Bactérias selecionadas pela Embrapa Cerrados, há quatro décadas, evitam gastos anuais de US$43 bilhões em adubação nitrogenada.
Se hoje o Brasil é uma potência agrícola mundial é porque conseguiu estabelecer uma produção sustentável no Cerrado, bioma conhecido pela baixa fertilidade dos solos. Essa conquista deve-se, em grande parte, ao trabalho da Embrapa Cerrados, localizada em Planaltina (DF). Criado em 1975, dois anos após a fundação da Embrapa que completa 50 anos em 2023, o centro de pesquisa foi concebido com o desafio de ajudar a viabilizar a produção agropecuária no Cerrado brasileiro no bojo de uma política governamental que previa um conjunto de ações a serem implementadas na região.
O objetivo de desenvolver sistemas produtivos com viabilidade econômica, social e ambiental para o Cerrado não foi apenas alcançado, como hoje a região é o grande celeiro do Brasil e sua importância no cenário agropecuário aumenta a cada ano. Algumas tecnologias desenvolvidas pela equipe do centro de pesquisa foram decisivas para que os solos ácidos e pobres em nutrientes, típicos do Cerrado, fossem incorporados ao processo agrícola. “Sem correção dos solos, não haveria agricultura nos cerrados, sem a qual não haveria agricultura tropical do jeito que a conhecemos, com o tamanho, a eficiência e importância que hoje tem para o mundo”, ressalta o chefe-geral da Embrapa Cerrados, Sebastião Pedro da Silva Neto.
Uma das tecnologias que ajudaram a transformar o bioma está fazendo 30 anos em 2023 e, apesar do tempo, continua eficiente e atual: o lançamento das estirpes de bactérias fixadoras de nitrogênio (rizóbios) para a inoculação da soja CPAC-7 (SEMIA 5080) e CPAC-15 (SEMIA 5079). “Até hoje essas estirpes permanecem como as mais eficientes”, destaca a pesquisadora da Embrapa Cerrados, Ieda Mendes. Após 18 anos de estudos, em 1993, a empresa lançou essas duas estirpes que ainda hoje compõem os inoculantes comerciais (produtos que contêm microrganismos favoráveis ao crescimento das plantas).
As pesquisas realizadas na época comprovaram que as estirpes CPAC-7 e CPAC-15 eram mais eficientes e competitivas que as lançadas pela própria Embrapa Cerrados em 1980 (29W e SEMIA 587). Como elas foram isoladas e selecionadas em áreas de Cerrado, cultivadas com soja, são adaptadas ao bioma. Mesmo já tendo se passado quatro décadas, o desempenho excepcional dessas bactérias faz com que até hoje as quatro estirpes selecionadas pela Embrapa Cerrados (CPAC 15, CPAC 7, 29W e SEMIA 587) permaneçam como as únicas recomendadas para a cultura da soja no Brasil.
Se forem considerados os 43,5 milhões de hectares plantados com soja no país na safra 2022/2023 (Conab), e os recentes aumentos nos preços do adubo nitrogenado, a economia proporcionada pela fixação biológica de nitrogênio, que permite o cultivo sem a utilização de adubos nitrogenados, é da ordem de US$ 43,5 bilhões por ano. “Além disso, também temos os ganhos ambientais, já que o processo biológico não resulta em poluição ambiental”, ressalta Mendes.
“O lançamento de estirpes de rizóbios para a cultura da soja foi um dos fatores determinantes para a expansão dessa leguminosa no Cerrado”, afirma o pesquisador da Embrapa José Roberto Peres. Do grupo de jovens cientistas do qual Peres fazia parte também atuavam os pesquisadores Milton Vargas e Allert Suhet. “É uma alegria ter feito parte da equipe que trabalhou na seleção dessas estirpes. Essa é uma tecnologia que chegou para resolver um problema e até hoje reduz muito o custo de produção da cultura”, ressalta Vargas. “Na época, não imaginávamos que essas estirpes seriam usadas por tanto tempo. Isso nos dá uma satisfação pessoal por saber que o trabalho da equipe continua contribuindo para a economia de bilhões de dólares anualmente para o Brasil”, destaca Allert.
Tecnologias de destaque
Naturalmente pobres em nutrientes, os solos do Cerrado só se tornaram aptos à prática agrícola graças ao trabalho científico. Foi necessário, especialmente, o desenvolvimento de tecnologias relacionadas à correção da acidez dos solos e daquelas ligadas à adubação. Foram os cientistas da Embrapa Cerrados que definiram as recomendações de aplicação dos macro e micronutrientes necessários para as lavouras.
Os primeiros estudos feitos no campo nos anos 1970 indicaram que se a acidez não fosse corrigida e os fertilizantes não fossem adicionados, a produtividade da soja chegaria a cinco sacas por hectare e a do milho estaria muito próxima de zero. O trabalho de estipular os critérios de correção e adubação mudaram a paisagem do bioma tornando-o o maior campo produtivo do Brasil com mais de 40 milhões de hectares e rendeu ao pesquisador da Embrapa Cerrados Edson Lobato, em 2006, o Prêmio Mundial de Alimentação (The World Food Prize), conquistado conjuntamente com Alysson Paulinelli, ex-ministro da Agricultura.
É importante notar que foi a expansão agrícola no Cerrado que permitiu ao Brasil passar da condição de importador para de exportador de alimentos. Antes desse trabalho de pesquisa o País tinha de importar alimentos. Hoje, somente as safras de soja rendem mais de US$ 70 bilhões ao País.
