problema em si, e não conseguem impedir que a cardiopatia chagásica piore progressivamente.

(Com informações da Agência Fiocruz de Notícias)

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