RICARDO STUCKERT/PRESIDÊNCIA

Expansão do Brics: bloco anuncia 6 novos membros

Mundo

O Brics, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, anunciou nesta quinta-feira (24/8) um processo de expansão do bloco.

Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Argentina, Egito, Irã e Etiópia foram “convidados” a entrar no grupo como membros plenos a partir de 1º de janeiro de 2024, segundo o anúncio do presidente da África do Sul, anfitrião da 15ª cúpula do bloco, que acontece em Joanesburgo.

O termo “convite”, segundo diplomatas, é uma formalidade técnica, uma vez que os países anunciados já haviam demonstrado interesse em entrar no bloco.

Ainda não há definição se o nome do bloco, formado pelas iniciais dos atuais cinco membros, irá mudar com a sua expansão.

O movimento de expansão era publicamente liderado pela China e, em menor grau, pela Rússia.

Analistas avaliam que a iniciativa tem como objetivo diminuir o isolamento dos dois países em relação aos Estados Unidos e à Europa Ocidental.

As relações dos dois países com norte-americanos e europeus ocidentais estão desgastadas por eventos como a guerra na Ucrânia e acusações de espionagem supostamente praticada pelos chineses, que Pequim nega.

O Brasil, por outro lado, insistia oficialmente para que, em vez de uma expansão acelerada do grupo, que o Brics adotasse critérios a partir dos quais fosse feita a avaliação dos pedidos de adesão.

A posição, no entanto, foi mudando ao longo dos últimos dias. Nesta semana, antes do anúncio oficial, membros do governo falavam que um grupo entre três e seis países poderia ser incluído no Brics.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a defender, publicamente, a entrada de alguns dos países que acabaram de entrar para o bloco — entre eles, a Argentina e Emirados Árabes Unidos.

Apesar dessa posição oficial, o assessor especial da Presidência da República para relações exteriores, o ex-ministro Celso Amorim, disse que os critérios seriam definidos depois: “Você escolhe os países e aí depois define os critérios.”

Idas e vindas

O processo de expansão e escolha dos futuros novos membros dos Brics envolveu meses de negociação e reuniões demoradas durante a cúpula em Joanesburgo.

Em princípio, Brasil e Índia não eram favoráveis ao aumento do grupo, que era liderado, principalmente, pela China e pela Rússia.

Diante da pressão pela expansão, diplomatas e membros do governo brasileiro passaram a negociar com os demais países do bloco os termos nos quais essa adesão aconteceria.

Os negociadores brasileiros passaram a tentar incluir na declaração final da cúpula uma menção à pretensão do país de reformular o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e virar um de seus membros permanentes (ainda que sem poder de veto), uma pauta histórica da diplomacia brasileira.

O tema, no entanto, é particularmente sensível para os chineses, que são membros permanentes e não vinham demonstrando apoio à tentativa do Brasil de integrar o grupo hoje composto por chineses, Estados Unidos, Rússia, França e Reino Unido.

Ao final, diplomatas brasileiros comemoraram a inclusão de uma menção à pretensão brasileira de ingressar no Conselho de Segurança da ONU na declaração final da cúpula.

O texto, no entanto, não cita explicitamente a inclusão do Brasil como membro permanente. Ele diz o seguinte:

“Apoiamos uma ampla reforma da ONU, incluindo o seu Conselho de Segurança com uma visão para torná-lo mais democrático, representativo, efetivo e eficiente e para incluir a representação de países em desenvolvimento entre os membros do conselho […] e apoiamos as três legítimas aspirações de países emergentes e em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina, incluindo Brasil, Índia e África do Sul, para desempenhar um papel maior em assuntos internacionais, nas Nações Unidas em particular, incluindo o seu Conselho de Segurança”, diz um dos parágrafos da declaração.

Diplomatas brasileiros ouvidos em caráter reservado afirmam que apesar de a menção ser aparentemente vaga, a inclusão da pretensão brasileira de integrar o conselho é vista como uma vitória diante da histórica resistência da China em relação ao assunto.

A seguir, confira os perfis dos seis países anunciados:

Egito

O Egito é um país de maioria muçulmana localizado no norte da África. Sua população está estimada em 110 milhões de habitantes.

De acordo com o Banco Mundial, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita do país era de US$ 3,6 mil em 2021, ano do dado mais recente.

A título de comparação, a renda per capita brasileira é de US$ 8,92 mil (R$ 44,5 mil).

De acordo com o Banco Mundial, a economia egípcia cresceu 5,8% em 2022.

