A remoção de fósforo usando processos biológicos é mais sustentável, e pode ser aprimorada por meio da observação da interação entre bactérias e da análise dos nutrientes nos resíduos
Texto: Júlio Bernardes – Segunda, 14 de agosto de 2023
Arte: Gabriela Varão*
A remoção biológica de fósforo dos esgotos é realizada por espécies de bactérias que incorporam a substância e são removidas junto com o lodo retirado da água tratada nas Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs), reduzindo os danos ao meio ambiente. Estudo feito por uma equipe multidisciplinar com participação de pesquisadores da USP aponta que o processo pode ser aprimorado por meio da observação da interação entre bactérias e da análise dos nutrientes existentes nos resíduos a serem tratados. Isso permite estimar as condições ideais para aumentar a retirada do fósforo. As conclusões foram expostas em artigo na revista científica Resources, Conservation and Recycling.
“O fósforo residual lançado nos corpos hídricos é resultado da decomposição principalmente da matéria orgânica e detergentes presentes no esgoto sanitário, nas formas solúveis como ortofosfato, polifosfatos e fosfato orgânico”, afirma ao Jornal da USP o professor Welington Luiz de Araújo, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), coordenador do estudo. “O aumento do consumo de alimentos gordurosos, conjuntamente com o uso de detergentes ricos em fosfatos, tem aumentado a presença destes compostos nas ETEs e dificultado a sua remoção.”
Segundo o professor, o maior dano do fósforo ao ambiente é devido ao fato de ser um elemento essencial para o crescimento de plantas e algas nos rios e águas superficiais, facilitando um processo denominado eutrofização. “Isso ocorre porque o crescimento desordenado destas plantas aquáticas na superfície da água inibe a entrada da luz solar, impedindo a liberação de oxigênio dissolvido pelas plantas enraizadas na massa líquida, o que pode acarretar danos ao equilíbrio da vida no ecossistema”, aponta. A presença do fósforo também pode levar ao crescimento de cianobactérias produtoras de toxinas que causam mortalidade de peixes ou aumentar o risco de sua presença na água tratada para consumo.”
Welington Luiz de Araújo – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Esquema de funcionamento de Estação de Tratamento de Esgotos (ETE); primeira estratégia usada na remoção do fósforo residual acontece por meio da reprodução de micro-organismos específicos, cujo crescimento é estimulado por reatores anaeróbios, aeróbios e anóxicos, com e sem oxigênio – Imagem: Reprodução/Estudo – Tradução: Jornal da USP
Atualmente, o aumento na remoção de fósforo de águas residuais tem sido feito por meio de tratamento físico-químico nas ETEs, usando pH (nível de acidez) específico e agentes químicos que se ligam formando flocos e precipitam o fósforo. “Contudo, a primeira estratégia usada são as estações de tratamento aprimoradas de remoção de fósforo, por meio da reprodução de microrganismos específicos”, descreve Araújo. “Essas estações combinam reatores anaeróbios, aeróbios e anóxicos, com e sem uso de oxigênio, para aumentar o crescimento das bactérias chamadas de organismos acumuladores de polifosfato (PAO), capazes de metabolizar os sais de fósforo por meio de grânulos intracelulares que são removidos junto ao lodo descartado.”
Bactérias e nutrientes
A pesquisa mostra que as estratégias de remoção biológica de fósforo devem levar em consideração a interação entre as diferentes bactérias presentes no lodo (comunidade microbiana) e as relações de nutrientes presentes no efluente a ser tratado. “Dessa forma, estudando a presença de bactérias por meio de análise molecular, associada às técnicas de monitoramento das ETEs, foi possível estimar condições ideais para aumentar a remoção de fósforo”, relata o professor do ICB. “A pesquisa foi desenvolvida em observações de campo e análises de laboratório, permitindo utilizar técnicas que envolvem sequenciamento de DNA e aplicá-las às condições reais de tratamento de esgoto.” As análises aconteceram em ETEs localizadas nas cidades de Embu das Artes e Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo.
Araújo observa que o uso combinado dessas estratégias, aliado ao conhecimento dos mecanismos de seleção de bactérias em uma comunidade microbiana (sucessão microbiana), podem resultar na redução dos impactos nos corpos de água natural. “Considerando que o método foi desenvolvido em condições reais, ele poderá ser replicado, mas para isso, alguns parâmetros deverão ser considerados, tais como teores de fósforo nos efluentes brutos, tipo de reatores biológicos empregados e capacidade do corpo receptor”, ressalta. “Dessa forma, o automonitoramento da ETE deverá determinar os parâmetros de operação, entre eles idade do lodo, tempos de aeração e anoxia, relação de nutrientes presentes no efluente sanitário bruto, para que a técnica resulte em uma maior eficiência na remoção de fósforo e um impacto ao corpo receptor dentro dos limites legais.”
Gêneros de bactérias mais abundantes nas amostras do reator aeróbico da ETE do Centro de Distribuição de Embu das Artes (Grande São Paulo); as principais comunidades microbianas (PAOs) encontradas durante a pesquisa estão assinaladas em negrito – Imagem: Reprodução/Estudo – Tradução: Jornal da USP
A pesquisa é o resultado de um trabalho interdisciplinar que envolve o conceito, proposto pela Organização das Nações Unidas (ONU), denominado Saúde Única (One Health). “Ele propõe a integração entre saúde humana, animal e ambiental, promovendo um maior equilíbrio entre os seres humanos e o seu ambiente”, diz o professor. “Além disso, dentro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, o ODS 6 visa ‘garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável e do saneamento para todos’.”
“Dessa forma, o objetivo do trabalho foi avaliar a remoção biológica de fósforo e entender os atores físico-químicos e biológicos que podem aumentar a eficiência na remoção desses sais, nas frações dissolvido e particulado, reativa e não reativa em efluentes tratados em ETEs, e mitigar os impactos no corpo receptor”, conclui Araújo. O estudo foi elaborado por Luiz Antonio Papp, da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e Juliana Cardinali-Rezende, da Universidade Federal do ABC (UFABC), sob a coordenação e orientação do professor Wellington Luiz Araújo, com a participação de Wagner Alves de Souza Júdice (UMC) e Marilia Bixilia Sanchez, doutoranda do ICB.
Mais informações: e-mail [email protected], com o professor Wellington Luiz de Araújo
*Estagiária sob orientação de Moisés Dorado
Fonte: Jornal USP