Estilos de cor e de paisagem marcam exposição em homenagem a David Anfam

cultura

Em cartaz no Centro MariAntonia, Cor Encarnada reúne três artistas visuais e um pianista para lembrar o legado do crítico, curador e historiador de arte inglês, que morreu no ano passado

Cores, música, pintura. Essas foram algumas das grandes paixões do crítico, curador e historiador de arte inglês David Anfam, que morreu em agosto do ano passado, aos 69 anos. Agora, três artistas visuais brasileiros que eram próximos de Anfam apresentam a exposição Cor Encarnada: Homenagem a David Anfam, em cartaz no Centro MariAntonia da USP até 26 de outubro. Os três artistas – que também atuam como curadores da mostra – são Mariannita Luzzati, Marco Giannotti e Marcus André. Junta-se a eles o pianista Marcelo Bratke, que fez concerto na abertura da mostra, no dia 3 passado, e é também um dos curadores da exposição.

A unidade pela diferença

Cor Encarnada: Homenagem a David Anfam é dividida em duas salas. As obras de Luzzati, Giannotti e André carregam os estilos de cada um deles, que são bastante distintos. Apesar disso, existe um diálogo entre elas: todas ilustram paisagens e têm, na cor, um elemento marcante.

As pinturas de Giannotti são paisagens que ele fez após uma visita a Cubatão (SP), cidade sempre citada, no passado, ao se falar de fábricas e de poluição. Professor do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, Giannotti conta que optou por abordar Cubatão justamente para fazer um contraponto entre a destruição da natureza pelo ser humano e o impacto plástico que os fenômenos naturais têm, por exemplo. “É o que chamamos de sublime.”

Homem de barba e de óculos.

O artista e professor da USP Marco Giannotti – Foto: Arquivo pessoal

Quadros pendurados numa parede.
Obras de Marco Giannotti – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Quadro pendurado numa parede.
Obra de Marco Giannotti – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Já o trabalho de Mariannita é dividido entre produções feitas após uma visita a Vitória (ES), que mostram cargueiros no horizonte, e obras realizadas depois de uma viagem ao Vietnã, que têm as montanhas como elementos na paisagem. “Tenho vários trabalhos com esse tema e sobre essa questão dos deslocamentos. Muitos dos cargueiros transportam, lá de Vitória, minérios de ferro para a China. Então, tem essa coisa de mudar a paisagem do lugar”, comenta a respeito da primeira parte. Sobre a segunda, ela afirma que as cores bastante expressivas utilizadas para retratar o Vietnã são exatamente assim ao vivo. “A umidade absoluta do ar deles é incrível. É a paisagem como ela é, sem interferência humana. São cordilheiras no mar que não acabam nunca.”

Mulher de cabelos longos e louros.

A artista Mariannita Luzzati – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Quadros pendurados numa parede.
Obras de Mariannita Luzzati – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Quadro pendurado numa parede.
Obra de Mariannita Luzzati – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Os trabalhos de Marcus André também têm a paisagem como temática, mas com o uso de várias mídias na tela. Suas obras se situam num meio termo entre a pintura e a gravura. Tendendo para a geometria, consegue, ao mesmo tempo, ter forte expressividade. 

Sobre a diversidade de estilos em uma mesma exposição, Mariannita diz: “Não é comum as exposições misturarem os trabalhos assim, mas, depois de ver os trabalhos montados, achei interessante como trabalhamos as relações de cor de uma maneira totalmente diferente. Porque a cor é muito pessoal, é quase uma escrita nossa”.

Homem de cabelos compridos.

O artista Marcus André – Foto: Arquivo pessoal

Quadro pendurado numa parede.
Obra de Marcus André – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Quadro pendurado numa parede.
Obra de Marcus André – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A artista cita como exemplo o fato de que Giannotti gosta de trabalhar com cores diretas, sem diluir a tinta, enquanto ela dilui bastante a tinta. Giannotti completa: “Cada um de nós, artistas, tem mais de 40 anos de percurso e uma poética desenvolvida, mas sempre buscamos uma unidade. É a unidade pela diferença, e isso traz riqueza para a exposição. Não tem exposição mais chata do que aquela em que todo mundo pinta da mesma maneira”.

