Ex-presidente pretende entrar no país em 9 de novembro, um dia após a posse de Luis Arce. Político busca “banho de popularidade” contra rejeição intensa de segmentos da população
FERNANDO MOLINALa Paz – 28 OCT 2020 – 07:35 EDT
Evo Morales pretende deixar seu exílio na Argentina e retornar à Bolívia em 9 de novembro, um dia depois de seu companheiro de partido Luis Arce tomar posse como presidente do país andino. O líder indígena e chefe do Movimento ao Socialismo (MAS) espera que seu retorno seja um “banho de popularidade” em sua imagem. Ele entrará na Bolívia por terra, atravessando a fronteira argentina, passará durante dois dias por vários povoados do sul do país e chegará à zona cocaleira de Cochabamba, no centro do país, em 11 de novembro. Foi nessa mesma zona e na mesma data, um ano atrás, que um avião mexicano o apanhou para leva-lo ao exílio. “Pedem-me [os camponeses] que voltemos no dia 11 de novembro, porque saí num 11 de novembro. É muito simbólico”, declarou o ex-presidente.
Quem informou sobre a data de viagem de Evo Morales foi o dirigente cocaleiro e senador eleito Andrónico Rodríguez, que já havia anunciado que, depois da posse de Arce em 8 de novembro, o MAS avaliaria com “muita calma” o retorno de Morales à Bolívia. Mas o ex-presidente teve pressa para retornar em 11 de novembro, data sobre a qual já se especulava, por seu simbolismo.
Durante sua permanência na Argentina, Morales ditou um livro de memórias do último ano da sua vida, intitulado Voltaremos e Seremos Milhões. A obra deixa transparecer uma grande saudade da Bolívia. Uma fonte próxima ao bunker de Morales em Buenos Aires contou ao EL PAÍS que o ex-presidente acompanhava minuto a minuto a atualidade boliviana, ligava o tempo todo para seus companheiros no país e estava aflito para conhecer o resultado da eleição e poder voltar. Um artigo de dois jornalistas bolivianos sobre sua vida em Buenos Aires, baseado em interceptações de suas chamadas telefônicas pela polícia, mostrava Morales comendo frequentemente churrasco de tambaqui, um peixe presente nas selvas do norte da Bolívia, aonde retornará agora.
Desde a vitória eleitoral de Arce, Morales não deixou de ser um coprotagonista do triunfo de seu partido, do qual é o líder inconteste desde sua fundação, no final da década de 1990. Agradeceu às felicitações enviadas por líderes da esquerda mundial e por representantes de diversos setores nacionais, pediu a renúncia do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, que no ano passado o acusou de ter cometido fraude eleitoral, lançou ideias sobre a política externa e, em um gesto que causou muita suscetibilidade na Bolívia, viajou por alguns dias à Venezuela para se encontrar com Nicolás Maduro e discutir assuntos que até agora são mantidos em sigilo.
Arce disse em uma entrevista ao EL PAÍS que não espera que Morales altere sua personalidade exuberante. “É um líder indiscutível e histórico do processo de mudança. É um líder internacional. Não vai mudar. E tampouco pretendemos que mude. Vai ser assim, simplesmente. Mas o fato é que não tem nenhuma participação no Governo. Ele tem seu papel como presidente do MAS, que é muito importante”, afirmou. Durante um ano do seu exílio, os candidatos contrários ao MAS utilizaram a volta de Morales como um espantalho para dissuadir os eleitores de votar no partido esquerdista. Sua popularidade ainda é elevada, mas a rejeição a ele em alguns setores da população também é muito intensa.
Independência judicial
A possibilidade da volta de Morales à Bolívia ganhou corpo em 26 de outubro, quando um juiz suspendeu a ordem de detenção que havia sido emitida meses antes contra ele. Morales deve enfrentar dezenas de processos judiciais, todos eles abertos pelo Governo interino de Jeanine Áñez, por crimes que vão de terrorismo a estupro. Os porta-vozes do MAS insistiram em que ele se defenderá como um cidadão comum, sem privilégios. Entretanto, a suspensão do mandado de prisão contra ele foi recebida na Bolívia como uma primeira amostra de uma previsível subordinação da Justiça ao novo Governo. A falta de independência judicial, em todos os períodos da história contemporânea da Bolívia, é apontada pela organização Human Rights Watch como uma das principais falhas da Bolívia no campo dos direitos humanos.
O Parlamento em final de legislatura, no qual o MAS tem dois terços, está preparando duas ações judiciais contra a presidenta Áñez e seu Gabinete. Ao mesmo tempo, está alterando seu regimento interno para que algumas aprovações de leis futuras não exijam a aprovação de dois terços da Câmara, e sim a maioria simples, que é o que o MAS terá nesta nova legislatura.
Fonte: El País