Com apenas cinco meses para começar a operar, reforma divide opiniões de líderes educacionais
A implantação do novo ensino médio, seguindo o que prevê a nova revisão aprovada no Congresso na terça-feira (9), de maneira satisfatória até 2025 deve encontrar dificuldades. É o que dizem secretários de educação e especialistas que citam o curto prazo de tempo e as diferenças regionais como principais empecilhos.
Segundo matéria da Folha de São Paulo, o novo modelo de ensino, patrocinado pelo governo Lula (PT), exigirá ações como criação de diretrizes, adaptação de carga horária e também de itinerários formativos. A estrutura definida na reforma de 2017, com a divisão do ensino médio em dois blocos: uma parte comum a todos os alunos e outra, de itinerários formativos —linhas de aprofundamento a serem escolhidas se mantêm. Mas, agora, haverá mais tempo de aulas para a parte comum.
Considerando uma jornada de cinco horas de aulas diárias, totalizando 3.000 horas nos três anos de formação, 80% da carga horária deverá ser vinculado à parte comum. Esse bloco abriga disciplinas tradicionais —como português, matemática física e história—, com conteúdo vinculado à Base Nacional Comum Curricular. O restante, 20%, será direcionado para os itinerários formativos, agora divididos em cinco linhas: linguagens, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e ensino técnico e profissional.
“Nenhuma reforma educacional no Brasil começa de um ano para o outro”. “Há um longo caminho entre o que decide Brasília e o que ocorre nas escolas”, afirma Jonathan Almeida, professor e doutor em educação na Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) e diretor também do Ciep (Centro de Inovação e Conhecimento para a Excelência em Políticas Públicas).
Para Almeida, o prazo de cinco meses é insuficiente para realizar as adequações necessárias, caso do aprofundamento nas áreas de conhecimento. O professor argumenta que o país não possui um sistema nacional de educação que unifique as redes. Isso tornaria improvável implementar rapidamente as novas diretrizes em 27 sistemas estaduais com variado grau de complexidade.
“O risco concreto, e o provável, é que a reforma baterá na porta das escolas em um dia chuvoso no horário de almoço e a encontrará nas mesmas precárias condições de funcionamento, será recebida de má vontade e tomará o café frio que sobrou da manhã”, diz.
A presidente do Instituto Singularidades, Claudia Costin, tem um ponto de vista mais otimista. Apesar de concordar com as barreiras logísticas —secretarias com maior ou menor capacidade e diferenças na aplicação da última reforma—, ela defende que é necessário um esforço para implementar o novo ensino médio a partir do próximo ano letivo e para isso, cobra maior participação do MEC (Ministério da Educação).
“É importante lembrar que as 27 unidades da federação já vinham implementando o novo ensino médio desde 2017. Então, houve um processo de aprendizado, há currículos já aprovados. No período, porém, não houve muito apoio do MEC. Agora, precisamos de melhor articulação”, diz Costin.
Costin chamou a revisão aprovada pelo Legislativo de um “freio de arrumação”, uma forma de reorganizar e incrementar alguns pontos do projeto anterior, aprovado durante o governo Michel Temer (MDB). O agora relator do texto na Câmara, Mendonça Filho (União-PE) era ministro da Educação à época. Ele diz que as mudanças são necessárias para incentivar o estudante.
“A verdade é que não existe um modelo ideal de educação pública, o estado da arte. Porém, só aqui uma pessoa interessada em jornalismo, por exemplo, era obrigado a ter a mesma carga de ciências exatas que alguém interessado em engenharia. Isso era nossa jabuticaba”, relata.
O deputado defendia ainda o máximo de carga horária de 2.100 horas ancoradas na Base Nacional Comum Curricular, o que permitiria aos estudantes, maior liberdade para explorarem seus itinerários de interesse. Ele, porém, foi voto vencido na mesa de negociação e no lugar um projeto que prevê 2.400 horas para a maioria dos estudantes foi aprovado. Apenas aqueles no ensino técnico terão 2.100 horas, sendo que 300 horas desse montante devem aliar a formação geral e o ensino técnico.
Mendonça considera ser plausível adequar as redes de ensino ao novo ensino médio em 2025 e também fazer ajustes no Enem, para cobrar conteúdos conforme as áreas de conhecimento aprofundadas, a partir de 2027, mas não descarta adiar as mudanças, no exame, para 2028.
Na quarta-feira (10), representantes do governo petista se reuniram com secretários estaduais de educação em Brasília para discutir os próximos passos do projeto, que ainda aguarda sanção presidencial. O ex-ministro da Educação e atual responsável pelo ensino do Pará, Rossieli Soares (PSDB) estavam presentes. Soares demonstrou preocupação com o prazo para implementar a reforma em seu estado e afirma que, para ter certo sucesso, isso terá de ser feito de maneira escalonada. Para o 1º ano em 2025, 2º em 2026 e 3º em 2027. “Muitos dos secretários compartilham dessa opinião”, afirma. O MEC, porém, ainda não iniciou discussão sobre o tema.
O ministro pontua ainda que mudanças curriculares no Pará são inevitáveis para convergir com o novo projeto. Isso demandaria tempo, diretrizes e aprovação do CNE (Conselho Nacional de Educação). Para Vitor de Angelo, secretário da educação e presidente do Consed (Conselho Nacional dos Secretários de Educação) e que também esteve presente nas discussões, o fato dos debates terem começado ainda no começo do segundo semestre é algo a se celebrar e que é preciso confiar no trabalho das secretarias, ele porém compartilha da opinião de que a falta de tempo para a implementação do novo modelo deve gerar dificuldades.
Quem também celebra o início dos debates sobre o tema ainda em julho é Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo do Todos Pela Educação. Assim, diz ele, os estados terão um respiro para analisar e introduzir os novos procedimentos. Há, no entanto, coisas impossíveis de serem aplicadas já em 2025. “A parte da carga horária é mais viável. Difícil é realizar as mudanças nos itinerários. Envolveria mudanças nos materiais, contratação e alocação de professores, coisas que exigem tempo. Por isso, deveria ficar para 2026”, afirma.
Em São Paulo, a pasta de Educação diz que os novos itinerários convergem com os que já são oferecidos pelo estado. Por isso, a secretaria afirma que irá apenas realizar as adequações necessárias de forma que haja continuidade pedagógica. Para o ministro da Educação, Camilo Santana, todas as redes terão tempo para organizar a implementação das mudanças já para o próximo ano letivo, escreveu em nota.
Com informações do Bahia.ba / Foto: Imagem de Arquivo/ Agência Brasil