Estudante de Medicina da Uneb é denunciada por fraude em cotas

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Por Correio da Bahia- O Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) investiga uma denúncia de fraude em sistema de cotas para o ingresso de uma aluna no curso de Medicina da Universidade do Estado da Bahia. A denúncia foi feita por um grupo anônimo, que montou um  ‘dossiê’. O grupo afirma atuar denunciando fraudadores de cotas na Uneb. Segundo os autores do dossiê, a estudante em questão teria burlado o sistema para fazer a inscrição em uma vaga destinada a ações afirmativas.

A estudante ingressou no curso em uma vaga destinada a candidatos negros que cursaram todo o 2º ciclo do Ensino Fundamental e o Ensino Médio exclusivamente em escola pública, que tinham renda bruta familiar mensal inferior ou igual ou quatro vezes o valor do salário mínimo nacional vigente no ato da matrícula, realizada em 2018, e que não possuiam título de graduação. Quem acusou a jovem, no entanto, afirmou que a família excluiu a mãe da garota do grupo familiar para que ela se enquadrasse do quesito da renda.

No resumo da denúncia, o grupo acusa a família de omitir os dados da mãe da aluna para registrar a estudante no Cadastro Único (CadÚnico) – serviço social direcionado para famílias de baixa renda e que teria possibilitado a entrada da estudante no curso de Medicina da Uneb em uma vaga destinada a cotas, mas sem que fosse feita a análise de renda. Isso é possível porque, ao fazer o registro no CadÚnico, o cidadão comprova que sua família está em situação de pobreza ou extrema pobreza.

Segundo o grupo que denunciou a estudante, a jovem não preencheria o requisito relacionado à renda bruta familiar. O argumento usado na denúncia é de que, se a mãe fosse inserida no núcleo familiar, o CadÚnico não poderia ser feito. A reportagem do CORREIO teve acesso aos documentos da família da estudante, que alega não ter praticado nenhuma irregularidade no processo. Tanto a estudante como seus pais terão as identidades preservadas na matéria porque o caso ainda está em investigação.

Renda superior a R$ 9 mil
Segundo a denúnica apresentada ao Ministério Público, o pai da estudante recebi, em outubro de 2018, R$ 3,6 mil como funcionário da prefeitura no interior do Maranhão, enquanto a mãe, nos dois cargos que ocupa como concursada, receberia R$ 3.223,61 e R$ 2.911,89. Juntos, os pais da jovem teriam renda de R$ 9.735,50.Para disputar uma vaga pela cota em que a estudante se inscreveu, a renda renda bruta familiar precisava ser de até R$ 3.816, valor correspondente a quatro vezes o salário mínimo da época.

Ou seja, com esta renda da família, a aluna não poderia ter se inscrito no CadÚnico e nem ter ingressado no curso de Medicina através da categoria de cotas em que ela estava cadastrada. Esses foram os dados recebido pelo CORREIO e que seriam motivo de questionamento por parte de quem protocolou a denúncia. Em sua defesa, a família diz que o pai e a mãe nunca foram casados e que a estudante é sustentada apenas pelo pai – este, por sua vez, não estava trabalhando com o salário de R$ 3,6 mil em fevereiro de 2018, quando a matrícula foi feita. Uma portaria publicada no site da prefeitura onde ele era contratado informa que ele foi contratado em janeiro de 2017 por um período temporário, com contratao encerrado após dez meses.

O Centro Acadêmico de Medicina da Uneb (Cameb) declarou, por meio de nota, que a situação financeira considerada para a inscrição dos alunos cotistas por renda é somente referente ao momento de inscrição, desconsiderando períodos anteriores e posteriores ao ato de matrícula e citou o edital do vestibular da Uneb de 2018. “É exigida a comprovação de renda bruta, valor global da remuneração familiar mensal, igual ou inferior a quatro salários mínimos, vigente na ocasião da matrícula, conforme o caso”, relata.

Criada só pelo pai
Ao CORREIO, o pai da estudante declarou que a mãe não tem participação financeira na vida da filha e que, por isso, não foi citada no documento. O homem, que também terá o nome preservado, declarou que trabalha arrumando estradas e vive de bicos.

“Quem sustenta ela sou eu. Não sou casado, só tenho a minha renda. A gente fez o cadastro do jeito que a assistente social solicitou pra gente. Não sei muito escrever e ler, mas garanto que está tudo dentro do padrão, tudo da forma correta que a assistência social pediu pra fazer”, disse.

