Exposição retrata 45 anos de carreira de Tadeu Jungle

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Um dos precursores da videoarte no Brasil apresenta em São Paulo instalações que mesclam o universo das artes visuais e o da comunicação de massa

O multiartista Tadeu Jungle é reconhecido como o herdeiro do Concretismo no Brasil, explorando a relação entre palavra e imagem. O seu primeiro poema, Ora H, foi apreciado pelo próprio Augusto de Campos, maior nome daquele movimento literário. Desde então, seus poemas visuais não demoraram a sair do papel e ganhar as ruas. A exposição Tudo Pode (Perder-se) celebra 45 anos de obras de Jungle, e está em cartaz até 20 de julho no Centro Cultural da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na Avenida Paulista, em São Paulo, com entrada gratuita.

A mostra apresenta uma série de instalações em suportes e técnicas variados, mesclando o universo das artes visuais e da comunicação de massa. As obras exploram a trajetória do artista desde o fim dos anos 1970, quando Jungle começou a construir seus jogos com palavras como aluno da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, onde se formou em Audiovisual.

A exposição conduz o visitante em uma viagem no tempo por meio das obras, reforçando a influência do artista principalmente na cidade de São Paulo. São destaques os poemas criados durante a ditadura militar (1964-1985), quando as frases de Jungle eram pichadas em muros, mas também há obras do começo dos anos 2000, quando ele vivia no exterior, e da época da pandemia, quando elas viralizaram como memes na internet.

Passos iniciais

A exposição começa com os primeiros passos de Tadeu Jungle como artista, quando ele usava os muros de São Paulo como sua tela. Suas intervenções urbanas, como Ora H e Tiganho Gatinha, surgiram através de pequenos poemas impressos em adesivos, cartas e cartões-postais. Os visitantes ganham adesivos com o título da exposição, o que os insere na trajetória do artista e deixa a viagem no tempo mais imersiva.

Fotos colocadas sobre uma mesa.

A mostra traz obras feitas em suportes e técnicas variados, mesclando o universo das artes visuais e o da comunicação de massa – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

No início de carreira, Jungle chamava atenção ao expor suas obras livremente, inclusive pelos gramados do campus da USP, em São Paulo. “Ora H foi o primeiro poeminha. Era um cartão postal pequenininho que eu levei na casa do Augusto de Campos e ele já visualizou: o H saiu daqui como um ponteiro e formou-se na hora H”, conta o artista ao Jornal da USP.

Já nos anos 80, Jungle diversificou sua produção com a criação de videoartes premiadas Brasil afora, e continuou inovando com videoinstalações apresentadas em instituições como o Museu da Imagem e do Som (MIS) e o Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, ambos em São Paulo. A partir daí, ele foi consagrado como um dos precursores da videoarte no Brasil. Na exposição, a parede direita da sala tem monitores com suas produções audiovisuais mais notórias, como o clipe da música Põe Fé Que Já É, de Arnaldo Antunes.

Nos anos seguintes, Tadeu Jungle se destacou como roteirista e diretor de cinema e televisão. Seu trabalho na TV inclui a produção do programa Avesso, censurado pela ditadura, que tinha a proposta de expor o lado oculto de tudo o que a mídia propagava, começando pelos bastidores da televisão.

Jungle explica: “O Avesso foi uma oportunidade de olhar o cotidiano e a cultura de uma maneira não convencional, fugir do óbvio e tentar ir ao fundo das questões que as pessoas geralmente não veem”. Foram gravados cinco episódios com temas diversos, incluindo o Avesso Futebol, que está em exibição em uma TV de tubo na atual mostra.

Autorreferências

Desenho abstrato.

Tadeu Jungle também explora a relação entre arte e publicidade, tema presente em sua trajetória profissional – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Quadro com um desenho abstrato pendurado na parede.

