Exposição destaca 80 anos de história contada por estudantes

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Até 16 de maio, mostra na Biblioteca Brasiliana da USP apresenta edições históricas do jornal O Politécnico, produzido desde 1944 por alunos da Escola Politécnica

Nos últimos 80 anos, o Brasil viveu o governo de Getúlio Vargas, a luta feminina pela garantia de direitos, os anos de ditadura militar, o movimento das Diretas Já e o processo de redemocratização, entre outros eventos que marcaram o cenário político nacional. Nesse período, um dos jornais universitários mais antigos do País registrou esses acontecimentos e os introduziu no ambiente estudantil, mobilizando os estudantes em prol de transformações sociais. Esse jornal é O Politécnico, produzido pelos alunos da Escola Politécnica da USP, que no ano passado completou 80 anos de existência.

Para comemorar a data, a exposição A História Pelas Mãos dos Estudantes – Os 80 Anos do Jornal O Politécnico – em cartaz até 16 de maio na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP – exibe exemplares históricos do periódico. A entrada é grátis.

Com passagem pelo Memorial da América Latina, em São Paulo, no último ano, a mostra se encontra, agora, mais próxima da comunidade USP. “O objetivo é trazer o máximo de alunos à exposição e apresentar a eles uma parte da história contada pelos próprios estudantes”, afirma Diego Roiphe, atual editor-chefe de O Politécnico e curador da exposição, que foi inaugurada no dia 16 de abril.

Roiphe vê o acervo exposto como uma forma de resgatar momentos cruciais da história da Universidade e de promover reflexões sobre os futuros caminhos do periódico, pelo qual já passaram personalidades como o ex-governador de São Paulo Mário Covas (1930-2001), o ator Carlos Zara (1930-2002) e a empresária Cristina Junqueira, fundadora do Nubank. “É também uma forma de pensar os rumos atuais do jornalismo estudantil”, completa Roiphe.

Homem cabeludo, com barba e camiseta sem manga.
Diego Roiphe, editor-chefe do jornal O Politécnico– Foto:
Mesa com jornais antigos.
Além do acervo jornalístico, a exposição traz textos que contam a trajetória do jornal – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Um jornal antigo, amarelado pelo tempo.
A primeira edição do jornal “O Politécnico”, publicada em novembro de 1944 – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Entre os cálculos e as artes

Ao adentrar a exposição, o visitante se encontra com o questionamento: dentre tantos jornais universitários atuantes na USP, o que explica a longevidade de um veículo jornalístico na Escola Politécnica, local marcado pela afeição às ciências exatas? Segundo Roiphe, uma das possíveis razões é justamente a necessidade dos alunos de Engenharia por espaços de livre expressão, onde possam explorar os campos das artes e da subjetividade. “Tem, sim, uma parcela de estudantes da Poli que segue o estereótipo de não ter horizontes para além do tecnicismo do curso, mas também há muitos que são politizados e se interessam por esses horizontes”, conta o editor-chefe. Ele também destaca a demanda dos estudantes por expressão e resistência política como um dos motivos da permanência da publicação: dos 80 anos de O Politécnico, 23 foram vividos sob governos autoritários.

Foi ainda durante a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, em novembro de 1944, que o então estudante de Engenharia Química Adolfo Lemes Gilioli fundou O Politécnico. Na época, o surgimento do jornal integrou uma campanha sistemática que o Grêmio Politécnico mobilizava contra o governo de Vargas. “Antes de O Politécnico, os estudantes produziam uma publicação que basicamente só continha textos de professores da Poli. A iniciativa de fundação de um jornal estudantil veio tanto no sentido de contestação daquele momento histórico como no de representação dos próprios estudantes”, relata Roiphe. A exposição inclui a primeira edição de O Politécnico.

Jornais antigos sobre uma mesa.
Nos anos 1960, o jornal dos estudantes da Escola Politécnica passou a se chamar “Poli Campus” – Foto: Thiago Antunes

Apesar das dificuldades quanto à frequência de publicação durante seus primeiros anos de existência, o jornal ganhou popularidade entre os estudantes e periodicidade mensal. Com coberturas de acontecimentos internos da Poli – como campeonatos esportivos e eleições do Grêmio Politécnico – e notícias sobre a política nacional, o periódico passou por uma transformação: em 1964, o então O Politécnico passou a ser o Poli Campus. Após o golpe que instalou a ditadura militar no País em março daquele mesmo ano, o novo jornal assumiu editoração distinta à anterior, capas emblemáticas e fortes manifestações contra o regime militar, ligando-se diretamente ao movimento estudantil.

“Próximo ao golpe militar, a linha editorial de O Politécnico se aproximava cada vez mais de um posicionamento político progressista. O jornal vai mudando até que a publicação oficial do Grêmio se torna, de vez, o Poli Campus”, explica Roiphe sobre a transição entre as publicações. Nesse período, as páginas do jornal contaram com denúncias a leis repressivas, violência policial, invasões e mortes – como o assassinato do então aluno do curso de Geologia da USP no DOI-Codi, em São Paulo, em 1973, Alexandre Vannucchi Leme. Uma das formas encontradas pelo movimento estudantil para resistir à ditadura era também as expressões culturais, que ganharam amplo espaço nas páginas do Poli Campus. Na exposição, há uma entrevista exclusiva feita por alunos com o cantor Gilberto Gil, após apresentação histórica do artista na USP, em maio de 1973, realizada com o objetivo de dar visibilidade às prisões de estudantes ocorridas na época.

No início da década de 1980, tanto o Grêmio Politécnico como o movimento estudantil presenciaram gradual desmobilização dos alunos. Com o enfraquecimento das atividades, o Poli Campus, um meio de expressão antes fortalecido e combativo à ditadura, esmoreceu. O Politreco, então, passou a ser o novo periódico oficial do Grêmio, com frequência semanal e formato de boletim. Embora ainda se posicionasse sobre certos termos políticos, tornou-se uma publicação de tom mais satírico, com críticas irônicas. “É um momento em que um certo machismo impera como linha editorial do jornal. Chega a ser um contrassenso porque, enquanto encontramos textos sobre a participação feminina na política na década de 1950, a década de 1980 é marcada pela presença de piadas condenáveis”, reconhece Roiphe.

No final dos anos 1990, entretanto, o veículo retoma o original nome O Politécnico e assume um modelo editorial semelhante ao do jornal hoje. Nesse momento, a conjuntura política brasileira volta a ser pauta e O Politreco passa a ser apenas uma coluna humorística. Ao longo das últimas décadas, O Politécnico seguiu na cobertura de diversos momentos históricos cruciais para a história do País e sofreu várias transformações. Atualmente, o jornal tem seis edições impressas anuais e, desde 2020, conta com um site para a publicação mais frequente de notícias, reportagens, coberturas e resenhas. Roiphe garante que, após décadas de atuação, a essência da publicação se mantém: “Em todas as gerações, os estudantes sempre precisam de um espaço para se manifestar dentro do ambiente universitário”.

Página de um jornal antigo.
Em 1973, o “Poli Campus” trouxe uma entrevista exclusiva com o cantor Gilberto Gil, após show feito pelo artista na USP – Foto: Mirela Costa/Jornal da USP
Página de jornal antigo.
Em 1989, o “Politreco” – como o jornal dos estudantes da Escola Politécnica se chamava na época – noticiou a primeira Semana de Arte da Poli, que dura até hoje – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Rumos do jornalismo estudantil

Em meio à crise de desinformação e descredibilidade enfrentada pelo meio jornalístico na última década e à ausência de mobilização dos universitários nos movimentos estudantis País afora, o jornalismo estudantil encara o duplo desafio de se reinventar, segundo Roiphe. Para ele, a dificuldade de criar e manter vínculos do público com jornais como o O Politécnico hoje é ainda maior do que em décadas passadas. Ele, porém, defende a atualização do jornalismo estudantil como um possível motor de transformações sociais. “Os jornais estudantis não devem ser apenas meios de informação, mas também espaços de livre expressão por parte dos estudantes. Talvez esse seja um dos caminhos para propulsionar mudanças nas esferas jornalísticas e estudantil”, completa Roiphe.

A exposição A História Pelas Mãos dos Estudantes – Os 80 Anos do Jornal O Politécnico fica em cartaz até 16 de maio, das 9h às 18h, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP (Rua da Biblioteca, 21, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis.

* Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro 

Fonte: Jornal da USP / Na mostra, edições de “O Politécnico” contam os 80 anos de história do jornal – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens


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