Por Dhonatas Silva (Colunista Ipirá City)
Sônia chegou em casa depois de mais um dia cansativo e estressante no escritório. Tomou um banho quente, preparou um café bem forte, pôs a roupa mais confortável possível (nenhuma), e deitou na cama. Colocou o fone de ouvido e começou a buscar no Spotify por alguma música que a fizesse esquecer aquele que foi mais um dia terrível de vida.
Na verdade, pra ela nada mais fazia sentido. Estava a pouco mais de um mês separada, após o fim de um relacionamento que durou 15 anos.
Seu ex mudou-se para outra cidade com sua ex melhor amiga, seus pais já haviam partido para o outro plano, não tinha irmãos, nem filhos. Tinha apenas um emprego que segundo ela era chato, e que servia apenas para pagar suas contas. Amigos? Ela até tinha alguns, mas estes se afastaram por conta do ex que a controlava. A única amiga com quem ele a deixava ter contato e sair para onde quisesse era justamente a que fugiu com ele.
Enfim, voltando para o Spotify, Sônia encontrou uma música de Marisa Monte chamada Gentileza, apertou o play. Enquanto ouvia, lembrou-se de quando estava no ônibus, no retorno para casa, alguém a chamou de “gentil”.
─ Boa noite senhora, queira se sentar, por favor. ─ Na verdade ela já estava
entediada, pois havia passado o dia inteiro sentada.
─ Oh minha querida, muito obrigada, não sentei durante o dia todo.
Sônia sequer olhou para o rosto da mulher, que era uma vendedora
ambulante, mas mesmo sem querer, escutou a conversa da senhora com outra
passageira.
─ Você viu como essa mulher é gentil? ─ A senhora cochichou, fitando os
olhos em Sônia
─ Sim, é raro ver pessoas assim hoje em dia. Gentileza é raridade. ─ Rebateu
a mulher que estava ao lado da senhora.
Sônia ouviu aquilo, mas estava tão cega de amargura pelo dia que viveu e pela vida que vinha tendo que naquele momento nem se tocou de que era dela que estavam falando. A música Gentileza foi um gatilho não apenas para aquela lembrança recente, mas também para suas atitudes com as pessoas ao seu redor e também consigo mesma. Pegou no sono.
No dia seguinte ela acordou completamente diferente. Estava disposta a
mudar suas atitudes, decidiu tornar-se gentil. A mudança começou desde o abrir dos
olhos, iniciou o dia com oração e agradecimento. Arrumou-se e saiu para o trabalho.
─ Bom dia dona Rita, tudo bem?,
─ Qual seu nome mesmo? Você está bem? ─ Sua vizinha há anos não estava
a reconhecendo.
─ Sou a Sônia, moro nessa casa ao lado da sua, estou bem sim, obrigado por
perguntar. ─ Sônia estava com um sorriso radiante.
─ Eu sei quem você é minha filha, apenas estranhei você falar comigo, nunca havia acontecido. Tenha um ótimo dia de trabalho. ─ Dona Rita estava desconfiada. Sônia seguiu em direção ao ponto de ônibus. Lá estavam cinco pessoas que todos os dias pegavam o ônibus com ela, porém ela não as enxergava. Três eram amigas que se afastaram por conta do ex, a quarta pessoa era uma mulher que morava numa rua próxima, mas que a odiava simplesmente por achá-la bonita e imaginar que ela tinha uma vida perfeita, e a quinta pessoa era um rapaz que trabalhava no mesmo escritório que Sônia, porém nunca haviam se falado.
─ Bom dia gente, tudo bem com vocês? ─ Sônia estava com uma energia
contagiante, transparecia no brilho de seu olhar e em seu belo sorriso.
O ônibus chegou bem na hora. As amigas fingiram que não ouviram e
entraram rapidamente, a outra mulher a encarou com olhar de desdém e também
entrou no ônibus, enquanto Carlos retribuiu o bom dia. Entraram juntos e sentaramse um ao lado do outro.