Além das obras originais em retrospectiva, a exposição conta com reinterpretações de obras inéditas – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Tadeu Jungle também explora a relação entre arte e publicidade, tema presente em sua trajetória profissional. Uma das peças que abordam essa questão é o Autorretrato Publicitário Cara de Cu, uma escultura que critica ironicamente o comportamento do mundo publicitário. “Se a exposição fosse um livro, essa seria a foto do artista, porque sou eu na época em que trabalhava com publicidade”, diz o artista. A peça, composta por fotos dele ofertando objetos comerciais nas mãos, serve como autocrítica sobre sua atuação no meio, reconhecendo a complexidade do mercado, sem deixar de questionar seus próprios dilemas.

Além das obras originais em retrospectiva, a exposição conta com reinterpretações de obras inéditas, feitas especialmente para Tudo Pode (Perder-se). É o caso de Dilema, a escultura amarela que recebe os visitantes na entrada da sala expositiva. A obra remonta a um pequeno ideograma desenhado em nanquim sobre papel, em 1986, e neste ano ganhou sua nova versão em 1m80 de aço-carbono, recebendo também uma nova camada de significado.

Jungle diz ao Jornal da USP: “A ideia era justamente mostrar como a relação da palavra com a imagem estava mudando. O carbono é o ponto de partida para essa reflexão porque, ao mesmo tempo, é um suporte e uma substância que transforma a nossa maneira de ver o mundo. Não é mais um mundo em que a palavra é algo fixo, mas sim um processo contínuo, em constante transformação, tal como o carbono no nosso corpo”.

Trabalhos mais recentes

Na série que fecha a exposição, Tadeu Jungle explora materiais diversos para criar obras inspiradas no léxico infantil, reconstituindo a linguagem das brincadeiras imaginárias. O título Agora Eu Era faz referência à canção João e Maria, de Chico Buarque, que diz: “Agora eu era herói, e o meu cavalo só falava inglês”.

Homem com um cartaz pendurado no corpo.

Tadeu Jungle explora materiais diversos para criar obras inspiradas no léxico infantil, reconstituindo a linguagem das brincadeiras imaginárias – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Essa é a parte mais pop da exposição, representando a infinita imaginação infantil com elementos lúdicos e acenos a figuras icônicas, como as profissões da boneca Barbie e a força do Batman. Um dos quadros da série dialoga com o livro Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, e foi produzido com areia enviada por guias turísticos das regiões de Minas Gerais citadas no romance.

Nas versões de Agora Eu Era em tapeçaria, areia e ponto-cruz, fica claro como Jungle valoriza a integração entre arte e sociedade, já que elas foram feitas em colaboração com diferentes artesãos. Algumas delas ganharam vida em estandartes criados por carnavalescas.

“Aqui, tudo pode”

A curadoria de Tudo Pode (Perder-se) é assinada por Daniel Rangel, conhecido por seu trabalho em exposições no Brasil e no exterior. Rangel é diretor do Museu de Arte Contemporânea da Bahia e é familiarizado com o Concretismo. Ele foi curador da mostra REVER_Augusto de Campos, realizada em 2021 no Sesc Pompeia, em São Paulo.

Em seu texto curatorial, Rangel descreve a exposição como uma “ópera-rock com distintos climas e nuances que variam ao longo da montagem-partitura”. O curador também enfatiza que a mostra não busca esgotar o universo do artista, mas, ao contrário, convida a novos desdobramentos, como “ações on-line, projeções na fachada de prédios, exibições de filmes e muitas conversas com o artista”, sublinhando ainda que “aqui, tudo pode”.

A exposição Tudo Pode (Perder-se), de Tadeu Jungle, fica em cartaz até 20 de julho, de terça-feira a domingo, das 10 horas às 20 horas, no Espaço de Exposições do Centro Cultural Fiesp (Avenida Paulista, 1.313, em São Paulo). Entrada grátis.

*Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro / Fonte: Jornal da USP / O multiartista Tadeu Jungle – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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