Exposição em Genebra resgata passado colonial de alemães e suíços no sul da Bahia

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Mais de 7 mil pessoas já visitaram a exposição fotográfica “Helvécia, uma história colonial esquecida”

Mais de 7 mil pessoas já visitaram a exposição fotográfica “Helvécia, uma história colonial esquecida”, que enfoca uma vila mantida por suíços e alemães no sul da Bahia. Fundada em 1818, Helvécia vivia do cultivo do café e da exploração do trabalho de pessoas escravizadas. Em 1850, esse local chegou a ter 2 mil pessoas nessa condição para 200 colonos.

A RFI conversou com a jornalista brasileira Milena Machado Neves e com o fotógrafo suíço-brasileiro Dom Smaz, responsáveis pelo projeto e pelo livro que leva o mesmo nome. O casal, que mora em Lausanne, na Suíça, também é curador da mostra. Em cartaz no Museu de Etnografia de Genebra (MEG), a exposição vai até 8 de janeiro de 2023. Nos dias 18 de dezembro e 8 de janeiro haverá visitas comentadas em português.

De acordo com o museu, as imagens e informações apresentadas na exposição revelam um aspecto pouco conhecido da história suíça. Embora o país europeu nunca tenha mantido outras nações sob seu domínio, a Suíça colaborou com as potências coloniais na apropriação de terras estrangeiras e na prática da escravidão. “A história da vila Helvécia nos remete à história do Brasil como um todo”, diz o MEG em seu site.

Milena explica que, apesar de ter crescido nessa região, só foi conhecer a verdadeira história de Helvécia depois que começou a fazer a pesquisa para o projeto. “Helvécia era a colônia Leopoldina, formada por alemães e suíços que chegaram nessa região entre 1818 e 1824″, relata a brasileira.

A ideia inicial era ser como qualquer outra colônia da época, conta Milena, “quando os europeus recebiam terras e as cultivavam com as próprias mãos ou com a ajuda de uma comunidade que eles traziam da Europa”. Segundo a jornalista, tudo isso fazia parte de um projeto “civilizatório”.

Com a chegada da corte portuguesa ao Brasil, em 1808, eles decidiram trazer mais europeus para o Brasil. “A ideia era receber a terra, mas trazer a comunidade, formar a sua colônia para poder tomar conta”, explica ela.

De acordo com Milena, naquela época, muitos europeus já rediscutiam a utilização de mão de obra de pessoas escravizadas. No entanto, “por ene razões, aqueles colonos decidiram usar esse tipo de mão de obra”. Com a força de trabalho escravizada, o local se tornou uma região importante para o plantio e a exportação de café.

“Para se ter uma ideia, em 1850, que foi o ápice econômico dessa colônia, eles chegaram a ser responsáveis por mais de 80% da produção e da exportação de café da província da Bahia”, explica a brasileira, lembrando que a área tem o tamanho da França. Boa parte das exportações eram feitas por intermédio do cônsul de Hamburgo em Salvador que, na época, também possuía terras nessa região que hoje é chamada de Helvécia.

“Ele tinha uma casa de exportação que permitia levar o café não só dele, mas de todos os colonos até o porto de Hamburgo. A coisa ficou tão importante que tinha um vice-consulado suíço na região, no caso, em Caravelas. O café era escoado pelo rio Peruípe até Caravelas. E de lá ou ia para Salvador ou seguia o curso. Essa é a história de Helvécia”, explica.

Em 1888, ano da Abolição da Escravatura, aconteceu também o declínio dessa colônia, fortemente ligada à exploração dessas pessoas.

“Logo depois, foi fechando o consulado. Os colonos foram embora. Por isso, também, que Helvécia é um quilombo diferente dos outros. Um quilombo, normalmente, é um lugar de refúgio. As pessoas fogem e montam num lugar ermo, escondido, para recomeçar a vida. Em Helvécia, foi o contrário, a maioria dos ‘senhores’, vamos chamar assim, e dos colonos que eram escravocratas, acabaram fugindo e quem ficou na região foram as pessoas, os ex-escravos. Isso também explica o fato desse vilarejo ser pouco miscigenado, ter pouca mistura. Oitenta por cento da população, segundo o último Censo, é de afrodescendentes”, conta.

O encontro do casal com Helvécia

Em 2014, quando Dom e Milena faziam uma viagem de carro pelo sul da Bahia, região onde mora a família dela, eles viram a placa “Helvécia”.

“Ele me perguntou o que era, e expliquei que era um vilarejo quilombola”, recorda Milena, que desconhecia, naquele momento, que a Suíça era chamada de Confederação Helvética. “Ele ficou com isso na cabeça, pesquisou mais e ficava me mostrando: olha, tem a ver com a Suíça”, prossegue a brasileira. Um ano depois, em 2015, eles voltaram à região para entrevistar os moradores. O projeto cresceu e deu origem a um livro e à exposição.

Por que é importante jogar luz sobre essa história? Para Milena, “é para a gente não esquecer, para saber que existiu e para que as próximas gerações tenham mais consciência”, enfatiza. “É para isso que existe livro de história, é para isso que existe museu”, ressalta. “Esse exercício de memória, de conhecer a própria história para poder refletir, repensar e tentar não repetir barbáries – porque a escravidão, por exemplo, é uma barbárie”, destaca.

Na avaliação de Dom, que é suíço e disse não ter aprendido sobre este passado na escola, foi bom falar do assunto para a Suíça, falar desse “envolvimento” do país no período da escravidão.

“A gente aprende na escola que é um país com neutralidade, ‘sem colônia’, mas eles participaram bastante desse mundo colonial da época”, afirma Dom. Segundo o fotógrafo, “muitos bancos de Genebra, pessoas de Neuchâtel, colocaram dinheiro, estavam participando mesmo dessa história”. Em geral, como é frequente na Suíça, eram empresas ou cidadãos, não o governo. “Só que o governo suíço colocou um vice-consulado em Caravelas”, ressalta. “Eles participaram e até o vice-cônsul tinha escravos, tinha plantação”, afirma. “Em 1882, quase foi morto pelos escravos dele”, descobriu o suíço em suas pesquisas.

Dom também considera importante jogar luz sobre essa história para o público brasileiro, devido à escassez de material histórico sobre esse período em Helvécia. “A maioria das pessoas com quem a gente falou não sabia sobre a ligação com a Suíça. Tem um esquecimento dos dois lados”, observa.

Documentação em três idiomas

Quem for ao Museu de Etnografia de Genebra vai encontrar textos em três línguas: inglês, francês e português. A cenografia é assinada por Adrien Rovero, que coloca em evidência nove moradores da região. Imagens do padre, do terreiro de umbanda, de um representante de fiéis evangélicos e Dona Cocota, a moradora mais velha da cidade, de 111 anos, estão entre os elementos que compõem a exposição. Vídeos realizados com moradores falam sobre a vida deles e sobre Helvécia.

A história da antiga colônia é retraçada em uma linha do tempo, para dar o contexto histórico desde 1808, época da abertura dos portos. O reconhecimento de Helvécia como quilombo só aconteceu em 2005. “Tem também toda uma parte reservada a documentos que nós encontramos nos arquivos públicos da Bahia, em Berna e Neuchâtel”, conta Milena. O trabalho de coleta começou em 2015 e terminou, segundo Dom, em 2021.

A RFI perguntou aos curadores como foi esse reencontro com o passado e a redescoberta de fatos históricos tão importantes sobre a Suíça e o Brasil.

Milena descreve o encontro com os moradores como algo “emocionante”, tanto pela sensibilidade das pessoas, quanto pela inocência, a força, a consciência e a falta de consciência” sobre o passado.

“É o mundo. Eu gosto de dizer que Helvécia é uma espécie de microcosmo do Brasil. O que a gente vê naquele vilarejo de mil habitantes é um pouco do que a gente vê na nossa sociedade brasileira. Às vezes, a gente vê pessoas que estão mais “acordadas” e conscientes sobre a própria história. Tem gente que não tem ideia, valores diferentes”, analisa a jornalista. “Para mim, foi riquíssimo conhecer essas pessoas”, diz.

Segundo Dom, quando eles estiveram no vilarejo, “os moradores estavam abertos para falar sobre o que sabiam da história do lugar, interessados pelo fato de eu estar vindo da outra Helvécia”.

“Todo mundo estava de braços abertos para contar e tirar fotos. No começo, foi para fazer material para jornais, depois um livro, depois essa exposição. Eles estão felizes que a gente fale deles em qualquer lugar, ainda mais na Suíça”, conclui.

Fonte: Diplomacia Business

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