Erika Hilton, uma ativista negra e trans, no lado oposto de Bolsonaro

Brasil

A mulher mais votada nas últimas eleições da cidade de São Paulo é alvo de ameaças e ataques transfóbicos

JOANA OLIVEIRA – São Paulo – 04 ABR 2021

Quando, ainda criança, perguntavam a Erika Hilton (Franco da Rocha, SP, 28 anos) o que queria ser quando crescer, já tinha a resposta pronta: ser presidente do Brasil. Um sonho já por si complicado e que se torna quase impossível para pessoas transgênero, como ela, cuja expectativa de vida no país é de 35 anos —em razão do número de assassinatos dessas pessoas no Brasil. Desafiando as estatísticas, se tornou a primeira vereadora trans e negra em São Paulo nas eleições municipais de novembro de 2020, e a mulher mais votada no Brasil nessas eleições, com 50.508 votos —quantidade enorme em um país onde são eleitores muitos vereadores em cada cidade. “Espero que meu corpo abra caminhos para que outras como eu cheguem a esses lugares de poder”, comemora. Em 24 de março, foi nomeada presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Vereadores de São Paulo, a maior cidade do Brasil. Com informações do El País.

Hilton foi a primeira pessoa de sua família a entrar na faculdade —estudou Pedagogia e Gerontologia, mas não se formou— e atribui seu espírito de liderança a seu signo, sagitário. Como muitos brasileiros, cresceu em um lar sem a figura paterna e foi educada pela mãe, as avós e duas tias, mulheres que hoje lhe servem de espelho. Lembra-se de se sentir uma menina muito amada e protegida, mas mesmo assim foi expulsa de casa na adolescência quando assumiu sua transexualidade. Com apenas 14 anos, começou a se prostituir nas ruas. “Quando me vi naquela situação de desamparo e desumanização, me dei conta de que um corpo como o meu só era visto para ser estuprado, comprado, humilhado. Percebi tudo o que está errado na nossa sociedade”, afirma. O Brasil é o país que mais mata transexuais e travestis no mundo, segundo dados da Human Rights Watch e outras organizações internacionais. No total, 90% desta população tem que se prostituir para sobreviver.

Sua militância começou anos depois, já reconciliada com a mãe e estudando na universidade. Em 2015, enfrentou na justiça uma empresa de transporte público que se recusava a permitir que seu nome social feminino fosse usado no bilhete de ônibus. Ganhou a ação, acrescentou mais de 100.000 assinaturas a uma petição online e, assim, atraiu a atenção do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que a convidou a se juntar às suas listas de candidatos. Pouco depois, Erika criou um curso pré-vestibular na Universidade Federal de São Carlos para pessoas trans. Sua teoria é firme: é preciso ocupar as instituições. “O povo brasileiro não é a minoria branca, rica, cisgênero (que se identificam com o mesmo gênero que lhes foi atribuído ao nascer] e heterossexual.”

A presença de alguém como Erika Hilton na política brasileira é muito simbólica. O Governo de Jair Bolsonaro é abertamente contra os direitos LGBTI e, portanto, reflete uma “onda fascista” que se espalhou por todo o Brasil, segundo Hilton. Os maus momentos que passou na vida explicam por que não hesitou em fazer política em um país nos últimos lugares dos rankings de participação feminina nesse campo e onde parlamentares como Marielle Franco, também integrante do PSOL, são assassinadas impunemente―ainda não foram identificados os responsáveis por sua morte a tiros em março de 2018. No mesmo dia da eleição de Hilton como vereadora começaram os discursos de ódio. Já havia recebido ameaças de morte em 2018, quando fazia campanha pela Bancada Ativista ―uma plataforma para a eleição de ativistas, pela qual Hilton se tornou deputada estadual: alguém pichou num muro a frase “Travesti eleita morta” e por e-mail ameaçaram cortar sua cabeça e estuprá-la com objetos. Agora ela está lutando na justiça para que as redes sociais identifiquem 50 perfis responsáveis por ataques transfóbicos, racistas e misóginos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *