PorAndré Roncaglia – Quarta, 7 de Julho de 2021
O trocadilho do título não é sem razão. A grande controvérsia na teoria do desenvolvimento diz respeito à importância da composição da matriz produtiva para a trajetória de longo prazo das economias. A abordagem convencional (com viés neoliberal) reduz a questão à produtividade indiscriminada do ponto de vista setorial. Para esta visão, tanto faz produzir batatas, soja, milho ou semicondutores, aeronaves e máquinas de litografia. Se o mercado sinalizou a um país que ele deve ser um grande fazendão, que assim seja! A riqueza das nações seria resultado de instituições que garantem o respeito aos direitos de propriedade privada e uma boa dose de educação para a sua população e, claro, um “pouquinho” de inovação ajuda também. Basta deixar o barco ao sabor da correnteza da divisão internacional do trabalho.
Alternativamente, toda uma antiga linhagem de pensamento econômico defende que “o que” um país produz é determinante para o seu desempenho; seja para a prosperidade interna, seja para poder enfrentar os vaivéns da geopolítica mundial. Ter uma ampla base industrial é fundamental para ter chance de sucesso no “campeonato mundial da produção”.
No livro que escrevi com Paulo Gala (Gala e Carvalho 2020), ilustramos a tradição estruturalista com evidências empíricas baseadas em medidas de complexidade econômica. A ideia é vergonhosamente simples: economias mais complexas conseguem dinamizar internamente a produção de inovações e, por meio de empregos de melhor qualidade, sustentar níveis de prosperidade mais elevados.
Em trabalho recente, Isabella Weber et al. (2021)* reforçam a tese estruturalista com uma interessante análise empírica de longo prazo. Buscando entender o que causa a especialização produtiva, o trabalho tenta responder à seguinte pergunta:
“Qual é o legado da Primeira Globalização do final do século XIX e início do século XX sobre as fortunas econômicas dos países durante a Segunda Globalização? Ou, em outras palavras, em que medida as posições dos países na ordem econômica internacional têm sido persistentes nas duas globalizações, com algumas presas na base e outras flutuando no topo?”
O trabalho mostra a importância da “dependência de trajetória” na riqueza das nações. Em outras palavras, a história é um dos principais determinantes da aprendizagem produtiva das nações. Quem conseguiu encontrar um lugar ao sol na primeira globalização conseguiu manter-se competitivo e complexo. Já quem perdeu o “bonde da história”, acabou preso nas condições iniciais rudimentares.
Para avaliar este padrão, os autores analisam o padrão de especialização das exportações entre 1897 e 1906 (primeira globalização) e o período 1998-2007 (segunda globalização).
O que os países exportam é importante para sua prosperidade. Esta é uma visão de longa data na economia do desenvolvimento. Usamos a diversificação das exportações, a complexidade econômica e a sofisticação das exportações, bem como a participação das exportações de manufatura como indicadores-chave da posição dos países na escada do desenvolvimento global.
Com base na economia da complexidade, busca-se analisar as dimensões da capacidade produtiva subjacente de uma economia. Não surpreendentemente, países que detinham bom nível de diversificação de suas exportações e com elevada complexidade no primeiro período estavam nos degraus mais elevados da escada do desenvolvimento um século depois, como mostram as figuras abaixo. A primeira figura mostra a diversificação das exportações. Conseguimos observar que o Brasil galgou degraus na escada tecnológica por se encontrar relativamente bem posicionado ao final do século XIX.
Figura 1: Mapa Mundial da Diversificação das Exportações em 1897: 1906 e 1998: 2007
Já a Figura 2 abaixo apresenta a complexidade econômica entre os dois momentos da globalização. É nítido o efeito persistente da desigualdade inicial: quanto maior a complexidade econômica de um país há um século, maior é esta complexidade nos dias atuais. O eixo horizontal apresenta o grau de complexidade na primeira globalização e o eixo vertical, o mesmo indicador um século à frente. Destaquei os casos do Brasil, Coreia do Sul e Japão.
Figura 2: Complexidade econômica 1897-1906 versus 1998-2007
A conclusão do artigo é a seguinte:
“O grande impacto da história nas capacidades produtivas de hoje é estatisticamente significativo, quantitativamente expressivo e robusto quando controlado por variáveis geralmente consideradas como importantes motores de crescimento e diversificação de exportação, como liberalização econômica, capital humano e a qualidade das instituições. Também demonstramos que nossos resultados não são determinados pela persistência na geografia ou nas instituições.”
O artigo reforça a tese estruturalista, adicionando evidências de longo prazo. Portanto, pode-se dizer que as capacidades produtivas são altamente persistentes, bem como o perfil de exportação dos países sob a globalização anterior predizem mais da metade da variação do PIB real per capita de hoje. Em essência: o que um país exportava há um século é importante para saber onde o mesmo se encontra hoje na escada do desenvolvimento.
Em suma: a história da complexidade é também determinante para entender a riqueza das nações. Isso significa que não há escapatória? Não, ao contrário. Apenas reforça a tese de que o desenvolvimento não resulta do livre jogo das forças do mercado internacional. Não basta acertar os preços, ajustar as instituições e instruir a população para que o desenvolvimento ocorra. É preciso construir capacidades produtivas dinâmicas e adaptáveis. Para tanto, o sistema produtivo também precisa ser capaz de aprender.
* Weber, I.M., G. Semieniuk, T. Westland and Liang Junshang (2021). What You Exported Matters: Persistence in Productive Capabilities Across Two Eras of Globalization. Rebuilding Macroeconomics Working Paper Series, Working Paper No. 41, February 2, 2021, available online: www.rebuildingmacroeconomics.ac.uk/driving-specialisation.
Fonte: rib.ind.br