O país é comandado desde 2013 pelo coronel do Exército Abdul Fatah Khalil Al-Sisi, que assumiu o poder após uma os militares tomarem o controle do país após uma série de manifestações ocorridas em países islâmicos que ficou conhecida como “Primavera Árabe”.

O país é alvo de críticas de entidades que defendem os direitos humanos, como a Anistia Internacional.

Em seu relatório mais recente, a entidade acusa o governo egípcio de desrespeitar os direitos de oposicionistas, promovendo prisões arbitrárias e julgamentos sumários que incluem a pena de morte.

De acordo com a organização não-governamental Freedom House, que avalia o nível de liberdade de dezenas de países em todo o mundo, o Egito é considerado um país “não-livre”. Em uma escala que vai de 0 a 100, o país atinge 18 pontos.

Nessa escala, 0 é indica o menor nível de liberdade e 100 o maior.

A chegada do Egito como membro efetivo dos Brics acontece dois anos após o país ter sido aceito como integrante do “Banco do Brics”.

Arábia Saudita

Arábia Saudita era apontada como um dos países com mais chances de ingressar no Brics.

O país tem 35 milhões de habitantes e uma renda per capita de US$ 23 mil (R$ 115 mil) por ano, segundo o Banco Mundial. A título de comparação, a renda per capita brasileira é de US$ 8,92 mil (R$ 44,5 mil).

Dados oficiais apontam que a economia do país foi uma das que mais cresceu no mundo em 2022, com uma taxa de 7,3%.

Ainda segundo o Banco Mundial, o crescimento foi fortemente ancorado nas receitas do petróleo, que tiveram alta ao longo do ano passado.

A expectativa para este ano, no entanto, é de que o crescimento desacelere, também refletindo a queda nos preços do petróleo.

O país tem o endosso da China e o fato de ser um dos países mais ricos em reservas de petróleo no mundo. O Brasil, oficialmente, não vetou a entrada de nenhum dos novos integrantes.

De acordo com a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), a Arábia Saudita tem reservas estimadas em 267 bilhões de barris de petróleo, atrás apenas da Venezuela, com 303 bilhões.

A Arábia Saudita é um dos principais parceiros dos Estados Unidos no Oriente Médio.

Nesse contexto, uma aproximação do bloco com um parceiro americano estratégico poderia ser vista como um contraponto à hegemonia de Washington na região.

O país é comandado pela família Saud há décadas. Nos últimos anos, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman vem sendo apontado como o real líder do país.

Ele vem sendo criticado internacionalmente por alegadas violações de direitos humanos e é apontado como um dos responsáveis pelo assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, em 2018.

Ainda no campo dos direitos humanos, o país é alvo de críticas de entidades como a organização não-governamental Anistia Internacional.

Em 2022, a entidade acusou o país de promover julgamentos sumários de oposicionistas e de desrespeitar direitos fundamentais de mulheres. Segundo o relatório, na Arábia Saudita, as mulheres precisam de uma autorização expressa de um homem para se casarem.

Em agosto deste ano, guardas de fronteira sauditas foram acusados de assassinato em massa de migrantes ao longo da fronteira com o Iêmen, segundo um relatório divulgado pela Human Rights Watch.

Relatos de extensos assassinatos perpetrados pelas forças de segurança sauditas ao longo da fronteira norte vieram à tona pela primeira vez em outubro passado, quando especialistas da ONU comunicaram isso ao governo do país.

O governo saudita afirmou que leva as acusações a sério, mas rejeitou a descrição da ONU de que os assassinatos foram sistemáticos ou de grande proporção.

De acordo com a Freedom House, o país é considerado um país “não-livre”, com uma pontuação de 8 em uma escala que vai de 0 a 100.

Emirados Árabes Unidos

O país tem uma população estimada de 9,35 milhões de habitantes e fica no Oriente Médio. A renda per capita é de US$ 44,3 mil (R$ 220,7 mil) por ano e era apontado como um dos favoritos a ingressar no grupo.

O presidente do país, Mohammed bin Zayed Al Nahyan, é um dos mais de 40 líderes de fora do Brics que foi convidado a participar do encontro com chefes do bloco e que confirmou sua ida a Joanesburgo.

Assim como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos têm sua economia fortemente baseada nas receitas petrolíferas.

A aproximação do país com o Brics começou há alguns anos.

Em 2021, por exemplo, o país foi aceito como novo membro do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na senha em inglês), instituição criada pelo Brics em 2014 e que financia projetos nos países do bloco.