O pai reside em Formosa da Serra Negra, no Maranhão, onde o CadÚnico foi registrado.

A mãe da estudante, que teve quatro filhos com o pai da aluna, mas nunca se casou com ele, confirma as afirmações do ex-companheiro e reitera que não auxilia no custeio das contas da filha. “A gente se separou e cada um ficou com dois dos nossos filhos. Ele que ficou responsável por ela e é quem custeia as coisas dela. Quando ela passou e precisou dos documentos, o edital dizia que, se ele fizesse o CadÚnico, não precisaria comprovar renda, aí ele fez o cadastro. E ele não colocou meu nome porque não há razão para colocar. Eu não sou responsável financeiramente por ela e não contribuo, é ele e a menina dele. Eu só sou responsável por uma das minhas filhas, que é quem mora comigo. O outro filho que ficava comigo faleceu”, argumenta.

A mãe afirmou que declara renda e que a estudante não faz parte dos seus dependentes. Ela chegou a enviar uma imagem via WhatsApp mostrando que a jovem não constava em sua lista de dependentes, mas apagou a foto em seguida e não respondeu mais mensagens. Antes disso, a reportagem checou os dados e confirmou que o nome da jovem não constava na lista de dependentes.

Abalada com a situação, a estudante afirmou que não sabe o porquê da denúncia e que sua família não tem poder aquisitivo acima do critério estabelecido pela cota.

“Eu não tô preocupada, mas tô desestabilizada. Eu sou de um lugar muito longe e quem me conhece sabe que não tem como eu ter fraudado uma cota porque eu não tenho dinheiro e isso é muito fácil de provar. A gente tinha documentação para me matricular com e sem CadÚnico. Optamos pelo registro porque era uma forma mais simples”, explica.

Quando questionado sobre quem poderia confirmar a tese de que a renda da família era superior à exigida pelo sistema de cotas, o grupo que fez a denúncia disse que ninguém que reside na cidade do interior do Maranhão aceitou falar, mesmo sob anonimato. “As pessoas afirmaram que têm receio em serem identificadas, mesmo com a garantia do anonimato”, declara o grupo que fez a denúncia.

CadÚnico como critério
Segundo informações da Caixa Econômica Federal, o sistema CadÚnico é pensado para o cadastro de famílias de baixa renda. O cadastro da jovem foi realizado em fevereiro de 2018, quando o pai já não era mais contratado pela prefeitura de Formosa da Serra Negra (MA). No edital do vestibular de 2018 da Uneb consta a informação de que a apresentação do CadÚnico dispensa a necessidade de comprovação de renda de candidatos que ingressaram através da cota socioeconômica.

“A apresentação do comprovante de inscrição em programas sociais relacionados ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), de que trata o Decreto n.º 6.135, de 26 de junho de 2007, substituirá a apresentação dos demais documentos já citados e servirá como comprovação de que a família atende ao requisito”, escreve. 

Télio Barroso, gerente do Cadastro Único de Salvador, falou sobre o critério para registro no programa social. “Para efetivação do cadastro, a renda familiar deve ser de, no máximo, três salários mínimos”.

Sobre a possibilidade de aferição de renda para candidatos a vagas na Uneb, Télio afirmou que, nesse caso, onde é necessário ter renda familiar inferior ou igual a quatro vezes o valor do salário mínimo vigente, o cadastro pode ser utilizado como critério e isso é uma decisão da universidade. “Sim, a composição familiar possibilita a chegada na renda familiar. A avaliação pelo cadastro depende do edital de cada universidade. Cada instituição pode se valer do meio de consulta que lhe aprouver”, completa

Investigação
Procurada, a Uneb declarou, por meio de sua assessoria,  que todas as denúncias recebidas pela Universidade do Estado da Bahia, assim como as encaminhadas pelos órgãos oficiais de fiscalização, relacionadas ao ingresso de estudantes, são devidamente apuradas por meio do processo administrativo competente.

A universidade destacou ainda que a apuração de eventual irregularidade poderá ocorrer desde o momento da inscrição, perpassando o eventual processo de matrícula, e se estender durante todo o período de permanência do/a estudante como membro da comunidade acadêmica.

O Ministério Público foi procurado para falar sobre o andamento da investigação desde a última terça-feira (26), mas, embora tenha confirmado que apura a denúncia, não informou mais detalhes.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro

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