Em conversa com a diretora executiva da Pública Natalia Viana, redator da revista New Yorker compartilhou aprendizados da cobertura das últimas eleições dos Estados Unidos
Domingo, 20 de março de 2022
Bárbara D’Osualdo, Marina Dias
Na última terça-feira (15), começou o Festival 3i, que celebra o jornalismo inovador, inspirador e independente. O evento de abertura foi uma conversa com Jon Lee Anderson, redator da revista New Yorker, mediada pela co-fundadora e diretora executiva da Pública, Natalia Viana, que também é presidente da Ajor – Associação de Jornalismo Digital – organizadora do Festival 3i. O tema da mesa inicial, “O jornalismo que surge no caos”, também guiará os próximos 10 dias do festival, que acontece até 25 de março.
Além das mudanças no jornalismo nos últimos anos, sua crescente presença no mundo digital e a relação com as redes sociais – acompanhada de problemas como a desconfiança do público e as campanhas de desinformação -, os dois também falaram sobre as recentes ameaças à democracia em diferentes países, as eleições de 2022 no Brasil e, claro, a atual guerra na Ucrânia, que tem ocupado um espaço central nos noticiários do mundo todo. “É o primeiro conflito verdadeiramente global”, afirma Anderson.
A conversa foi puxada por uma fala de Anderson em 2016: “Quando eu vejo jornalistas se envolvendo profundamente com alguma coisa, sem nenhuma perspectiva de renda e de carreira, isso é fascinante, isso é jornalismo, esse é o caminho. Nunca houve uma época boa para ser jornalista, talvez agora seja a pior, as montanhas estão desabando, mas ao mesmo tempo coisas novas estão nascendo”. Seis anos depois, ele considera que os horizontes se ampliam à medida que a circulação de informações se torna mais instantânea, com a internet, mas que a essência e os desafios de ser jornalista permanecem os mesmos.
Anderson disse que já passou por momentos pessimistas com relação às mudanças trazidas pelas ferramentas digitais, mas que, com o tempo, percebeu que a linguagem ainda é a chave do jornalismo, mesmo que os meios de distribuição mudem. “Você ainda precisa dominar a arte de contar histórias”, resumiu. “Os jornalistas ainda precisam saber quais são as suas ideias, seus pontos fortes e encontrar formas de fazer com que o público se interesse pelo que fazem. Nesse sentido, sempre voltamos à essência, ao básico do jornalismo”, concluiu.
Quanto às mudanças positivas, Natalia ressaltou a possibilidade de experimentação e de uso de uma quantidade enorme de ferramentas. “Reconhecendo essas mudanças e reconhecendo que essas mudanças da revolução digital impactam não só o jornalismo, mas também a própria comunicação, a própria política e a própria guerra, a gente está num momento muito interessante para discutir [isso tudo]”, disse a presidente da Ajor.
Anderson, que já cobriu algumas guerras, lembrou que “todos os conflitos tiveram alguma tecnologia nova”, mas que a técnica da reportagem sempre é o elemento que define o jornalismo. Ele também lamentou a superficialidade de alguns vídeos que viu sobre a guerra da Ucrânia no TikTok: “Não basta estar em um lugar, tirar fotos, fazer vídeos e mandar para seus amigos. Qualquer um pode fazer isso.” Se estivesse cobrindo a guerra na Ucrânia usando o TikTok, Anderson diz que usaria os vídeos curtos para tentar, aos poucos, levar as pessoas para a realidade dos ucranianos.
Para ele, mesmo se uma resolução para essa guerra for encontrada em breve, o mundo já não será mais o mesmo de um mês atrás – “será um lugar pior, e continuaremos à beira de novos possíveis conflitos” -, a menos que os líderes mundiais encontrem maneiras de desescalar as tensões. Anderson também destacou o poder da propaganda política na Rússia, capaz de fazer com que muitos cidadãos – mesmo em uma era de tanto acesso à informação – nem acreditem que esteja ocorrendo uma invasão na Ucrânia.
Mas ele ressaltou que essa não é uma realidade apenas da Rússia: o jornalista relembrou a desinformação nos Estados Unidos após a derrota de Donald Trump nas eleições e a invasão do Capitólio. Além de ainda questionar os resultados, muitos republicanos e apoiadores do ex-presidente ainda hoje negam a gravidade ou até a existência do ocorrido de 6 de janeiro de 2021.
De olho nas eleições brasileiras, Natalia Viana perguntou o que podemos aprender com as eleições americanas de 2020. “Trump negou a vitória de Biden, enfraqueceu o sistema e levou à invasão do Capitólio”. Para ele, por mais que haja investigações e processos sobre o caso, há uma percepção pública de enfraquecimento da democracia. “O Brasil passa por uma situação semelhante com Bolsonaro, e estamos preocupados que ele possa tentar fazer como Trump.”
Anderson recomendou que, durante a campanha eleitoral, o jornalismo brasileiro olhe para grupos que sustentam o bolsonarismo, como os militares e a polícia, “que parece ter sido instrumentalizada por Bolsonaro”. Para Natalia Viana, tanto Bolsonaro quanto Trump se alimentam de forças que precisam ser mais investigadas.
O Festival 3i segue com programação totalmente online e gratuita até o dia 25 de março. As inscrições são gratuitas e podem ser realizadas pelo site do festival, onde também é possível consultar toda a programação e assistir às atividades já realizadas.
Fonte: A publica