─ Tudo bem? Me chamo Sônia, e você?
─ Oi, prazer, eu sei. ─ Carlos estava aéreo, hipnotizado no sorriso de Sônia.
─ Eu sei? Sério que esse é o seu nome?
─ Quero dizer, meu nome é Carlos, mas eu sei que seu nome é Sônia, te
observo faz tempo.
─ Nossa! Nunca te vi antes.
Sônia notou que as amigas a trataram com indiferença, quanto à mulher
desconhecida ela nem se preocupou com a maneira que foi tratada, já Carlos a fez
repensar seus atos de gentileza. Pensou consigo mesma:
─ Será que ele está interessado em mim, pelo simples fato de tê-lo tratado
com gentileza?
Chegando ao trabalho o bom humor de Sônia contagiou a todos, inclusive
ouviu algumas piadas dos colegas.
─ Olha ela, enfim esqueceu-se do ex.
─ Será que está conhecendo alguém. É você, Carlos? Chegaram juntos.
─ Acho que a noite dela foi boa, hein?
Mas Sônia não se deixou abalar, e seguiu sorridente durante todo o dia. Ao
entrar no ônibus para voltar para casa, ela avistou o celular de um jovem caindo no
chão sem que o mesmo notasse, mas Sônia prontamente abaixou-se, pegou-o e
devolveu-o ao dono.
─ Ei, seu celular caiu.
─ Meu Deus, nem percebi. Tive um dia difícil. Muito obrigado, Deus te
abençoe.
─ Por nada, apenas devolvi seu celular, qualquer um faria. ─ Ela se
impressionou com a forma que o jovem a tratou.
─ Você acha mesmo que qualquer um faria? Acabei de ser demitido e
comprei esse celular na semana passada. Nem cheguei a pagar a primeira parcela.
A senhora é muito gentil.
Sônia refletiu sobre o que ouvira e vivera naquele dia. Ao chegar em casa tomou um banho quente, preparou um café bem forte, pôs a roupa mais confortável possível (nenhuma), e deitou na cama. Colocou o fone de ouvido e começou a buscar no Spotify por alguma música que a fizesse fechar com chave de ouro aquele que foi um dia incrível de vida. Sônia encontrou uma música de Capital Inicial
chamada Melhor do que ontem, apertou o play.
Enquanto ouvia, refletiu sobre o quão bom é ser gentil, sentia-se leve, feliz, e lembrou-se que mais uma vez alguém a chamou de “gentil”. Mas também se preocupou em ver a reação das pessoas diante de gestos simples, atitudes normais. Mas será mesmo que são atitudes normais? Assim como a própria Sônia questionou o jovem do celular, será que qualquer um faria o mesmo? Não estaria a GENTILEZA em extinção?
Sônia estava apaixona pela sua mais nova versão, e assim seguiu, sendo gentil todos os dias. Falava com desconhecidos, devolvia o troco que lhe era entregue errado, respeitava os acentos destinados a deficientes, idosos e gestantes, pedia desculpas, com licença, obrigado, não tirava vantagem das situações, ajudava sem esperar nada em troca, não furava fila. Tornou-se empática, altruísta, e a cada
dia sentia mais amor pela vida. A nova Sônia contagiava todos a sua volta.
Dona Rita lhe convidava todos os domingos para almoçar com a família, todas as manhãs
encontrava seus cinco amigos no ponto de ônibus e os dias sempre começavam com vários sorrisos e resenhas. Todas as noites ao chegar do trabalho, tomava um banho quente, preparava um café bem forte, pusera a roupa mais confortável possível (nenhuma), e deitava na cama. Colocava o fone de ouvido e começava a buscar no Spotify por alguma música que a fizesse refletir. Na noite passada ela
pegou no sono ouvindo Jota Quest, uma música chamada Dias melhores. Sônia a
cada dia percebia que “gentileza gera gentileza”.