Quadros pendurados numa parede.
Obras dos três artistas da exposição “Cor Encarnada” – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Vídeos e música

Na primeira sala da exposição, são exibidos vídeos curtos, gravados por cada um dos artistas da mostra, em que falam sobre David Anfam e sua obra. Mariannita e Bratke, que vivem parte do ano em Londres, na Inglaterra, conviveram com o curador inglês, que eles conheceram por intermédio de Marcus André. Giannotti, por sua vez, foi quem apresentou Anfam a André. Além dos vídeos, são exibidos também 20 episódios do programa Momento Musical, da TV Cultura, apresentado por Bratke, que abordam a obra de compositores clássicos. Um desses episódios trata do compositor Carlos Gomes (disponível aqui).

Mariannita justifica essa parte da mostra lembrando que, embora fosse estudioso das artes visuais, Anfam tinha na música uma paixão. “A relação dele com a música era muito profunda. Para ele, as artes não se separavam, e a música era a maior das artes”, diz a artista. Ela afirma que uma das intenções de Cor Encarnada era criar um ambiente para ele. “Ele não era músico, mas um apreciador, e entendia muito de música. Por isso, resolvemos trazer a música para esta exposição também.”

Homem com a mão colocada sobre a sua face direita.

O pianista Marcelo Bratka – Foto: Romulo Fialdini/Wikipedia

Um projeto maior

Já no nome, a exposição traz uma homenagem: Cor Encarnada é o título de um projeto proposto por Anfam para ser realizado no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, no qual pretendia expor obras de grandes artistas do expressionismo estadunidense, como Mark Rothko (1903-1970) e Jackson Pollock (1912-1956), e fazer o contraponto com artistas modernistas brasileiros de renome, entre eles Alfredo Volpi (1896-1988) e José Pancetti (1902-1958). “Só que, por questões financeiras, a mostra acabou sendo inviável”, lembra Giannotti. Ele conta que havia a expectativa de que o curador britânico viesse ao Brasil em 2023 e em 2024, mas a ideia também não prosseguiu. David Anfam veio ao Brasil em 2013 para o lançamento do seu livro Expressionismo Abstrato, que aconteceu no Centro MariAntonia da USP.

A homenagem a Anfam é o primeiro passo de um projeto maior, promovido pelo Grupo de Estudos Cromáticos do Departamento de Artes Plásticas da ECA, que é coordenado por Marco Giannotti. Foi fundado em 2009 e reúne, hoje, membros de universidades de vários estados do Brasil, além de pesquisadores da França. A partir do próximo dia 31, o grupo vai inaugurar, também no Centro MariAntonia, a mostra Laboratório da Cor, que será acompanhada de um curso de extensão e seguida de um colóquio, em outubro — também com a participação dos artistas de Cor Encarnada. “A ideia é mostrar como as ideias de Anfam e do grupo são algo contínuo. Não é o fim do projeto, mas um recomeço”, destaca Giannotti.

Homem de óculos.

O curador inglês David Anfam (1955-2024) – Foto: Reprodução/LinkedIn

A exposição Cor Encarnada: Homenagem a David Anfam fica em cartaz até 26 de outubro, de terça-feira a domingo e feriados, das 10hs às 18hs, no Centro MariAntonia da USP (Rua Maria Antonia, 258, Vila Buarque, em São Paulo, próximo às estações Higienópolis-Mackenzie e Santa Cecília do metrô). Entrada grátis. Mais informações estão disponíveis no site do Centro MariAntonia

* Estagiário sob supervisão de Roberto C. G. Castro

** Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado / Fonte: Jornal da USP

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