Além dos cinco fundadores do bloco, o banco agora conta com a adesão dos Emirados Árabes, Bangladesh e Egito. O Uruguai também já pediu para fazer parte do banco.

Negociadores ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o país contava com o apoio da China. Segundo eles, o fato de o país já ser um membro do “banco do Brics” era um ponto favorável à candidatura do país.

Segundo a Freedom House, o país árabe também é considerado “não-livre”, atingindo 18 pontos de 100 possíveis.

Apesar da reticência do corpo diplomático brasileiro em relação à inclusão de novos membros no Brics, Lula defendeu o ingresso do país.

“Obviamente eu não decido sozinho, precisa de todos os países decidindo isso”, disse o presidente brasileiro em conversa com correspondentes estrangeiros.

Argentina

A Argentina é o único país da América Latina a ser admitido nessa rodada de novas adesões.

O país tinha o apoio explícito do presidente Lula.

A Argentina tem uma população estimada de 45 milhões de habitantes. O PIB per capita do país, segundo o Banco Mundial, é de US$ 10,6 mil.

De acordo com a Freedom House, a Argentina é considerado um país “livre”. Com 85 pontos, o país tem a terceira maior pontuação na América do Sul.

De acordo com o governo do país, a economia argentina cresceu 5,2% em 2022, o que coloca o país como um dos que mais cresceu na América do Sul.

Apesar disso, a Argentina vive uma crise econômica há alguns anos com altas taxas de inflação. Em agosto deste ano, o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos da Argentina (Indec) anunciou que a inflação atingiu 113,4% no acumulado de 12 meses.

O país é governado pelo peronista Alberto Fernández, de orientação política de centro-esquerda.

A Argentina, segundo negociadores brasileiros, corria por fora entre os países que disputavam uma vaga no Brics.

Um dos fatores que eram vistos como empecilho à adesão do país ao bloco era a incerteza sobre o futuro político da Argentina.

O país terá eleições presidenciais em outubro deste ano e o atual presidente não disputa a reeleição.

Nas prévias das eleições argentinas, o candidato mais votado foi o liberal de direita Javier Milei, que é crítico ao atual governo e que promete medidas consideradas por analistas como radicais, como a dolarização da economia e a extinção do Banco Central. Ele obteve 30% dos votos nas primárias.

Irã

O Irã, localizado no Oriente Médio, tem aproximadamente 87 milhões de habitantes. A maioria da população é muçulmana da linha xiita.

Segundo o Banco Mundial, a renda per capita do país é de US$ 4,9 mil.

A economia do país é fortemente ancorada na renda petroleira. De acordo com o Banco Mundial, o PIB iraniano cresceu 2,7% em 2022 e a expectativa é de que ele cresça 2% neste ano. A desaceleração seria resultado da baixa nos preços do petróleo.

O político mais poderoso do país é o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã. Ele é, ao mesmo tempo, líder político e religioso do país.

Abaixo dele, está o presidente Ebrahim Raisi, eleito em agosto de 2021.

De acordo com a organização não-governamental Freedom House, o Irã é considerado um país “não livre”. No ranking que vai de 0 a 100, o país tem nota 12.

Relatório da Anistia Internacional alega que o governo vem violando direitos humanos no país. Um dos exemplos teria sido o uso de munição letal contra manifestantes que protestavam por mais liberdade no país em 2022.

O país também é alvo de sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos por conta da política nuclear do país. O governo norte-americano alega que o Irã mantém um programa nuclear que pode ser usado para a fabricação de armas de destruição em massa, o que o governo iraniano nega.

Negociadores brasileiros com quem a BBC News Brasil conversou nos últimos dias apontam que o país não era considerado um dos favoritos a obter acesso ao Brics, mas que sua candidatura não sofreria veto do Brasil.

Etiópia

A Etiópia é o segundo país mais populoso do continente africano, com 120 milhões de habitantes, atrás apenas da Nigéria.

A chegada da Etiópia ao grupo aconteceu, segundo diplomatas, por conta do apoio da África do Sul. O país será a segunda nação da África Sub-Sahariana a participar do bloco.

Segundo relatório do Banco Mundial, o país tem uma das taxas de crescimento econômico mais aceleradas do continente africano. Entre 2021 e 2022, a economia do país cresceu 6,4%.

Apesar disso, ainda segundo o Banco Mundial, o PIB per capita do país ainda é considerado baixo: US$ 920,08. É o menor valor entre os membros do Brics.

De acordo com a Freedom House, a Etiópia também é considerada um país “não-livre”, com uma pontuação de 21 em uma escala que vai de 0 a 100.

Fonte: BBC