A equipe da Embrapa Cerrados desenvolveu ainda cultivares e sistemas de produção adaptados ao bioma, com destaque para as de soja, trigo, milho, cana-de-açúcar, café, mandioca, cevada, seringueira, frutíferas, além de gramíneas e leguminosas forrageiras.
Outro aporte tecnológico que moldou a agricultura tropical e que teve a contribuição da Embrapa Cerrados foi o desenvolvimento de sistemas de produção irrigada sob pivô central para superar o déficit hídrico causado pelos “veranicos” típicos da região em fevereiro e março. Sem a irrigação, a safrinha seria incerta, com anos bons e ruins, e não haveria no Cerrado a safra de inverno, como existe na região Sul.
“Sem essa tecnologia, o Brasil simplesmente não teria a sucessão de cultivos tais como soja-milho-algodão, ou de soja-milho-feijão, ou ainda duas safras de grãos e uma de forragem, em uma mesma área, em um mesmo ano, como existe hoje, o que agrega enorme economicidade às fazendas”, afirma Lineu Neiva Rodrigues, pesquisador da Embrapa Cerrados especializado em manejo de recursos hídricos.
A Unidade ecorregional também teve pioneirismo e participação efetiva na elaboração do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), ferramenta de gestão de risco que orienta sobre as épocas de cultivo de espécies agrícolas em que há menor chance de perda de produtividade considerando as condições climáticas e a aptidão de cada região. Essa tecnologia permite a economia de bilhões de dólares anualmente e ainda viabilizou serviços financeiros como o crédito e o seguro rural, que passaram a contar com critérios técnicos de avaliação de risco.
Também coube a equipe de especialistas da Embrapa Cerrados o desenvolvimento das primeiras recomendações técnicas de manejo, conservação e uso dos solos do Cerrado e tecnologias sobre adubos verdes, plantas de cobertura e outras para o sistema de plantio direto. Especialistas da unidade de pesquisa criaram ainda implementos e máquinas agrícolas adequadas para o uso na região, as quais subsidiaram o desenvolvimento das mais modernas tecnologias de mecanização agrícola. Vale destacar que o primeiro processo de patente da Embrapa foi de uma semeadeira para gramíneas e forrageiras desenvolvido por especialistas da Embrapa Cerrados.
Mais recentemente, em julho de 2020, a Unidade lançou a tecnologia BioAS (bioanálise de solo) que passou a revelar aspectos relacionados ao funcionamento biológico do solo. O componente central da tecnologia consiste na análise de duas enzimas (beta-glicosidase e arilsulfatase) que estão relacionadas ao potencial produtivo e à sustentabilidade do uso do solo e funcionam como bioindicadores da saúde do solo. Quantidades elevadas desses bioindicadores indicam sistemas de produção ou práticas de manejo do solo adequadas e sustentáveis. Por outro lado, valores baixos servem de alerta para o agricultor reavaliar o sistema de produção e adotar boas práticas de manejo.
Desafios atuais
Atualmente, a unidade de pesquisa está empenhada na geração de soluções que maximizem a sustentabilidade de sistemas agroprodutivos em condições de Cerrado, bem como na promoção de desenvolvimento sustentável baseado em agroinovação. “Precisamos fortalecer o desenvolvimento de tecnologias para avaliar e validar os ativos ambientais de forma a torná-los monetizáveis”, declara Sebastião Pedro. Para ele, não cabe mais produzir sem atentar para os eixos de sustentabilidade ambiental, social e econômica.
“Hoje, se o agricultor e pecuarista brasileiro for sustentável do ponto de vista ambiental e social ele terá lucro”, enfatiza. Ele ressalta que há tecnologia para produzir no Cerrado duas safras de grãos e uma de forragem (que se transforma em proteína animal). “Dessa forma, o solo fica 100% do tempo coberto, protegido, gerando alimentos e ativos ambientais”, frisa o gestor.
Números da Embrapa Cerrados
As centenas de tecnologias desenvolvidas pela Embrapa Cerrados e parceiros que transformaram o Cerrado e o Brasil envolveram equipes multidisciplinares em diferentes áreas temáticas de pesquisa, gestão, transferência de tecnologia e inovação. Atualmente, a Embrapa Cerrados possui 365 empregados, sendo 98 pesquisadores, 60 analistas, 51 técnicos e 156 assistentes.
A Unidade dispõe de três ambientes promotores de inovação: Centro de Tecnologia para Raças Zebuínas Leiteiras – CTZL (DF, 300 ha), Centro de Desempenho Animal – CDA (Santo Antônio de Goiás, 110 ha) e o Centro de Inovação em Genética Vegetal – CIGV (DF, 450 ha).
A estrutura experimental em Planaltina (DF) abrange de 2.130 ha, incluindo 700 ha de reservas ecológicas permanentes, e possui 25 laboratórios especializados, oito casas de vegetação, 11 núcleos de apoio à pesquisa, viveiro de plantas, 12 bancos ativos de germoplasma,campos experimentais sob distintas condições para pesquisa agrícola, pecuária e sistemas integrados de produção, coleção de insetos com 24.170 espécies e mais de 100 mil exemplares e edificações gerenciais, de armazenagem, alimentação e oficinas.
Fonte: Assessoria Embrapa Cerrados